Eduardo634 18/03/2024
"Na morte, o futuro é colapsado no presente"
Mbembe busca realizar uma espécie de "genealogia" (com o perdão da possível imprecisão conceitual) das formas de Soberania contemporâneas. Nelas, encontra uma origem comum: as colônias. De lá retiraram suas técnicas e tecnologias; suas práticas e justificações. Nada tão próximo da África sob domínio europeu quanto a Palestina sitiada.
O soberano é aquele quem decide quem pode viver e quem deve morrer. O Estado de exceção - que o definiria em Schmitt - é apenas um dos seus métodos. A morte é aqui discutida, principalmente, pelo embate entre dois autores: Hegel e Bataille. O primeiro a põe como parte necessária na luta pelo reconhecimento que é inerente à formação da consciência e, sendo assim, está sempre no nosso universo de significação. O segundo, pelo contrário, a insere no "reino do dispêndio absoluto": é um "excesso" que não pode ser superado. A discussão aqui é sobre a negatividade e suas interações com o sujeito.
Pensando em como a morte é distribuída, chega ao conceito Foucaultiano de racismo (que nada tem a ver com a utilização corrente do termo). Este seria uma "tecnologia destinada a permitir o exercício do biopoder". O Estado nazista pode ter sido, como escreve Foucault, o ápice da biopolítica; mas Mbembe nos mostra que não foi seu começo. Foi nas plantations.
Entretanto, a biopolítica não é suficiente para explicar a experiência colonial. O colonizado não é cidadão como nos Estados modernos. É, já de princípio, inimigo. E, se é inimigo, pode ser sumariamente eliminado. Não há necessidade de justificativas posteriores. E é aqui que se vê uma outra característica desta forma de governo: o estado de exceção. Não a suspensão total do ordenamento jurídico, mas a completa anulação de qualquer status àqueles vistos através das lentes da inimizade
Assim sendo, quaisquer métodos que levem à eliminação do perigo (muitas vezes fictício, mas reiterado pela soberania) são aceitáveis. Entre eles - e aqui fecha-se a tríade Necropolítica - está a forma adaptada das técnicas de sítio medievais: roubo e destruição de recursos naturais, demolição de casas, contaminação de água e etc.
Por isso, para o autor, o exemplo ideal da Necropolítica é Gaza. Os paralelos entre a Shoah e o genocídio palestino são perfeitos? Não, assim como também não o são os feitos com o apartheid na África do Sul. Mas nem por isso se tornam menos justificados. A experiência em sua totalidade pode não ser a mesma, mas as características essenciais (biopolítica, estado de exceção e de sítio) estão lá.
E não é de se estranhar que o último tópico seja sobre a lógica do martírio e a autoimolação: ao suicidar-se, o sujeito toma controle daquilo que, já há muito, foi lhe tirado: a vida. Mesmo que, para tal, precise perdê-la. Tirar das mãos de outros o poder sobre a morte é, sem dúvidas, uma forma de libertação para esses indivíduos.
Tenebroso é pensar que isto pode ser a única opção.