spoiler visualizarTatáVasconcelos 04/01/2020
Um Pouco de Paródia, Um Pouco de Clichê, E Muito... Mas Muito Amor Envolvido – E Envolvente!
Daí a criatura acabou de chegar na estante, e já quer ficar na prateleira dos favoritos... Pode isso, produção?
Claro que pode!
Não acontece toda hora, mas de vez em quando, a gente pega um livro, e ele de cara, conquista espaço no nosso Top Five de favoritos.
Foi o que aconteceu comigo, quando esta belezinha me caiu às mãos. O filme não está tão alto assim na minha lista de favoritos, mas o livro... Eu simplesmente não consegui parar de ler. E reler... E reler...
A Princesa Prometida nos apresenta três histórias de uma só vez: a história de amor ficcional entre Buttercup e Westley, que dá título ao livro; a história fictícia de seu autor fictício, o florinense S. Morgenstern; e a história fictícia de seu autor real, William Goldman, como ele conheceu a obra de S. Morgenstern, e como decidiu reeditá-la, só com as partes boas, conforme é mencionado abaixo do título na folha de rosto.
E como temos três histórias a resenhar, vamos por partes.
Primeiro, conhecemos a história de William Goldman, que teve seu primeiro contato com A Princesa Prometida aos dez anos de idade. Ele estava com pneumonia, e seu pai, que nascera em Florin – mesmo país onde nasceu S. Morgenstern, o autor fictício do livro –, decidiu distraí-lo lendo A Princesa Prometida, maior obra da literatura florinense, escrita por seu mais ilustre autor.
Goldman apaixonara-se pela história naquela ocasião, e foi graças a esse livro que ele se tornou um leitor voraz, e, mais tarde, um famoso autor e roteirista de cinema.
Todavia, Goldman jamais havia lido A Princesa Prometida, até decidir comprar um exemplar para seu filho.
A primeira evidência de que estamos diante de uma biografia ficcional encontra-se nesta passagem, em que um sebo nova-iorquino pretende cobrar mais de mil e trezentos dólares por um exemplar do livro. E nem era primeira edição. E o pior, o cara paga! Paga o livro, paga o frete, e inclusive paga uma polpuda gorjeta ao seu advogado para que ele busque o livro e o entregue em sua casa, já que, na ocasião, Goldman encontrava-se em Los Angeles, trabalhando no roteiro de um filme, enquanto sua esposa e seu filho permaneciam em Nova York.
E depois de ter pago uma pequena fortuna pelo livro, Goldman voltou para casa, e descobriu que seu filho não passara do primeiro capítulo, pois não gostou nadinha da obra que tanto o impressionara na infância.
Verdade é que o relacionamento de Goldman com o filho e com a esposa não era dos melhores. E embora tenha ficado magoado com o desprezo do filho pelo livro, Goldman não demorou a descobrir o motivo, e não pôde culpá-lo. O primeiro capítulo era ridiculamente extenso e repleto de abobrinhas que tornaria cansativa a leitura até para um fã de carteirinha de S. Morgenstern; e o segundo capítulo era ainda pior com cerca de sessenta páginas dedicadas a traçar toda a árvore genealógica do Príncipe Humperdinck, que francamente não interessaria a ninguém. E ele não se recordava de que a história fosse tão maçante assim.
Foi então que ele se deu conta de que seu pai lera para ele somente as partes boas do livro, deixando de lado todo o embromation, e toda a extensa e exaustiva ladainha irrelevante do autor.
Ele sabia que sem toda aquela baboseira, seu filho e vários outros meninos gostariam tanto do livro quanto ele gostou na infância. Assim, ele decidiu convencer seu editor a comprar os direitos da obra para que ele a editasse só com as partes boas.
Daí em diante, conhecemos a trama de A Princesa Prometida. Ao longo da narrativa, o autor interrompe a leitura inúmeras vezes para nos explicar o que foi cortado, e nos dar uma noção do que acontecera nos trechos extensos que ele “resumiu”. Mas essas interrupções, longe de atrapalhar a leitura, ajuda-nos a penetrar nessa trama inusitada, em que um autor, que antes de tudo era um fã apaixonado pelo livro, se intromete na narrativa para nos mostrar sua própria visão da história, como autor e principalmente como leitor.
E A Princesa Prometida – só com as partes boas – é uma história realmente fascinante.
A proposta do livro é apresentar uma espécie de sátira dos contos de fadas tradicionais, então temos vários elementos típicos de histórias épicas e românticas: uma mocinha que começa a história como camponesa, cuja beleza chama atenção de um príncipe, só que, aqui, ele está muito longe de ser encantado. Humperdinck é um sujeito arrogante e desprezível, que está mais interessado em aprimorar seus talentos de caçador do que em aprender a governar o reino (tipo o Gaston, de A Bela e a Fera). Se o casamento tivesse de fato sido realizado, é provável que em algum momento, Buttercup, a mocinha, acabasse assumindo os deveres que caberiam ao rei, devido à inabilidade de Humperdinck.
Mas é claro que, em se tratando de um épico romântico, a mocinha tinha um pretendente mais amável que o príncipe, e este é Westley, um rapaz que cresceu em sua fazenda, e que, ao descobrir ser correspondido em seu amor, decidiu lançar-se numa aventura para fazer-se digno dele, buscando fortuna num lugar distante. Todavia, a viagem parecia ser sem retorno, pois logo chegou a notícia de que seu navio fora atacado pelo Infame Pirata Roberts.
Isso levou a mocinha a aceitar o pedido de casamento de Humperdinck, a tornar-se a Princesa Prometida, e mais tarde a ter seu destino novamente entrelaçado ao de seu amado Westley e ao Infame Pirata Roberts.
