Gabriel 16/09/2018
Houston, temos um problema...
Me lembro bem que há alguns anos atrás o mundo praticamente parou para assistir o resgate dos 33 trabalhadores que ficaram presos numa mina no Chile, numa operação cuja audiência foi superior a 1 bilhão de pessoas dada a comoção. Esse ano, um outro grande evento de salvamento ocorreu com os meninos tailandeses encarcerados numa caverna, em mais uma notável história de resistência humana. Mesmo com todo desenvolvimento tecnológico e medidas de segurança, não se pode excluir em 100% a possibilidade de ocorrerem falhas e a necessidade de realizar operações urgentes para salvar vidas, vide a Apollo 13.
Mas e se esse procedimento de socorro tivesse que ser realizado num lugar muito distante, como a Lua? Até a década de 60 acreditava-se que a superfície lunar continha espécimes de mares de poeira extremamente fina proveniente da quebra das rochas devido a grande variação de temperatura do satélite natural da Terra. E foi a partir dessa ideia que o clássico autor de Ficção-Científica Arthur C. Clarke escreveu Poeira Lunar. No futuro, a Lua é colonizada e os mares de pó são uma atração turística. Numa dessas expedições para conhecer esses locais a tripulação da nave cruzeiro Selene comandada pelo capitão Pat Haris é soterrada num deslizamento de terra, ficando presa numa imensidão de poeira. Uma mega operação de urgência deve ser realizada para descobrir a localização da nave e planejar uma forma de retirar os passageiros de lá.
Sim, o livro tem uma vibe de Perdido em Marte, só que enquanto num o astronauta está sozinho no planeta na obra de Clarke também há o fator grupal. Como controlar o pânico coletivo, administrar os recursos como Oxigênio e alimentação para tantas pessoas, e as desavenças entre os integrantes da nave? E em paralelo a isso tem-se a parte mais científica da obra, com as discussões entre os cientistas da melhor maneira de resgatar os tripulantes. Tudo isso é feito num tom bem leve e até humorado, sem que realmente crie-se um graaaande temor pela vida dos passageiros, embora se saiba do pouco tempo que eles têm até esgotarem o Oxigênio e a alimentação.
Os personagens não tem lá tanta profundidade. O maior foco aqui durante grande parte das páginas é como solucionar o plot principal da história, e aí entra bastante Física no meio: mapeamento de calor, propagação térmica, correntes de convecção, infravermelho, cargas elétricas, movimento de rotação da Lua. Quem não estuda costumeiramente esses assuntos não precisa se preocupar, o autor os mostra de um maneira acessível instigando ainda mais a leitura.
Ainda assim em alguns momentos o Arthur trata de outros assuntos, e gostei muito como ele os aproveitou para fazer algumas críticas à indiferença humana em muitos desses casos de resgate. A utilização de situações delicadas que envolvem vidas apenas para promoção própria, rivalidades de colegas de trabalho pela melhor solução, tentativas da imprensa em transformar o fato num espetáculo com artifícios para dar mais "emoção" e manter a audiência atenta. Só acho que faltou ao autor desenvolver um pouco mais essas ideias, esperava que ele fosse mais "ácido" nessas questões.
Alguns elementos da história são bem clichês: surgimento de um romance no meio da história, integrante da tripulação da nave meio estranho que você desconfia que fará alguma coisa mais a frente, novo problema que surge justamente quando as coisas estavam começando a dar certo, entre outros. Quando passou um pouco mais da metade não vou mentir que comecei a querer que o livro acabasse logo, pois o desenrolar começa a ficar desinteressante: mais uma teoria para o resgate, mais um contratempo que surge, e não parece que haverá muitas surpresas nas próximas páginas.
Poeira Lunar é, ainda assim, uma leitura bem prazerosa, que não me fez cair de amores por Arthur C. Clarke, é verdade, mas me deixou bastante engajado para ler seus outros livros que são bem mais renomados que esse aqui. Uma boa história datada baseada numa suposição que hoje se sabe não ser verdade, mas que na época rendeu uma ótima ideia ao autor, e que mostra a importância da ciência para a resolução dos problemas da vida.
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