Eros e Psiquê

Eros e Psiquê Apuleio
Apuleio de Madauros




Resenhas - Eros e Psiquê


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bia0512 09/04/2024

Achei bem rápido de ler, um livro pra você se inspirar no verdadeiro amor. Serve pra passar o tempo, achei fofinho!!
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iszbellz 25/02/2024

Eros e Psiquê
O livro tem várias palavras difíceis de entender, é também um livro meio arrastado, mas como eu gosto bastante de mitologia grega/romana acabei gostando.
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Sofia136 20/12/2023

Eros e Psiquê é aquele famoso romance épico que muita fé conhece: sobre um amor duradouro, fiel e coisa e tal.
Gostei bastante do livro, ainda mais porque sempre fui obcecada por mitologia.
Indico pra quem gosta.
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Emanuel.Müller 18/10/2023

Ótimo mito para começar a mitologia greco-romana
Já fazia algumas semanas que queria ter escrito esta resenha, porém de hoje não passa. Com ela, não gostaria de apenas dar as minhas recomendações de leitura, como também tenho o intuito de dar possível chaves de interpretação, levando em conta a minha exegese sobre o texto. Pode ser que a minha leitura sobre a obra possa dar luzes e auxiliar em interpretações vindouras, e assim, vamos construindo juntos as visões riquíssimas que os clássicos da literatura nos fornecem.

É importante destacar que a mitologia greco-romana é tão rica que chega a ser atemporal, pois estas narrativas (próprio da palavra do “mito” que significa isso e não “mentira”) tem o intuito de narrar, não somente a origem de algo, segundo um povo e uma cultura (cf. MEDEIROS, Hamilton Sérgio Nery de. Nota introdutória: O Mito de Apolo e Dafne. In: OVÍDIO, Publio. Apolo e Dafne: Metamorfoses, livro I, versos 452-567 / Tradução e notas: Hamilton Sérgio Nery de Medeiros, Jaqueline Rayane de Moura Lima, Lisandra Dias, Luciene Viana de Brito, Robson Lucena Carneiro - Tutóia, MA: Diálogos, 2023, p. 15s), mas também em nos ensinar sentidos e lições preciosas que estão por de trás do mito (cf. REDAÇÃO BRASIL PARALELO. O que é mito na filosofia? Entenda a função dos mitos na formação das sociedades. Brasil Paralelo. Disponível em . Acesso em 17 out. 2023; BRASIL PARALELO. QUAL A IMPORTÂNCIA DA MITOLOGIA GREGA HOJE? | Insight BP. Youtube. Disponível em . Acesso em 17 out. 2023. Duração: 14min 59s).

Se a mitologia não tivesse nada a oferecer, não haveria diversas chaves de leitura para um determinado mitos, como leituras psicológicos, sociais, filosóficos, religiosas e etc. Um mesmo mito pode ser visto de diversas maneiras diferentes (cf. REDAÇÃO BRASIL PARALELO. O que é mito na filosofia? Entenda a função dos mitos na formação das sociedades. Brasil Paralelo. Disponível em . Acesso em 17 out. 2023). Freud se utilizou do mito de Édipo para trabalhar sobre o famoso complexo de Édipo, assim como Marx também utilizou-se do mito de Prometeu dentro de sua filosofia (cf. BRASIL PARALELO. QUAL A IMPORTÂNCIA DA MITOLOGIA GREGA HOJE? | Insight BP. Youtube. Disponível em . Acesso em 17 out. 2023. Duração: 14min 59s).

É importante destacar dois pontos de antemão:
1 – haverá alguns “spoilers”, mas estes não comprometerão no todo da leitura, uma vez que trarei pontos e chaves de leitura. E tais pontos não comprometerão no desejo de conhecer a estória na íntegra, uma vez que me utilizarei de pontos isolados, o que, para uma compreensão da estória no todo, será necessário a leitura da obra propriamente dita. Além do fato de que a escrita e tradução poética e acessível da obra, e como ela foi escrita, já vale por si mesma a leitura;
2 – algumas das chaves de leituras aqui trazido serão de ótica cristã-católica. Mas não me utilizarei da minha fé para demonizar o mito, mas sim para seguir aquilo que aprendi com São Basílio de Cesareia, em sua obra “Carta aos jovens sobre a utilidade da literatura pagã”, de aproveitar os bons ensinamentos que a obra traz. Isto vale para todos, independentemente do credo. E falo isso, porque vivemos em uma era em que qualquer discordância já é motivo de ressentimento e de ojeriza. Ora, podemos aprender muito com pessoas que pensam diferente de nós. Além do fato que conhecer não é crer. Quando conhecemos o ponto de vista do outro, passamos a entender porque o outro pensa de tal forma, mesmo que não concordemos com tal visão. Este exercício é fundamental todo o mundo fazer, mas infelizmente poucos fazer, porque exige trabalho e o sacrifício do próprio orgulho. O que é uma tarefa um tanto árdua, porque vivemos um era do narciso, isto é, a era do eu.

Trarei os pontos que gostaria de comentar:


- Sobre a inveja e o ciúme;

Antes de começar a abordar sobre esta temática na obra – ou melhor dizer temáticas – gostaria de refletir sobre a palavra “inveja” e “ciúme” a partir de outro idioma: o inglês. Sabemos que o inglês é um idioma considerado simples por si mesmo. É fundamental ressaltar que a palavra inveja é conhecida como “envy”, enquanto ciúme como “jealousy”. Porém, muitas vezes estas palavras se intercambiam, como por exemplo, de se usar a palavra ciúme para algo que está se expressando para designar a inveja de algo. No entanto, este fenômeno não acontece ao contrário. A palavra “jealousy” é usada para designar ciúme e inveja, mas a palavra “envy” é usada apenas para inveja. Porque ambas palavras tem haver com cobiça, mas “jealousy” (ciúme) é mais próprio de alguém que tem uma suspeita desagradável de que a pessoa amada está traindo ou um temor de abandono. Enquanto que “envy” não expressa esta ideia de suspeita e temor de perda, propriamente dito (cf. MERRIAM-WEBSTER. Jealous vs. Envious. Disponível em < https://www.merriam-webster.com/grammar/jealous-vs-envious#:~:text=The%20words%20are%20scarcely%20synonymous,suspicion%2C%20or%20apprehension%20of%20rivalship. >. Acesso em 17 out. 2023).
Levando em conta a língua portuguesa, muitas vezes utilizamos a palavra “ciúme” no lugar de “inveja”, mas não ao contrário. De certa forma, a palavra “inveja” tem um peso desagradável e gera uma impressão ainda mais pecaminosa do que o ciúme em si. Possivelmente, o termo “ciúme”, ao meu ver, possa ser usado eventualmente por algumas pessoas como eufemismo de inveja. Mas para designar o receio da perda de alguém ou de algo, a palavra “ciúme” é mais apropriada do que “inveja”.

