Caverna 10/09/2020
Logo em seu aniversário de 18 anos, Cecília é demitida do seu emprego na livraria. Não por executar mal o seu trabalho, mas sim por um simples corte de verba, além do mais, ela sempre soube que aquele emprego era temporário. Ainda assim, Cecília sabe que sua mãe não vai reagir nada bem, então ela prefere esconder aquela informação e continuar fingindo que tinha um trabalho.
A mãe de Cecília a tivera muito jovem e o pai fugira assim que soube da gravidez. No início as duas possuíam uma boa relação, mas depois que o padrasto entrou em suas vidas, a mãe se distanciara e culpava Cecília por tudo, a fazendo se sentir indesejada e inconveniente.
Um dia, seu padrasto descobre a verdade e sua mãe gera uma discussão grande a ponto de mandar Cecília para fora de casa. Indignada e revoltada, Cecília sabe que sua primeira opção que a aceitará de braços abertos é a sua avó, mas ela não pode fazer aquilo mais uma vez com a senhora que vivia apaziguando a situação entre as duas. Estava cansada os desaforos da mãe, de se sentir um erro, e precisava manter-se o mais distante possível dela, então recorre à sua melhor amiga, Iasmin.
Ela, Iasmin e Rachel eram o trio de amigas que jamais se separavam no colégio. Por mais que tivessem personalidades bem diferentes, elas completavam uma à outra e sempre se sentiam bem juntas. Iasmin e seus pais nem titubeiam em deixar que Cecília fique com eles por um tempo, e por um momento ela se sente aliviada, até que lembra que ficar na casa de Iasmin significa ver Bernardo, paixonite de anos dela e irmão de Iasmin, todos os dias.
Bernardo frequenta a mesma faculdade que Cecília, embora faça um curso diferente do dela. Sai às noites para beber socialmente com os amigos, fica às vezes com Roberta, mesmo que não queira nada a sério com ela, e gosta da vida que leva, até que começa a conviver mais com Cecília e a enxergar de uma maneira diferente. Ele sempre a achou bonita, mas era melhor amiga de sua irmã, então nunca ligou em reparar demais nela. Mas agora, vendo-a diariamente em sua casa, conhecendo-a melhor, ele percebia o quanto os seus dias de bar e coleguismos eram sem graça. As conversas profundas com Cecília, as brincadeiras, mostravam à Bernardo como apesar de ter um ciclo social, ele nunca tivera amigos de verdade. Sempre estivera sozinho, mesmo cercado por pessoas.
Quando Cecília e Bernardo se beijam, as coisas complicam. Iasmin é muito ciumenta e provavelmente não vai aceitar bem a situação. E, acima disso, haviam as preocupações que rondavam a cabeça de Cecília, os pensamentos que jamais paravam. Ele estaria a escondendo? Estaria com vergonha de assumir estar com ela por ser gorda? Ele a abandonaria, como todos faziam?
Esse livro me pegou muito de surpresa e não sei se estava 100% preparada pra leitura. Sempre vi falarem muito bem da obra, mas hoje sei que não havia compreendido a sua importância e a profundidade dos sentimentos de Cecília.
Vamos então com os avisos pra não pegar ninguém desprevenido: O livro tem gatilhos de auto-flagelação e suicídio.
A relação tóxica de Cecília com sua mãe é o primeiro passo para que todo o resto desande. A mulher parece se preocupar mais com o marido que a trai do que com a própria filha. A agride com palavras, desmerece seus esforços, e até mesmo trocou a fechadura para que ela não voltasse mais. A rejeição da mãe e a fuga do pai a influenciam bastante, Cecília por essa razão tem medo de confiar nas pessoas e acredita que todos vão abandoná-la.
Depois das atitudes absurdas da mãe, e também de se envolver com Bernardo, Cecília começa a ter crises de pânico. Quando a tristeza é tamanha, ela se autoflagela. Esses eventos ocorrem em boa parte do livro e é simplesmente pesado. Não que a autora descreva as cenas em míseros detalhes, mas de alguma forma, enquanto lemos, é como se sentíssemos o ambiente tenso.
A boa notícia é que a escrita da Iris é simplesmente viciante! Flui com uma naturalidade enorme, me vi admirada com a forma como ela narrou a obra, já quero demais ler outros livros dela! Ela soube muito bem tratar de um assunto sério usando palavras medidas, impactantes e reais.
Alguém aí já brincou com os amigos de Fusca Azul? Essa brincadeira está bem presente na história e fiquei total na nostalgia, de tantas vezes que estapeei meus amigos do colégio. A gente sofria, mas se divertia haha. Trazer essas particularidades nacionais pra história foi um ponto altíssimo.
O livro é narrado pelo ponto de vista intercalado de Cecília e Bernardo. Gostei muito de ver o lado de Bernardo, porque além de ele amadurecer, se arrepender e correr atrás pra concertar seus erros, vemos como ele gosta de forma genuína de Cecília, e isso comove. Vemos também o quão complicado é amar alguém que sofre de depressão/ansiedade/crises do pânico. Esses transtornos não são simples de serem controlados, muitas vezes somente medicação ajuda, e é uma preocupação constante, o medo da pessoa ter uma crise e você não estar do lado, ou nem mesmo saber o que fazer para conseguir ajudar.
É difícil acompanhar os pensamentos negativos de Cecília, especialmente quando você se identifica. Algumas passagens me fizeram chorar, porque sei que já tive inseguranças e pensamentos depreciativos comigo mesma, e sem dúvidas muitos também já tiveram uma fase do estilo. Alguns lidam melhor do que outros, e para Cecília, a barra vai só aumentando, e apesar de ser um livro que considero super importante de ser lido, é também um livro que não recomendaria para quem sofre o mesmo que ela. Mesmo ao lado de suas fiéis amigas, Cecília não parece ser feliz. Ela só quer fugir e se esconder do mundo. E esses gatilhos podem colocar alguém ainda mais pra baixo.
De um modo geral, é muito bonita a mensagem que a obra passa, de que apesar das nuvens, sempre haverá estrelas no céu. Como dizia Renato Russo, “Mas é claro que o sol vai voltar amanhã”. É uma história tocante e delicada sobre aceitação, superação, auto conhecimento, sobre ter quem te ama por perto, sobre saber que você não está sozinho.
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