A trama está repleta de aventuras, duelos de espadas, traições, conspirações, amores verdadeiros, personagens cativantes e frases marcantes. Quem poderia esquecer "Olá. Meu nome é Inigo Montoya. Você matou meu pai. Prepare-se para morrer", o bordão que, como diria o Chaves, foi repetido umas quarenta e quatro vezes, que nem o Cão Arrependido, antes do personagem concluir sua vingança?
Eu nem sei quantas vezes já assisti o filme, e por já conhecer tão bem a história não imaginava que fosse me empolgar tanto com o livro. Esperava por cenas cortadas do filme, por substanciais alterações que o roteiro pudesse ter sofrido, mas não encontrei praticamente nada nesse sentido. Como o roteiro do filme foi escrito pelo autor do livro, ele promoveu poucos cortes – quase todos cenas que caberiam em flashbacks e que foram simplesmente narradas pelos personagens em suas conversas, mas nada além disso.
E ao terminar de narrar a história da Princesa Prometida, continuamos nos inteirando da saga de seu autor, William Goldman para transformar o livro em filme. E sobre sua empreitada seguinte, que se trataria de reeditar também a continuação desta história, intitulada O Bebê de Buttercup – que nunca saberemos se chegou de fato a ser escrito inteiro ou não.
Nessa altura descobrimos que, apesar de o mundo inteiro ter gostado de sua edição de A Princesa Prometida Só Com As Partes Boas, os moradores de Florin, especialmente os atuais detentores dos direitos autorais de S. Morgenstein odiaram sua versão, e queriam que Stephen King editasse a continuação. O próprio King – supostamente descendente de florinenses – não gostara da versão de Goldman, e estava animado para adaptar O Bebê de Buttercup. Mas aí o autor conseguiu convencê-lo a pular fora do projeto, depois de revelar os verdadeiros interesses da vaca dissimulada que tinha os direitos de S. Morgenstern, prometendo ir até Florin, visitar o museu dedicado à Morgenstern e mergulhar fundo na continuação desta história, acompanhado agora do neto – nesse meio tempo seu filho cresceu, casou, passou a gostar do livro e o compartilhou com o filho, que também se apaixonou pela história.
E nesse museu ele acabou tendo acesso ao diário onde o autor – S. Morgenstern, no caso – escrevera todo o passo a passo da criação de O Bebê de Buttercup.
O livro não chega a dar muitos detalhes a respeito do autor fictício de A Princesa Prometida. Sabemos apenas que Simon Morgenstern nascera em Florin – um país fictício situado provavelmente no território atual da Alemanha –, e que graças às suas obras admiráveis, que revelaram Florin para o mundo, ele é considerado um herói local – eu poderia dizer que seria como Machado de Assis por aqui, mas não me lembro da existência de nenhum museu inteiramente dedicado ao nosso romancista. Carlos Drummond de Andrade, talvez...
Seja lá como for, Goldman nos presenteia com o primeiro capítulo de O Bebê de Buttercup – dividido em quatro partes –, em que descobrimos que Westley sobreviveu ao vencimento da pílula – e com disposição bastante para engravidar Buttercup –; nossos heróis conseguiram escapar de Humperdinck e encontrar refúgio num lugar inalcançável para o Príncipe; que gigantes podem ser ótimas babás; partos podem demorar dias; que Inigo teve um passado romântico enquanto praticava para se tornar o melhor esgrimista do mundo – aliás, uma parte que ficou totalmente perdida, deslocada e sem propósito, com a falta de continuação do livro –; e temos a triste notícia de que um de nossos herói está prestes a morrer.
E deixa no ar o que seria a promessa de nos entregar O Bebê de Buttercup antes que fosse lançada uma edição comemorativa dos cinquenta anos de A Princesa Prometida.
Promessa esta que... ficou só na promessa mesmo.
Antes de terminar preciso esclarecer umas coisinhas – a quem já leu ou pretende ler o livro:
* A parte biográfica do livro, em que o autor conta como conheceu A Princesa Prometida, que encomendou o livro para o filho, decidiu reeditá-lo e tudo mais, é pura ficção. William Goldman teve somente filhas, o nome de sua esposa não era Helen, e francamente nem quero descobrir se houve alguma Sandy Starling – honestamente, acho que a mulher dele também prefere não saber. Quem leu entenderá. Só a pneumonia foi verdadeira, mas ele já era adulto quando isso aconteceu, e foi o que o inspirou a escrever o livro;
* Nem preciso dizer que a trama toda que envolve S. Morgenstern, o museu em Florin, a própria existência de Florin, e provavelmente o envolvimento de Stephen King com qualquer versão dessa história também é ficção;
* E principalmente: eu gosto bastante do filme – numa lista de favoritos, ele com certeza figura entre os duzentos; não me atrevo a definir uma posição, pois gosto de muitos, dos mais variados gêneros e tem muitos outros de que eu gosto mais, mas posso dizer que gosto bastante deste –, mas o livro foi simplesmente o melhor – permitam-me ressaltar O MELHOR! – livro que eu li em 2018.
A Princesa Prometida é DEZ!
E o mais importante: "Eles viveram felizes para sempre..."
P.S.: Lá no blog, a resenha é uma mescla do livro com o filme, contendo imagens do filme, quotes e diálogos do jeitinho que o pessoal que acompanha o Admirável Mundo Inventado já conhece. Divirtam-se! *-*
site: http://admiravelmundoinventado.blogspot.com/2019/09/um-pouco-de-parodia-um-pouco-de-cliche.html