Mas qual é a real diferença entre ambas?

Padre Inácio Almeida explica que o ciúme precisa de três pessoas (ou duas pessoas e uma coisa), enquanto que a inveja precisaria de duas apenas. O ciúme precisa do ciumento, da pessoa ou da coisa em que se tem medo de perder, e a ameaça ou “ameaça” (uma vez que muitas vezes, o ciúme é fruto de uma desconfiança vã, de algo que nem está acontecendo de verdade). O ciúme tem uma rivalidade, mas em virtude do temor da perda de alguém ou de algo. Enquanto que a inveja somente há o invejoso e o invejado (cf. PEREGRINANDO.ARAUTOS. O Temperamento melancólico é o mais propenso a ter ciúmes... Disponível em < https://www.instagram.com/p/CvewotsNyBa/ >. Acesso em 19 set. 2023).

Muitas vezes, o invejoso não quer ter o que o invejado tem, mas simples quer que a vítima perca (cf. CADEMARTORI, Ligia. Apresentação. In: APULEIO, 2009, p. 9 ). A inveja é a alegria da tristeza do outro. Todo o mundo a sente, mas torna-se pecado cometido pela pessoa a partir do momento que a mesma a consente e alimenta. Porque há uma grande diferente entre sentir inveja e consenti-la. Uma coisa é ser tentado a invejar, outra é desejar invejar. É um pecado corrosivo, da qual a pessoa deseja ardentemente a tristeza e frustração do outro.

E de que forma o ciúme e a inveja estão presentes nesta obra mitológico?

O ciúme pode ser encontrado propriamente expresso em Vênus por Psiquê. Psiquê, das três filhas do rei, é a considerada a minha bela. A sua beleza era tão estonteante, que muitas pessoas de reinos e lugares diferentes iam ao reino somente para contemplá-la (cf. APULEIO, 2009, p. 10). Muitos consideravam que ela mesma fosse a encarnação da deusa Vênus, que resolveu se fazer carne e habitar entre os homens (cf. APULEIO, 2009, p. 10).
Outros até diziam de que Psiquê fosse a Nova Vênus (cf. APULEIO, 2009, p. 10s). Em suma, “agora, [Psiquê] é a uma menina que se dirigem as preces, é a uma mortal que se rogam as graças antes imploradas a Vênus” (APULEIO, 2009, p. 11). E para piorar, os homens não estavam mais oferecendo preces e sacrifício ao templo da deusa, a deixando de lado (cf. APULEIO, 2009, p. 11).
Tudo isto faz com que a deusa do amor se ire de ciúme, a ponto de proferir tais palavras:
“Então, eu, Vênus, mãe da natureza, origem primeira dos elementos, fecundadora do universo, fui reduzida à humilhação de dividir com uma mortal as honrarias que são devidas à minha majestade, e vejo meu nome, que o céu consagrou, profanado na terra. Devo então aceitar que os que me adoram adorem igualmente a ela e que minha imagem se confunda com a de uma jovem sujeita à morte como todos os humanos? [...] Mas essa jovem não fruirá por muito tempo da usurpação que cometeu: a sua beleza será a causa de seu tormento” (APULEIO, 2009, p. 12).

Levando em conta a o que caracteriza o ciúme por essência, quais são as três pessoas aqui configuradas para sê-lo:

- Ciumento: deusa Vênus;
- A quem se tem medo de perder: os fieis e adoradores;
- Rival (segundo Vênus): Psiquê;

Vênus tenta prejudicar ao máximo Psiquê, até mesmo quando ela se torna sua nora. A deusa se ira com o próprio filho de tê-la feito esposa, a sua considerada rival (embora Psiquê não deseje ser inimiga dela), e pior tê-la engradado. A deusa do amor e da beleza agora não era mais mãe, agora era avó (o que na visão da deusa beira a quase um escândalo, inclusive pelo fato de seu filho deus ter se enamorado com uma mortal, que na visão da deusa, desonrou a família).

Vênus possui um ódio de ciúme contra Psiquê (importante destacar que a inveja não é a única a promover o ódio). A ponto de fazer com que a mortal enfrente provas praticamente impossíveis para poder viver feliz para sempre com Eros, o Cupido. Vênus se torna a imagem da pérfida sogra, em que chega até a ameaçar a morte intrauterina – aborto – do fruto de Psiquê com Eros, caso a jovem não consiga cumprir as provas. Vide as palavras da deusa:

“- Enfim te dignaste a vir cumprimentar a tua sogra? Ou vieste visitar o marido enfermo a quem feriste mortalmente? Mas fica tranquila, pois vou te receber como se recebe uma boa nora... Onde estão Inquietação e Tristeza, minhas servas?” (APULEIO, 2009, p. 59).
Nota-se às claras o sarcasmo da deusa Vênus ao proferir as palavras “vou te receber como se recebe uma boa nora”. Além desta frase ser seguida de “onde estão Inquietação e Tristeza, minhas servas?”. Sabemos que a imagem da sogra, culturalmente, parece ser demonizada. Mas esta imagem beira a uma injustiça quando generalizada. Mas voltando a Vênus, vejam esta segunda frase a seguir:

“ – Vejam só! Ela pretende me enternecer com esse ventre crescido, donde deve sair o fruto glorioso que supostamente me tornará uma feliz avó! Muito feliz! Eu, na flor da idade, ser chamada de avó pelo filho de uma escrava que passará por neto de Vênus! Mas que tolice a minha! Como falar em neto se se trata de uma união ilegal? Um casamento realizado numa casa de campo, sem testemunhas e sem o consentimento do pai não tem legitimidade. Teu filho será um bastardo, isso se deixarmos que a gravidez chegue a bom termo” (APULEIO, 2009, p. 6).
As palavras da deusa ciumenta “isso se deixarmos que a gravidez chegue a bom termo” revelam um desejo de que a criança deixe de existir, tal como Herodes desejava a morte do menino Deus.

