Tainan Santos 01/05/2023
A MORTE COMO A SOLUÇÃO PARA A MANUTENÇÃO DOS PODERES POLÍTICOS
Autor da obra - Achille Mbembe
Autor da resenha - Tainan Santos Novais
“A política, ou seja, a expressão pública de poder e dominação está rodeada por obscuridades, as quais são negadas, ou melhor, desvinculadas da noção de política na sociedade pós-moderna, a saber, a morte como instrumento de dominação e afirmação do poder.
Ademais, segundo Achille "a racionalidade da vida, 'nesta noção de necropolítica', passa pela morte do outro". Ou seja, aqueles que coordenam a Sociedade, vislumbram a perspectiva de que a morte do outro, mas não qualquer outro, pois eles tem cor, etnia e classe, é a medida exata para que haja racionalidade na condução do poder. Ainda de acordo com Mbembe "a soberania consiste na vontade e capacidade de matar a fim de viver". Diante desse exposto, seria mesmo necessário toda essa brutalidade para que a vida vigorasse de maneira adequada? Mas quem iria usufruir dessa vida que necessita da morte para existir?
A expressão máxima deste ideal politica da morte está vinculado ao estado nazista, o qual dotado do direito legal de matar, exterminou milhares de vidas a fim de "proteger a si mesmo" dos inimigos internos e externos, os quais “ameaçavam” a sua tão cobiçada soberania. Foi nesse estado totalitário e mortal, onde a desumanização e a industrialização da morte alcançaram o seu clímax. Segundo Foucault, "o direito soberano de matar e os mecanismos de biopoder estão inscritos na forma em que funcionam todos os Estados modernos". Há na idealização política moderna, uma dicotomia tremenda, a da coexistência entre a proteção do cultivo a vida e o direito soberano em matar. Além disso, o racismo, pautado em estereótipos fundamentados no menosprezo e na invisibilidade, acabou por retirar das classes que sofrem com o racismo toda a sua humanidade, assim abriu-se um largo caminho para que toda e qualquer punição a elas ocorressem de maneira legal tanto no âmbito legislativo como no âmbito moral da sociedade.
Olhemos por outra ótica os acontecimentos da Segunda Guerra Mundial (SGM), não em perspectivas de amenizar ou concordar com os atos hediondos ali cometidos. Mas sim no âmbito de rever a origem de tais atos. Em sua obra Achille diz que "a SGM é a extensão dos métodos anteriormente reservados aos selvagens, isso pelos povos "civilizados" da Europa". Assim, para a cultura contemporânea não importa se as técnicas e tecnologias usadas nos massacres da SGM vieram das plantation ou das colônias dos séculos XV em diante, pois o desejo pelo esquecimento das mazelas passadas - as quais mostram as formações sociais e políticas da Europa ocidental moderna e contemporânea - está no ideário do poder político. A exemplo da subjugação do corpo, das regulamentações médicas de morte, o darwinismo social, a Eugenia, as teorias médico-legais sobre hereditariedade, a degeneração e a raça estão inseridos na cultura sanguinária usada pela Europa ocidental nos períodos já citados. O que, se juntadas a SGM só traria a Europa mais olhares de menosprezo dos demais povos. Assim, na perspectiva que é vendida na atualidade não há ligação alguma entre as mortes passadas e os massacres modernos. Ou seja, Hitler foi um louco, maníaco e lunático que exerceu seu poder para matar aquelas visto por ele como inferiores e impuros. Dessa maneira, na compressões dos negadores do passado, todas as lástimas cometidas pelos Estados europeus nos séculos remotos nada tem haver com as utopias de Hitler, pelo contrário, adentrar locais como as Américas e África foi um ato de bondade "dever do homem braco" levar até esses povos civilidade. O que, por sua vez, iria torná-los, segundo a mentalidade eurocêntrica da época, indivíduos melhores e aceitáveis para os padrões avançados da tão grandiosa Europa. Logo, não somente na modernidade e na pós-modernidade a soberania no ato de matar foi utilizada como forma de dominação e explicitação de poder, isso em busca do respeito e da obediência. Pois seguindo aquilo que dizia Maquiavel "é bem melhor ser temido que amado".
Mbembe ainda nos trás um outro exemplo clássico sobre a política da morte e do poder. A saber, o regime do apartheid na África do Sul, o qual ocorreu no século XX. Este foi mais uma herança do passado obscuro da Europa ocidental. Aqui, uma nação inteira foi dividida entre civilização branca e miseráveis negros e pobres. Como o nome sugere, Apartheid significa segregação, ou seja, separação que nesse contexto utilizou-se do tom da pele para que fosse realizada. Como outrora, para a implantação deste regime da morte foram usadas ferramentas já existentes na ocupação colonial, tornando esse processo uma colonização na modernidade tardia como diz Achille. Ou seja, relações como: "a subversão dos regimes de propriedade existentes; a classificação das pessoas de acordo com diferentes categorias; extração de recursos; e, finalmente, a produção de uma ampla reserva de imaginários culturais". Este último, como mais um ampliador dos esteriótipos e preconceitos acerca dos povos africanos e negros. Moldando-os em uma conceituação de inferiores e nascidos para servir. Nesse caso, aquilo que chamamos de soberania é a capacidade de definir quem possui valor e quem não, quem é descartável e quem é aproveitável.
Com o avanço das técnicas e tecnologias na contemporaneidade, o uso da necropolítica tendo em vista a soberania nacional ou internacional, matar tornou-se um assunto de alta precisão. Pois, o uso, em especial de policiamentos realizados no ar como: "sensores a bordo de veículos aéreos não tripulados, jatos de reconhecimento aéreo, helicópteros de assalto, e satélites de observação da Terra", são meios que possibilitam esse avanço e, de certa forma, uma sutileza no ato de exterminar outros em busca do poder. Além disso, um outro elemento crucial para a inabilitação do inimigo é a chamada técnica de Terra arrasada. Ou seja, é a destruição infraestrutural de todas as edificações indispensáveis para que uma determinada Sociedade possa ser conduzida de maneira minimamente adequada, a exemplo de: “arrasar pistas de aeroportos; desabilitar os transmissores de rádio e televisão; destruir transformadores de energia elétrica; e reservatórios de água potável”. Em outras palavras, é o desencadeamento de uma guerra infraestrutural que consumirá todas as possibilidades de reação deste "inimigo" a ser combatido.
Este ensaio de Achille Mbembe surge como uma explicação viável e realista do exercício do poder na contemporaneidade. Onde a morte, o sacrifício e o terror são usados como imposição na política (necropolítica). Assim, a vida irá vigorar frente à morte, a qual será concedida ou não pelos donos dos meios pelos quais a morte ocorre. Além disso, a aprimoração das maneiras de matar deixa-nos explícitos que os Estados pós-modernos colocaram o necropoder acima das coisas básicas para que a vida se mantivessem bem. Ou seja, hoje há mais investimentos em armamentos e na criação de novas técnicas de extermínios do que em educação, saúde e segurança. Pois o desprovimento destes colaboram para a expansão daquele. A saber, a necropolítica.