Egberto Vital 13/05/2023
Curiosamente, concluí hoje, dia 13 de março, a leitura de "O Crime do Cais do Valongo", da @elialvescruz, uma narrativa que forjada nas memórias de um Rio de Janeiro cheio de cicatrizes abertas, abrasivas e rubras, tal qual o vermelho da capa.
Concluir a leitura dessa obra logo no dia em que se "comemora" o falso gesto de generosidade da elite brasileira com a abolição da escravatura, e que tornou aquela princesa a personagem central da alforria do pretos escravizados no Brasil, é uma libertação.
Eliana Alves Cruz nos leva a uma excursão acerca da diversidade africana, em seus aspectos culturais, étinicos e sociais mais profundos, nos coloca dentro dos atrozes navios negreiros e reconta a história a partir da memória de suas ancestralidades.
Longe de limitar a obra a um romance-histórico, a pesquisa etnográfica e histórica, que embasa a narrativa de "O Crime do Cais do Valongo", nos redefine a História já contada (sempre do ponto do vista do branco colonizador) e abala algumas certezas por séculos cristalizadas, é possível dizer que o livro em si é "o baú de Muana", carregando consigo o peso de eras de História não contada, de uma História soterrada no passado silenciado dos pretos e pretas tomados de suas nações pela diáspora criminosa que marcou nosso solo de cicatrizes purulentas e que ainda pulsam a dor causada pelas chibatas.
"O Crime do Cais do Valongo" dilui ainda mais, para mim, a narrativa que romantiza a miscigenação brasileira, a obra só me reforçou ainda mais que nós, pardos e pretos de pele clara, somos o fruto da violência e do estupro dos corpos de inúmeras mulheres pretas, violentadas por séculos pelo branco rico e opressor, é impossível achar bonita a miscigenação de um país que tem seu nascedouro na violação desses corpos.
A gente finaliza a leitura tendo a certeza de que o real crime testemunhado no Cais do Valongo não é o alegórico assassinato de Bernardo Lourenço Viana, os crimes no Cais do Valongo são bastantes e têm a cor (e a dor) de quem foi roubado de suas raízes para ser escravizado em terras estrangeiras, Conceição Evaristo diria que Eliana Alves Cruz preenche uma lacuna histórica com sua ficção.