Aqui Vênus não tem inveja de Psiquê, mas sim um terrível ciúme, porque os homens substituíram a adoração à deusa por uma criatura. O que é expressado pela indignação supracitada de Vênus ao proferir as seguintes palavras: “Devo então aceitar que os que me adoram adorem igualmente a ela e que minha imagem se confunda com a de uma jovem sujeita à morte como todos os humanos?” (APULEIO, 2009, p. 12).

Nota-se que os deuses tinham um desprezo contra os mortais, como se fossem “escória”, seres inferiores. O fato de Eros ter se unido com Psiquê, a sua rival, é como um rei se casar com uma escrava. Esta ojeriza dos deuses imortais contra os mortais não é encontrada no cristianismo, até porque o próprio Deus Criador assume em seu ser a natureza criatural, tornando-se homem, sem deixar de ser Deus. E ser torna servo. Sim! O Todo-Poderoso assume a servidão, até o ponto de se fazer impotente na Cruz, para que com sua impotência pudesse dar a Graça Sobrenatural a todos homens, para que com Ele, por Ele e n’Ele, pudessem operar coisas impossíveis que só Deus seria capaz de fazer. Dentre este poder operado pela graça, encontra-se a graça da Vida Eterna, que depois será melhor trabalhado quando comentar sobre a “ambrosia”, alimento ou bebida da imortalidade.

Agora, onde se encontra a inveja na obra? Nas irmãs mais velhas de Psiquê.
Em um dos pontos conseguintes, abordarei sobre a beleza de Psiquê como algo que não levou aos demais homens a pedi-la em casamento. Preciso destacar de que as irmãs de Psiquê se casaram antes dela, e Psiquê tinha medo de passar a vida inteira solteira e sozinha, tal como a moça do conto “A Carta” de Machado de Assis.

Contudo, quando Psiquê se casa, ela não sabe que se casou (ainda que ilegitimamente, logo trata-se de uma união, mais do que um casamento legalizado) com o próprio deus Eros. Mas as irmãs ao saberem que ela casou com alguém misterioso e que a irmã tem empregados e vive em um lindo palácio, isto faz com que elas cogitem que ela realmente tenha se casado com algum deus. O que desperta uma terrível e corrosiva inveja entre ambas, a ponto delas proferirem as seguintes palavras:

“- E com a crescente intimidade e o amor que os une, quem duvida que esse deus, seu esposo, não irá transformá-la em deusa também?
- Claro, é isso que ela pretende, basta observar a sua atitude. Já deve sentir-se uma deusa, uma vez que é servida por vozes e dá ordens ao próprio vento. Enquanto eu, coitada de mim, tenho por marido um homem mais velho que meu pai e mais calvo que uma abóbora, um anão menor que um menino e que tudo o que possui traz trancado com fechaduras e cadeados” (APULEIO, 2009, p. 28).

A inveja dissimula a interpretação das irmãs de Psiquê, que pensam que a irmã estava se envaidecendo e que, com pena, deu presente a elas, ao invés de pensar que fosse um gesto verdadeiro de amor (vide APULEIO, 2009, p. 27ss). O mesmo ocorre com o demônio e com as pessoas que odeiam a Deus, pensam que Deus não as ama, e que possuem um interesse obscuro por de trás (não encontrei o vídeo do Pe. Paulo Ricardo, que aborda a este respeito, mencionando um trecho da obra de C.S Lewis, “Cartas de um diabo a seu aprendiz”).

Aí percebemos às claras que não é porque são irmãs que sejam amigas de Psiquê. Ser irmão e ser amigo são coisas distintas. Vejam o exemplo dos irmãos de José, que o venderam como escravo e mentiram para o pai Jacó que o filho havia sido morto por uma fera. Os irmãos do jovem o amavam ou o odiavam mediante uma inveja? Poderíamos pensar aqui que talvez fosse ciúmes, porque pode-se aplicar aquela tríplice do ciúme, mas aqui também se trata de inveja de certa forma. Mas no caso das irmãs de Psiquê, trata-se claramente de inveja, porque queriam que ela perdesse tudo, inclusive o amor do próprio deus Eros.
A inveja das irmãs de Psiquê nos fazem recordar da inveja de Lúcifer contra Deus e contra os homens. A Palavra de Deus ensina que “é por inveja do demônio que a morte entrou no mundo, e os que pertencem ao demônio a provarão” (Sb 2, 24). Foi por inveja do demônio que os pais Adão e Eva caíram no pecado. É por inveja do demônio que ele segue a nos tentar, porque ele sabe que nós podemos ter a felicidade eterna, enquanto ele nunca a terá. O invejoso sempre deseja que o invejado estava na mesma condição inferior que ele, ou até mesmo em uma condição pior do que a dele. Era inadmissível, na visão das irmãs de Psiquê, que a irmã mais nova estivesse em uma situação melhor do que a delas. O fato dela ter um marido melhor, tratando-se de um deus, era um absurdo para elas. Elas se sentiam tristes com a conquista da irmã, fazendo com que elas armassem um plano maligno contra a jovem.
Sabendo que Psiquê não vira o rosto do marido – até porque não podia ver, a mando do próprio deus Eros, que não queria revelar a sua face – elas disseram a irmã que descobriram que o marido dela, na verdade, se tratava de um monstro com cabeça de cobra, pronto, mais cedo ou mais tarde, a dar-lhe um bote e um fim terrível (vide APULEIO, 2009, p. 35s). Psiquê, que havia prometido nunca trair a lealdade de seu amado, apavorada com o que as irmãs – que se diziam amigas dela – havia lhe dito, desenvolvendo a terrível curiosidade. E para pior, a irmãs a incentivaram matar o próprio marido, antes que ele a matasse (cf. APULEIO, 2009, p. 35-38).
Sobre este ponto da traição, comentarei no próximo tópico. É importante destacar que com este mito, aprendemos o fim que ocorre a todo aquele que é invejoso e que não se arrepende e não se trata deste grande mau: a morte. A inveja leva a todos a morte, portanto, esta doença mortal deve ser tratada o quanto antes, antes que seja tarde demais.


