spoiler visualizarTalyta.Brito 03/07/2021
PIETRO E CAUÃ: INOCENTES MARCADOS PELO HORROR
O cheiro de café coado predominava por toda a sala, para acompanhar a bebida foram colocados sobre a mesa alguns ovos de chocolate encontrados na geladeira. Até aí, nada demais se o ambiente escolhido pelos policiais para o lanche não fosse palco de um dos crimes de maior repercussão da TV brasileira - o Edifício London, localizado na rua Santa Leocádia, 138, na Vila Guilherme, zona norte de São Paulo.
Já se passavam das 23h, do sábado 29 de março de 2009, quando o telefone do Serviço de Emergência da Polícia Militar de São Paulo tocou informando que uma criança de 5 anos havia sido arremessada do 6° andar do prédio. À 0h42 da mesma noite Isabella Oliveira Nardoni veio a óbito.
A informação da algazarra policial foi dita por Geralda, uma das moradoras do prédio, durante depoimento e posteriormente veio a público por meio do livro reportagem de Rogério Pagnan. Instigado pelos inúmeros questionamentos não respondidos, o jornalista iniciou uma apuração para aquele que seria considerado “O pior dos crimes” tendo em vista que o pai e a madrasta da vítima eram apontados como os principais suspeitos do delito.
A obra publicada pela editora Record é dividida em cinco partes, London - fragmento no qual o escritor se propõe a reconstituir os momentos em família que antecederam a morte da menina, A origem - discorre sobre as relações familiares do pais de Isabella. Em seguida, são apresentados os bastidores da investigação, perícia, julgamento e a condenação.
Pagnan demonstra exímio domínio das técnicas do Jornalismo Literário na primeira parte do livro, todavia, não consegue manter esse dinamismo e fluidez no decorrer da história. Os trechos referentes às investigações policiais são enfadonhos, não há elementos que aguçam a curiosidade do leitor.
Em paralelo com os bastidores do crime, o escritor traz à tona o debate sobre a ética profissional. Conforme o filósofo Aristóteles, o homem é um ser social. Sendo assim, foi preciso estabelecer diretrizes para nortear a vida em sociedade. De igual forma, a medida se aplica ao mercado de trabalho.
Embora os códigos deontológicos - conjunto de normas de comportamento que devem ser seguidas por profissionais de um determinado segmento - não tenham poder de coerção legal, isto é, o profissional não pode ser condenado baseado em tais diretrizes, Francisco Karam afirma que essas normas servem para orientar o exercício da profissão. Já dizia o apóstolo São Paulo “tudo me é permitido, mas nem tudo convém .
Fica nítido no decorrer das páginas as inúmeras infrações cometidas por jornalistas, peritos e investigadores. O Código Penal no artigo 307 tipifica crime o uso de identidade falsa. Mas a jornalista Naiana Oscar, ignorou o fato e se passou por uma amiga da família para conseguir participar do velório da menina. O artigo n° 7 do Código de Ética dos Jornalistas inciso V afirma que o profissional “ não pode incitar a violência”, mas a informação parece ter sido apagada da memória de um dos repórteres que aguardavam em frente ao 9° distrito pois ele chegou a dar uma “gravata” em Gabriel dos Santos, pedreiro que trabalhava ao lado do local do assassinato e por isso foi levado para depor. A versão apresentada por Rosangela Monteiro, perita do caso, que afirmava ser doutora em psicologia clássica não foi confirmada pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC- SP)
O autor é perspicaz ao concluir o livro reportagem. Tendo ciência que os leitores ao entrar em contato com a obra já têm um juízo pré-estabelecido do fato em decorrência da cobertura midiática, ele finaliza narrando os impactos da tragédia na vida dos familiares, em especial nos dois filhos do casal - Pietro e Cauã, inocentes marcados pelo horror.