belaffig 13/07/2019Amo todos vocês.Tem uma frase de um filme muito marcante para mim, Sinédoque, Nova York, que diz: “Você lutou para chegar à existência e agora está deslizando silenciosamente para fora dela. Essa é a experiência de todos. Todos. As especificidades mal importam.”
A morte sempre foi uma incógnita para mim. Eu não penso muito nela, mas quando penso, é com temor. Quando perdi uma pessoa muito próxima de mim, o que mais me tomou foi o medo. Pelos que ficaram. “O que vai ser da vida agora? O que vem depois?” Essas perguntas me consumiram por um tempo e então, sem que eu percebesse, deixaram de importar. A vida voltou aos conformes, com a adição de momentos arrebatadoramente fortes onde um cheiro, um sorriso, um olhar ou uma fala reacendem lembranças e uma saudade me arrebata por completo. Nesses momentos, eu sorrio. Choro, mas sorrio. Por enquanto, ainda não me esqueci do rosto dessa pessoa, do som da sua risada, dos seus olhares e sua voz. Por ora. Meu maior medo é que um dia essas visões desapareçam no fundo da minha mente. Mas o “por ora”, isso é o suficiente.
Por isso eu estava tão receosa de adentrar esse livro. O que me esperava? Como minha visão sobre toda essa questão mudaria? Que feridas iam ser tocadas? Bom, nesse quesito, não foi tão arrebatador quanto eu pensava. Não que isso seja um problema: apenas significa que minha surpresa e maravilhamento vieram de outro lugar. E é assim que Os Imortalistas acabou me atingindo de uma forma maravilhosa e emocionante.
Os Gold, a primeira vista, não possuem nada de diferente. São uma grande família judia nos anos 80, seus seis membros vivendo normalmente e crescendo normalmente. Até que. E que “Até que”. Quando as quatro crianças descobrem a data exata de sua morte — um enredo muito cativante construído pela autora —, tudo muda.
O interessante é ver que, a princípio, conforme adentramos a história individual de cada um dos filhos, não parece que tanto assim mudou. A vida continuou. Voltou aos conformes. Cada um segue o seu rumo, e quando o momento chega, eles se vão.
Simon, o que eu achava que seria meu favorito (e que me tocou profundamente), se vai livremente. Contente. Não contente de “feliz”, mas de “contentamento”. O raro sentimento de saber que fez o suficiente e que viveu o suficiente, pois não resta mais escolha. Klara se vai como uma ilusão, e eu acho que ainda tenho muito a desvendar sobre ela. Daniel se vai olhando para o passado. Confrontando-o. E se tem algo que aprendi sobre o irmão que menos me cativou foi que não são muitas pessoas que enfrentam o passado assim — apesar de que todos o devessem fazer. E Varya. Que personagem gigante. Ao menos, merece um parágrafo inteiro só para ela.
A mais velha dos irmãos era a que eu achava que menos me atingiria. Dentre os quatro, era a que mais desvanecia, em segundo plano no começo da história. Quieta e sistemática, não sabia o que esperar de sua história. Mas que surpresa, das mais maravilhosas, mergulhar em sua vida. Se até seu POV eu senti que não fui tão impactada quanto achava que seria; que alguns pontos ainda estavam soltos e que faltava introspecção em algumas partes do livro (lê-se: Daniel), agora tudo iria ser finalizado, todos os nós atados e toda a história da família Gold enrolada em um laço e uma finalização magníficas. Quieta e sistemática, sim, mas com uma avalanche de sentimentos, pensamentos e lembranças dentro de si. E descascar suas camadas foi quase uma honra, uma tarefa árdua mas cuidadosa que eu tomava em minhas mãos a cada página virada. Quando percebi, eu chorava e me enrolava no que ela sentia — em seus arrependimentos, seus medos, suas fobias, seus monstros. E enquanto eu via cada um deles ser conquistado, quando a via a história mudar drasticamente (mas de forma orgânica), uma esperança me invadia. Por mim. Pela minha história. Varya me trouxe um jorro de esperança que eu vou manter dentro de mim. Para esperar mais. Para buscar mais. Para ter mais da vida e fazer parte dela. E por isso, sou eternamente grata.
O que mais se tira desse livro não é sobre a morte, mas sobre a vida. Família sempre foi um conceito que tento evitar; acredito muito mais em família como escolha do que como uma obrigação atada por laços de sangue, mas até isso fica em segundo plano. Os Gold não se escolheram, mas o amor os liga de forma imbatível. Foi João Guimarães Rosa que disse que “as pessoas não morrem, ficam encantadas”. Klara que o diga. A vida é um truque de mágica. E se vai com um estalo. Todo mundo é todo mundo, sim; a energia que flui entre pessoas que se ama tão profundamente é mais forte do que qualquer coisa e nem a morte consegue separar; mas as especificidades também importam. Simon e sua dança, Klara e seus truques, Daniel e sua resiliência e Varya e suas… lembranças. Sua força invencível vem de sua vida, de seus irmãos, não mais presentes fisicamente mas permeados em todo lugar: em sorrisos, em um estranho correndo na rua, nas gerações que se seguem e no pensamento de quem os ainda tem seguros, fortes, em seu coração. Ainda há tempo. Os Imortalistas é um brinde à vida. E que honra poder ter lido tão grandiosa história.