- A traição de Psiquê e reflexão correlacionada ao pecado original;

Eros não queria, de forma alguma, que Psiquê conhecesse o seu rosto. Em um dos próximos tópicos será abordado uma possível razão que justificaria esta vontade de Eros, de não ser conhecido por Psiquê. Mas o fato é que Eros havia acordado com sua amada, que ela nunca visse seu rosto, caso ela desobedecesse, ele iria embora e nunca mais voltaria. Psiquê jura que nunca mais veria o rosto de seu amado.
Contudo, Eros alerta Psiquê acerca de suas irmãs e do perigo – da qual elas seriam responsáveis – de fazer a jovem em desobedecer o pedido do deus (vide APULEIO, 2009, p. 21s). Ou seja, se caiu, não foi por falta de aviso.
Eros, de alguma forma, esta consciente do que iria acontece e sabia muito bem que as irmãs invejosas de Psiquê estavam armando um plano para separá-los definitivamente, e alertou a esposa para ficar de olhos aberto. A esposa jurou que nada aconteceria (cf. APULEIO, 2009, p. 31s), mas não foi o que aconteceu.

Tal passagem do mito nos faz remeter ao segundo e terceiro capítulo do livro de Gênesis, sobre o alerta de Deus sobre não comer do fruto proibido e a consumação do grande mau com a queda no pecado original. Deus avisa ao homem que se podia comer dos frutos de qualquer árvore, inclusive da árvore da vida, com exceção do fruto da árvore do conhecimento do bem e do mau (cf Gn 2, 16s), que significa ter a posse da decisão o que é certo e errado, isto é, ser como Deus sem Deus. Excluir Deus de ser participante da vida do homem. Comer da árvore do fruto proibido é decidir ter uma vida autônoma, sem a presença do Criador. Ter uma felicidade distante de Deus, sendo que a verdadeira felicidade se encontra em Deus, o contrário se trata de uma ilusão.

Conforme foi exposto no último tópico, “é por inveja do demônio que a morte entrou no mundo” (Sb 2, 24). A morte aqui tratada, não é apenas no sentido biológico, mas sobretudo teológico, assim como também pode se encontrar em diversas passagens da Escrituras. Morte no sentido de rompimento na amizade com Deus. Querer que Deus se distancie da pessoa (cf. COSTA, Dom Henrique Soares da. Escatologia: sobre o fim do mundo. – 8ª ed. – Lorena: Editora Cléofas, 2021. p. 33), tal rejeição através do pecado seria uma espécie de ateísmo ativo (cf. CANTALAMESSA, Raniero. Amai-vos até o fim. Tradução de Isaias Silva Pinto. – São Paulo: Editora Ave-Maria, 2020. p. 12). Porém, o que o homem não sabia é que o pior ateísmo é o passivo, quando Deus se afasta do homem, é a pior coisa que pode acontecer (cf. CANTALAMESSA, 2020, p. 12).

A serpente, isto é, o demônio, para fazer com que Adão e Eva caíssem no pecado, mentiu sobre Deus, dando a impressão de que o Criador tivesse medo que o casal fosse como deus, como se receasse perder o seu lugar como Legislador. Ao induzir Adão e Eva a desejar ser como deus, decidir o que é certo e errado, ao invés de seguir a vontade do Altíssimo, despertou no homem a curiosidade de saber como é ser como deus, como é decidir o que é bem e mau, belo e feio, verdade ou mentira. Esta mesma curiosidade conduziu o homem a queda e ao rompimento com Deus. Por causa do desejo de serem deuses e pela curiosidade de saber como é, fez com que a humanidade perdesse a bênção dos dons preternaturais e a ligação com a Graça do amor de Deus. Por uma curiosidade levou Psiquê a perder o marido, e por uma curiosidade fez com que o homem perdesse a Deus.

Psiquê, ao desobedecer a ordem, iria matar Eros, mas ao ver que se tratava do próprio deus do amor, ficou admirada e se apaixonou mais ainda ao tocar em uma de suas flechas sem querer. Este desejo de matar o deus não é consumado na obra, diferentemente da história da salvação. O homem foi criado no sexto dia, mas no sexto dia, numa sexta-feira, o mesmo homem matou Deus numa cruz. Além do fato de que se o próprio Deus morreu pelos nossos pecados, nossos pecados mataram Deus (cf. CANTALAMESSA, Raniero. Amai-vos até o fim. Tradução de Isaias Silva Pinto. – São Paulo: Editora Ave-Maria, 2020. p. 17).

Psiquê não foi capaz de matar Eros, porque ficou apaixonada pelo deus; enquanto o homem foi capaz de matar Deus, porque é insensível e incapaz de ver Deus no próximo. Deus assumiu a natureza humana e se tornou um próximo a nós, ao mata-lo, matamos o próximo; e ao matar o próximo, matamos a Deus, que se fez próximo de nós e por nós. Como bem ensina o teólogo suíço Hans Urs von Balthasar, o mandamento do amor ao próximo se dá pelo fato de que o próprio Deus o ama, e se amamos verdadeiramente a Deus que ama o próximo, deve amar a este também (cf. BALTHASAR, Hans Urs von. O cristianismo e as religiões do mundo: breve exposição. In: O mistério ardente da glória do amor: textos selecionados sobre eclesiologia, mariologia e estética. Organizado por: Rudy Albino de Assunção. – São Paulo, SP: Paulus, 2023. p. 12; Papa Bento XVI também trabalha de forma mais elaborada sobre esta temática em uma parte de seu documento “Deus caritas est”).
Quanto ao mito, parece que Eros estava bem ciente que Psiquê iria mata-lo, ao proferir as seguintes palavras (importante destacar que quando Eros acorda, Psiquê não estava mais com o punhal), além de expor toda a situação do porquê ter se casado com ela:

“ – Pois é, minha ingênua Psiquê, desobedeci às ordens de minha mãe, que te queria escravizada a uma loca paixão pelo últimos do miseráveis, condenada a uma ligação abjeta, e fui eu que voei ateu encontro e me tornou teu amante. Agi levianamente, admito. O célebre arqueiro feriu com suas próprias flechas! E te fiz minha mulher e tu, em recompensa, me tomaste por uma fera monstruosa e quiseste, com tuas próprias mãos, cortar esta cabeça onde vês os olhos que te adoram. Quantas vezes não te avisei do que poderia [p. 41] acontecer? Quantas vezes, delicadamente, não te adverti deste perigo? Mas as tuas virtuosas conselheiras não tardarão a receber de mim o pagamento por perniciosas lições. Quanto a ti, sofrerás uma única punição: não me verás mais” (APULEIO, 2009, p. 41s).

