Gabriel 10/11/2018
O ouro branco.
No decorrer da História, algumas rivalidades ficaram famosas por ocorrerem em meios de elevada estima e relevância social. São exemplos a ‘richa’ entre os clássicos compositores Mozart e Salieri, retratada, de forma até exagerada, no filme Amadeus, do diretor Milos Forman; ou também os atritos do físico Isaac Newton com seu contemporâneo de época, o não menos importante nas ciências naturais Robert Hooke, e também com o matemático alemão Gottfried Leibniz pela autoria da invenção do cálculo diferencial e integral.
No final do século XIX um dos mais célebres conflitos entre acadêmicos ocorreu, conhecido popularmente como A Guerra dos Ossos. Com a descoberta de fósseis no oeste estadunidense, os paleontólogos Edward Cope e Othniel Marsh travaram um intenso duelo pelos achados em busca do reconhecimento científico de suas pesquisas, fato que levou-os à falência econômica. À sugestão do curador do Museu Americano de História Natural e colega E. H. Colbert, o escritor Michael Crichton, do clássico Jurassic Park, escreveu sobre esse antagonismo real no romance Dentes de Dragão, que foi publicado somente em 2017, nove anos após sua morte.
Para retratar esse acontecimento, o autor coube de algumas liberdades artísticas, como a redução do tempo do fatídico embate, que durou aproximadamente uma década e meia, para um único verão, e a criação de um protagonista totalmente fictício que transita entre os dois oponentes ao longo da narrativa. No romance de Crichton, o personagem principal, William Johnson, é um jovem nativo de Yale que ingressa inicialmente na comitiva de Marsh como fotógrafo devido a uma aposta com um colega. Mal sabe o estudante, entretanto, que a viagem para o oeste pelas ossadas será mais perigosa do que imaginava, e envolve sérios interesses.
Em outros romances do autor, como O Enigma de Andrômeda, já ficara provada sua capacidade de mesclar gêneros como a Ficção Científica com o Suspense e o Mistério, mas neste livro aqui talvez tenha me deparado com uma mistura que nunca tinha visto antes. Há o elemento científico da história que envolve o estudo paleontólogo, associado com algumas discussões acerca do Darwinismo, que ainda aflorava naquela época. Existe, é claro, a parte da Ficção Histórica, pelo livro tratar de acontecimentos verídicos, e por reconstruir a sociedade daquele momento. E há também o ingrediente da Aventura, comum de obras de alguns escritores do final do século XIX, como o Jules Verne, com suas Viagens Extraordinárias, e o Robert Louis Stevenson, em sua A Ilha do Tesouro.
São evidentes as pesquisas do Michael sobre a situação histórica interna dos Estados Unidos dessa época, como os conflitos do governo com as tribos dos sioux que resultaram nas Guerras Indígenas, ou também a retratação fiel das principais cidades da região. Somado a isso, existe uma gama de elementos clichês do Velho Oeste americano que são inseridos no romance para dar um ar de entretenimento. Tiroteios, gangues, problemas com manadas de búfalos, conflitos com índios, e qualquer outra coisa que você lembra ao pensar em histórias de cowboys, sim, tudo isso está lá no livro.
A leitura do romance é uma das mais tranquilas que eu já vi, o texto é muito fluído e as páginas parecem passar bem rápido. O autor alterna entre a narrativa em terceira pessoa com trechos em primeiro plano, ora do diário de William Johnson, ora com as anotações pessoais do Marsh, e também com alguns escritos do Cope. Não há qualquer dificuldade em imaginar as situações que os personagens se envolvem nem as descrições geográficas, a imersão é feita de maneira simples e sucinta.
A narrativa sob o ponto de vista de um personagem que não é nenhum dos dois rivais permite ao leitor repensar constantemente seus conceitos sobre eles. Há um verdadeiro festival de mentiras que os oponentes jogam entre si, e é perceptível como a rivalidade causou até uma certa paranoia nos paleontólogos, fazendo-os desconfiar de todos, até mesmo do protagonista, que chega a ser confundido como um espião infiltrado no grupo de um dos acadêmicos.Uma pena que em certo ponto da trama o conflito seja simplesmente deixado em segundo plano, com a história focando exclusivamente na jornada de sobrevivência do fictício William Johnson, com a qual o autor perde qualquer compromisso em retratar fatos reais.
É notável, portanto, que o Michal Crichton foi um autor com boas ideias e diversificado ao trabalhar com diferentes gêneros literários, mas assim como em outras experiências lendo seus livros, tive uma mesma sensação ao terminar esse aqui: a de que o escritor não sabia escrever finais. Não que o dessa obra estrague tudo que veio antes, pelo contrário, mas as últimas páginas são, digamos… sem graça. É como se o autor tivesse pensado “bom, cansei, vou terminar o livro aqui, pronto”, e a história acaba de forma bem anticlimática. Mas não irei retirar o mérito, no entanto, de quem conduziu muito bem boa parte da obra.
Dentes de Dragão é uma ótima pedida para quem quer uma leitura leve e rápida. Descrito por Sherri Crichton, viúva do falecido autor, como “puro Crichton”, o livro contém as principais qualidades do escritor que o tornaram um best-seller: escrita dinâmica e ágil, e uma intensa pesquisa sobre os principais temas do romance. Talvez peque pela carência de um maior desenvolvimento dos principais conflitos, e pelo final enfadonho, mas entretêm o público leitor sem que deixe de mostrar uma verdade talvez dura: a de que até mesmo os mais cultos e prestigiados acadêmicos podem se rebaixar o suficiente em busca de mais sucesso.
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