Esta demonização da imagem de Eros, operada pelas irmãs invejosas de Psiquê, é muito semelhante a mesma dissimulação que o demônio fez com Adão e Eva sobre a imagem de Deus, e até hoje o encardido segue fazendo o mesmo. Gerando a impressão de que o Criador fosse mau e um terrível Legislador, que quisesse castigar a todo custo o homem (cf. GELABERT BALLESTER, Martín. A serpente astuta: origem e transmissão do pecado. Tradução de José Joaquim Sobral. – São Paulo, SP: Editora Ave-Maria, 2009. p. 120), pois demonizando a imagem de Deus, parecerá que o demônio é bom, enquanto que Deus seria o mau.

Tanto é que foi necessário que Jesus, o próprio Filho de Deus, se encarnasse, para mostrar a verdadeira imagem de Deus, que é amor, a ponto de assumir mortalidade, para dar vida eterna (pela graça do Espírito Santo) aos mortais. Enquanto o diabo dissimula com mentira a imagem de Deus, Cristo a revela, por ser a imagem do Deus invisível (cf. Cl 1, 15)

O preço de uma curiosidade levou Psiquê a perder Eros e mais para frente na estória a quase morrer; o preço de uma curiosidade levou o homem a perder Deus e a deixar com que a morte entrasse no mundo, precisando assim de um Redentor, caso contrário, o destino de todos seria o Inferno. Mas Deus desde o princípio do mundo sabia que o homem cairia no pecado, e mesmo assim o fez, porque o ama desde sempre. Por isso Apóstolo profere as seguintes palavras: “o Cordeiro está imolado desde a fundação do mundo” (Ap 13, 8), ou seja, o próprio Deus sabia que o homem cairia no pecado e se dispôs a assumir os riscos, e mais ainda, ao criar o homem, dispôs-se a morrer na cruz pela humanidade (cf. BALTHASAR, Hans Urs von. Teología de los tres días: El Misterio Pascual. Tradução para o espanhol de: José Pedro Tosaus. – Madrid, Espanha: Ediciones Encuentro, 2000. p. 31s). Quando Jesus disse “quando eu for elevado, atrairei todos a mim” (Jo 12, 32), quer dizer que o sangue pagado por Ele na cruz pode salvar a humanidade inteira de todos os tempos. O Sim do Noivo foi dado a cruz, mas falta o sim da noiva (trata-se da nossa alma). É com este último sim que dependerá se haverá casamento ou não.

Que lição podemos tirar? Que nem toda a curiosidade é boa, muitas vezes a mesma pode ser vã e, pior, pode ser pecaminosa e nos conduzir a nossa destruição. Como é o exemplo do jovem que tem curiosidade de sentir o gosto da droga; de um sexo desordenado; de saber como é ir para o outro lado; etc. A curiosidade de saber como é pode ser tentadora, mas pelo levar a consequência terríveis, como a destruição da própria vida.



- Vingança de Psiquê ou foi uma declaração de sua interpretação sobre as palavras de Eros?

Psiquê, ao ter sido abandonada por Eros, chega a contar para as irmãs o ocorrido, para cada uma delas. Proferindo estas palavras:
“- Lembras-te do conselho que me deste a respeito de meu marido? – disse Psiquê. – Disseste que aquele que se deitava comigo à noite era na verdade um monstro que apenas esperava a hora certa para devorar a pobre menina? Eu aceitei teu conselho para [p. 43] mata-lo mas, quando a lâmpada me mostrou a face, o que meus olhos viram foi algo de maravilhoso e divino: quem estava ali era o filho de Vênus em pessoa, o próprio Eros, mergulhado em seu sono tranquilo. A visão de tamanha beleza me atordoou e me incendiou de paixão, a tal ponto que, por uma infelicidade, deixei que uma gota de óleo fervente da lâmpada caísse sobre ombro. A dor o fez despertar e ele vendo-me ali armada de fogo e ferro, disse-me: ‘Pelo teu crime abominável, ordeno que deixes o meu leito e saias daqui com tudo o que é teu. Tua irmã tomará teu lugar e será minha digna esposa’. Em seguida, ordenou a Zéfiro que me levasse para fora da casa” (APULEIO, 2009, p. 43-46).
Podemos entender esta passagem como uma interpretação de Psiquê sobre o que Eros disse “Mas as tuas virtuosas conselheiras não tardarão a receber de mim o pagamento por perniciosas lições. Quanto a ti, sofrerás uma única punição: não me verás mais” (APULEIO, 2009, p. 42). Que interpretação? Afinal de conta, que pagamento vingativo poderia se dar a alguém desleal? O que a pessoa menos gostaria, de repente, trocá-la por um de suas irmãs, uma vez que Psiquê era indigna. Talvez esta fosse uma interpretação da jovem sobre o fato, o que levou, pelo seu sofrimento a dissimular o fato a partir de seu entendimento. É muito comum dissimularmos o que nos dizem, na visão de Pe. Pasquotto, em uma de suas aulas sobre o livro do Gênesis, Eva teria dissimulado o que Deus havia dito de não comer do fruto proibido, ao afirmar para a serpente que Deus havia proibido até de tocar no fruto. Sendo que Deus falou apenas “não comereis” e Eva acrescentou “não tocareis”. Podemos discutir se tratou-se de uma dissimulação como forma de defesa ou se se trata de fato das palavras de Deus, para evitar a cobiça e o desejo a posse do fruto que não lhe era cabido.
Outra interpretação seria de uma vingança de Psiquê, ao ver o mau cometido pelas suas irmãs e por ter visto as claras aquilo que seu esposo a havia alertado e até demonstrado uma ojeriza às invejosas, que queriam se meter no amor dos dois (cf. APULEIO, 2009, p. 31s). Se caso se tratou de uma vingança, para quem ler a obra, pode pensar que de certa forma, o deus também se vingou ao não enviar Zéfiro na presença das irmãs. Quem? Recomendo a leitura para melhor entendimento do que acabei de escrever.

- As duras provas submetidas a Psiquê;
O fato é que Psiquê será submetida a sérias provas para poder se reencontrar com Eros e se reconciliar com ele. Provas duras, até porque Psiquê o havia traído, e quer resgatar a sua confiança e o seu amor. Precisa-se ter a consciente, que da parte do traidor (a), da importância de “estar inteiro para se levantar e provar pacientemente, por um longo tempo, o valor do seu arrependimento” (MARSILI, Mila. O mínimo sobre relacionamentos. Campinas, SP: O Mínimo, 2023. p. 124).
Mila Marsili, ao dar este conselho, está se referindo ao processo de reconciliação e de prova de amor da parte de um adúltero para sua amada (o). Mas o caso aqui não se refere apenas a adultério, mas sobretudo à lealdade e à fidelidade, própria de todo e qualquer relacionamento. Ferir a lealdade já é uma traição, e isto não vale apenas nos relacionamentos amorosos, como também nas amizades.
Um exemplo de traição na amizade: na série “Suits”, no final da segunda temporada, Mike Ross, que trabalha como advogado numa firma, sendo que não é de verdade, é ameaçado pela sócia gerente, isto é, pela chefona da firma, superior até mesmo de seu chefe e amigo Harvey Specter. Mike estava no lado de Harvey para impedir a fusão da firma com a de um conhecido britânico, da qual Specter não gostava do caráter de alguns advogados desta firma. Então Jéssica, a chefona, ameaça Mike a não entregar o documento que prejudicaria na fusão da firma, afirmando que se ele fizesse o que Harvey mandou, ela o entregaria para a polícia.
Harvey, por um tempo, pela decisão de Mike (seguida de uma grave ameaça, da qual se viu acurralado), corta as relações com o amigo. Mike tenta por um tempo resgatar a confiança (cf. o início da terceira temporada), dando até informações a Harvey as escondidas e as claras, mesmo com a aversão dele. Foi com duras provas e mostrando várias vezes que estava arrependido, que em determinado momento, Harvey abandona seu orgulho e perdoa Mike.
Mila Marsili ensina que a maior parte das pessoas pensa que o pior e mais abominável de todos os pecados seria a luxúria, sendo que na verdade seria a soberba. Ser soberbo, incapaz de perdoar os outros e não conseguir ver o quão frágil, e pecador é, é algo muito mais grave ainda (cf. MARSILI, Mila. O mínimo sobre relacionamentos. Campinas, SP: O Mínimo, 2023. p. 117s). Lembrando que foi a soberba que endureceu o coração dos anjos e os levou ao Inferno. Portanto, é necessário dar uma abertura, uma disposição para o perdão, mesmo que não seja fácil. Isto vale para as amizades e até mesmo para o relacionamento amoroso.
Na relação para com Deus, o mero esforço não basta. O esforço sem a graça não vale de nada para a reconciliação com Deus. É fundamental que se tenha um encontro com o Filho, para que Ele gera a reconciliação com Deus Uno e Trino, porque é n’Ele que somos reconciliados. Portanto, é preciso se arrepender de seus pecados, orar e recorrer aos sacramentos, com um ato verdadeiro de contrição, e aí sim, com auxílio da graça santificante, se esforçar para permanecer de pé e não cair (cf. I Cor 10, 12).

Antes que encerre este ponto, é importante relembrar que Vênus impôs tarefas praticamente impossível de um mortal realizar. Então nota-se a beleza da compaixão, quando os animais e seres vivos, e até inanimados, passam a ajudar Psiquê (vide exemplos em APULEIO, 2009, p. 61-72). Pode-se perguntar se eles a ajudaram por causa de sua beleza, ou se auxiliariam em virtude da compaixão, ao verem a injustiça da deusa contra a amada de Eros.
O Deus Verdadeiro teve compaixão do homem, porque o homem não entrou no pecado porque era consciente dele, mas sim porque foi induzido, enquanto os anjos não eram ignorantes, sabiam muito bem o que faziam, até porque possuem uma inteligência melhor do que a do homem, a ponto de conseguir entrever a consequência de seus atos, inclusive se este ato desligaria ou até mesmo mataria, de alguma forma, o próprio Deus. Não é a toa que Jesus, ao dizer na Cruz, “Pai, perdoa-os, porque eles não sabem o que fazem” (Lc 23, 34), porque Ele se utiliza da nossa ignorância para nos salvar. Porque se o homem tivesse a consciência de que no Calvário estaria matando o próprio Deus, o sentido de sua vida e de sua existência, não O teria matado (cf. SHEEN, Fulton. O Calvário e a Missa: Reflexões sobre o Calvário e a Santa Missa. Tradução de Marta de Mesquita da Câmara. – RS: Minha Biblioteca Católica, 2018. p. 16s).
Portanto, a compaixão das criaturas para com Psiquê estava muito perto do Deus Verdadeiro do que a ações vingativas da deusa Vênus. Sim, Deus quer provas de nosso amor, por isso passamos por tentações e provações. Mas Ele nos dá recursos para podermos vencê-las e amarmos cada vez mais a Deus e ao próximo. Para isso é fundamental pedirmos as graças a Ele e cooperarmos com Ele (recomendo a leitura do livro de Santo Afonso de Ligório, “A Oração”). Vênus não deu suporte para Psiquê poder realizar as provas praticamente impossíveis, agora o Deus Verdadeiro nos dá todas as oportunidades e graças para fazermos, com seu auxílio, até mesmo o impossível, porque para Ele nada é impossível (cf. Lc 1, 37).

- A beleza como praticamente uma maldição;
É muito comum pensar que a feiura em si seja uma maldição, uma vez que tudo aquilo que é feio gera, de algum modo, repulsa; enquanto tudo aquilo que é belo, atrai. Mas pode a beleza ser uma maldição?
Psiquê viu suas irmãs casarem. Nenhum homem queria se casar com ela, mesmo quando a maior parte dos varões a achava belíssima e até mesmo uma Nova Vênus. Mas o fato é que não houve nenhum pretendente para Psiquê. E como bem escreve Apuleio, “Psiquê, entretanto, não tira nenhuma vantagem de sua beleza” (APULEIO, 2009, p. 14). Pode-se entender, psicologicamente falando, é que os demais homens achavam-se indignos de se casar com ela, pois achavam de que ela era muita areia para o caminhão deles. Não é a toa que ela se casou, não com um ser humano, mas com um deus. Ela era de uma beleza quase divina, a ponto de atrair o próprio deus do amor. Além do fato de sua beleza gerar inveja das irmãs, também despertou ciúmes na deusa Vênus, a deusa da beleza, conforme foi exposto no primeiro ponto. Em suma: esta “dignidade” encontrada em Psiquê é a razão da inveja de suas irmãs, do ciúme da deusa (o que nos faz lembrar de alguma forma a rainha bruxa, do conto de fadas “A Branca de Neve”, que questionava narcisicamente ao seu espelho, “Espelho, Espelho meu, existe alguém mais bela do que eu?”) e a rejeição dos homens em querer se casar com a belíssima jovem. Trata-se praticamente de uma maldição, dado a exceção da paixão despertada no futuro marido de Psiquê.
Contudo, Psiquê não é a única mulher da mitologia greco-romana que tinha a beleza como “maldição”. Dafne era uma jovem ninfa, que deseja permanecer virgem e casta. Ela havia sentido a flechada de chumbo de Eros, de uma aversão contra Apolo, a quem recebeu a flechada de ouro e se apaixonou perdidamente pela ninfa, filha do deus fluvia/deus rio Peneu.
Peneu, pai de Dafne, perguntava quando Dafne lhe daria netos. A jovem pediu para o pai, que queria viver a vida toda virgem, da mesma forma que a deusa Diana (irmã de Apolo). A partir daí, Ovídio, autor da descrição do mito, escreve, como se estivesse direcionando para a jovem ninfa: “Ele [o pai de Dafne] certamente cede a ti, mas essa formosura te impede de ser o que pretendes, e tua imagem se opõe a teu voto” (OVÍDIO, Publio. Apolo e Dafne: Metamorfoses, livro I, versos 452-567 / Tradução e notas: Hamilton Sérgio Nery de Medeiros, Jaqueline Rayane de Moura Lima, Lisandra Dias, Luciene Viana de Brito, Robson Lucena Carneiro - Tutóia, MA: Diálogos, 2023. p. 55).
Em outras palavras, “Ovídio afirma que, embora o pai da ninfa tenha lhe concedido seu pedido de manter-se virgem, sua beleza irá contra este desejo” (Nota de rodapé n. 52. In: OVÍDIO, Publio. Apolo e Dafne: Metamorfoses, livro I, versos 452-567 / Tradução e notas: Hamilton Sérgio Nery de Medeiros, Jaqueline Rayane de Moura Lima, Lisandra Dias, Luciene Viana de Brito, Robson Lucena Carneiro - Tutóia, MA: Diálogos, 2023. p. 55).
É nítido se perceber que o conceito de belo na antiguidade, diferentemente dos modernos, se encontra no fato de que se algo é belo, logo atrai, ao invés de inverter esta ordem, como é feito a partir da modernidade (cf. RODRIGUES, João Paulo; SUBLIME FILOSOFIA. O conceito de belo na filosofia estética. Youtube. Disponível em < https://www.youtube.com/watch?v=w5MhllXnt74 >. Acesso em 18 out. 2023. Duração 5min 23s.). Psiquê e Dafne atraem porque são belas. As ninfas eram belas (sobre a beleza das ninfas, vide FOCA NA HISTÓRIA. As Belas Ninfas da Mitologia Grega. Youtube. Disponível em < https://www.youtube.com/watch?v=23e9HDPwwuA >. Acesso em 18 out. 2023. Duração 4min 33s). A atração se dá a partir do belo. Não é a toa que Eros é filho da deusa Vênus, deusa da beleza e também do amor. Se Dafne foge do deus Apolo é para se preservar, e talvez porque enxergou alguma feiura em seu ser, se não é em seu físico, entreviu de algum modo a feiura no íntimo de seu ser, isto é, na sua alma. Porque a beleza não se encontra apenas no físico, mas em sua totalidade.
Em suma, podemos concluir que a beleza pode ser vista como uma “maldição”, como seria no caso da ninfa (Dafne) e em parte quando nos referimos acerca da jovem humana (Psiquê).

- Breve interpretação psicológica;
Segundo Paul Diel, o fato de Psiquê não conhecer o seu amado, trata-se de um amor pervertido (cf. DIEL, Paul. O simbolismo na mitologia grega. Tradução de Roberto Cacuro e Marcos Martinho dos Santos. São Paulo : Attar, 1991. p. 124s. Para mais informações a respeito do simbolismo deste conto, recomendo a leitura desta passagem).
Poderíamos nos indagar, qual teria sido a razão de Eros não querer Psiquê o conhecesse verdadeiramente? Porque Eros queria ser amado enquanto pessoa (cf. ESTANTE DE MADEIRA. Eros, Psiquê e uma história de amor! | Explicando Mitologia #3. Disponível em < https://www.youtube.com/watch?v=mwiXsyEsUEc >. Acesso em 18 out. 2023. Duração: 19min 05s), e não enquanto deus. A preocupação do deus do amor seria a mesma de um rico que receia atrair pessoas interesseiras, ao invés de verdadeiros amigos e amantes. Poderíamos interpretar deste modo.

- As relações entre a ambrosia (alimentos ou bebida dos deuses) e a Eucaristia (Deus se fazendo alimento);
Desta vez, começarei ao contrário: em vez de principiar escrevendo sobre o mito em si, gostaria de compartilhar sobre o amor de Deus na encarnação e o desejo do Senhor em nos tornar imortais. Lembrando que os deuses viam os humanos como meros mortais, em uma condição de ralé. Mas o Deus verdadeiro não vê dessa maneira, a ponto de se rebaixar a ponto de se encarnar e virar gente como a gente.
“o Deus altíssimo, tão distante e desconhecido para os homens, revelou-se, pela primeira vez, na Antiga Aliança como aquele que ama a humanidade” (BALTHASAR, Hans Urs von. Veneração a Maria hoje. In: O mistério ardente da glória do amor: textos selecionados sobre eclesiologia, mariologia e estética. Organizado por: Rudy Albino de Assunção. – São Paulo, SP: Paulus, 2023. p. 28). E mais ainda, amou tanto a humanidade, que quis se torna gente como a gente, para nos dar a vida eterna. E junto a isso, faz-se alimento na Eucaristia, para sermos nutridos com o alimento da vida eterna. Se os deuses do Olimpo tinham a ambrosia, que era a bebida ou alimento deles que concedia a imortalidade aos mortais (cf. APULEIO. Eros e Psiquê. Tradução: Ferreira Gullar. Ilustração: Fernando Vilela. – 1. Ed. – São Paulo: FTD, 2009. p. 76), o próprio Deus Verdadeiro, transubstancia-se no Pão e no Vinho, tornando-se Corpo e Sangue do próprio Deus, para ser alimento aos mortais, para que os mesmos – e aqui se refere a nós – tenhamos a vida eterna em comunhão com a Vida em pessoa (vide Jo 6, 48-65). Se na mitologia greco-romano, mortais como Psique gozam da graça de comer tal alimento divino (cf. APULEIO, 2009, p. 76), o que não é retratado e muito menos pensado – até porque até então havia sido para eles revelado – é que a verdadeira ambrosia é a Eucaristia, que não é um simples alimento a parte de Deus, porque se trata do próprio Deus feito alimento aos mortais. Por isso a linda frase do “Panis Angelicus” de Santo Tomás de Aquino (ainda mais escutando na versão musical composta por César Franck) torna-se compreensível: “Ó coisa maravilha, alimentam-se do Senhor os pobres, os servos e os humildes” (“O res mirabilis, manducat Dominum, pauper, servus et humilis”).
Assim como o mito de Eros e Psiquê termina com um banquete nupcial, o final da Bíblia conclui com o mesmo, uma festa, o banquete das núpcias do Cordeiro. A obra termina em um final feliz e ambas terminam no Céu, um em um céu falso (menção ao Monte Olimpo) e outro no céu verdadeiro.

- As relações dos contos dos Irmãos Grimm com esta obra;
No decorrer da leitura da obra, percebi que muito provavelmente os Irmãos Grimm se inspiraram neste mito. Como é o exemplo que se encontra da tristeza da família em entregar Psiquê na união com o suposto monte (vide. APULEIO, 2009, p. 17; GRIMM, Jakob; GRIMM, Wilheim. Os dois irmãos. In: Contos de Grimm: animais encantados. Apresentação, tradução e adaptação de: Ana Maria Machado. Ilustrações de Ricardo Leite. – 2. ed. – Rio de Janeiro, RJ: Nova Fronteira, 2002.).
Outro trecho que podemos encontrar esta inspiração, é quando as formigas auxiliam Psiquê na prova de dividir os grãos em suas devidas espécies (vide. APULEIO, 2009, p. 60ss; GRIMM, Jakob; GRIMM, Wilheim. A Serpente Branca. In: Contos de Grimm: animais encantados. Apresentação, tradução e adaptação de: Ana Maria Machado. Ilustrações de Ricardo Leite. – 2. ed. – Rio de Janeiro, RJ: Nova Fronteira, 2002.).

- Conclusão;
Muitas lições podemos extrair deste mito. Recomendo a todos a leitura, e quem quiser compartilhar a sua ótica sobre o mito, pode escrever nos comentários abaixo. É importante relembrar que os mitos não são meras narrativas, eles carregam sentidos que para nós são muito caros e importantes, o que os torna atemporais e seus ensimanetos válidos até os tempos de hoje.
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jhulica 29/09/2023

Eros e Psiquê
"Eros, deus do desejo, filho de Vênus. Psiquê, uma princesa cuja beleza não pode ser expressa em palavras."
A história conta sobre o romance entre o Cupido e a princesa, que passa por várias dificuldades, pois Vênus despreza Psiquê.
Curti bastante o conto, bem fluido e fácil de entender. Recomendo pra quem quer sair de uma ressaca literária.
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Ju Arruda 27/07/2023

Bom
Ele é um livro até que bom, li pra escola, é bom pra sair de ressaca literária, e tem uma leitura fácil
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spoiler visualizar
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b3l.vitoria 24/05/2023

Como assim?
Gostei bastante da história, apesar de não gostar de mitologia grega. Como é de se esperar tem palavras difíceis o que pode deixar a leitura menos agradável(se você não gosta).
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Michele 21/05/2023

Eros e Psiquê
Esta leitura, na verdade, foi uma revisita a esse clássico com características muito interessantes. A melhor delas é o foco narrativo estar predominantemente seguindo o ponto de vista da heroína. Cerca de 25 anos após a primeira leitura, no entanto, a experiência me faz enxergar também os pontos negativos (mas compreensíveis para um conto tão antigo): em especial, a exacerbada rivalidade feminina. Outra questão interessante, que eu não recordava é o fato de Psiquê estar grávida no momento dos seus principais feitos. Na obra, Psiquê é uma jovem tão bela que sua beleza compete com a de Vênus despertando a raiva da deusa, que propõe ao seu filho Eros uma vingança. Em paralelo, o oráculo decreta que os pais de Psiquê devem encaminhá-la em sacrifício para núpcias com o ser mais monstruoso e temido a que até mesmo os deuses querem distância. Gosto de pensar nesse clássico, como uma reflexão sobre o amor.
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Nick265 20/05/2023

Achei um livro muito bom, amo mitologia grega e a história de Eros e psiquê é umas das minhas favoritas, mas nunca tinha visto um livro que fale só dela, achei o conto muito parecido com o original e ótimo para pessoas que estão começando a estudar sobre mitologia
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Larissa3329 07/05/2023

Top 1 casais gregos não tóxicos kssks
Sempre me interessei por mitologias, principalmente mitologia grega e o conto de Eros e Psique é um dos que mais me cativou na mitologia até hoje.
Eu já conhecia o conto antes porém, nunca tinha lido algo concreto que descrevesse a história do início ao fim;achei o livro em espécie na Biblioteca da minha escola (um milagre por sinal) e li em menos de uma hora.
O livro em si é bem fluido,a escrita é um pouquinho difícil no início mas depois que a gente acostuma,ele vai igual água.Eu estranhei um pouco porque não sou muito chegada a livros de conto então achei a história um pouco corrida sem muitos parágrafos e sem capítulos;o romance por exemplo não é tão desenvolvido assim mas entendo que não dá pra fazer uma história mega mirabolante em 70 páginas.
No geral, acho que vale sim a pena a leitura, principalmente pra quem gosta de contos rapidinhos e mitológicos;e concerteza, vou procurar mais livros do gênero na minha biblioteca.
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Invarious_Fandoms 27/03/2023

Ágape
Sempre gostei da mitologia grega, mas com certeza a história de Eros e Psiquê é uma das que mais me fascina, assim como, a história de Hades e Perséfone eles tem uma ligação inigualável que destrói barreiras.

Eu amo o desenvolvimento que ambos os personagens possuem e amo mais o fato de saber que Eros sempre amou a esposa e nunca a traiu.
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T_S_ 15/03/2023

Eros e Psiquê ??
Livro lido a comando da escola e eu amei!
Sou viciada em mitologia grega e a história de amor entre Eros e Psiquê é linda! ??
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