Coisas de Mineira 30/11/2018
“ – Ouvi dizer que sua frase favorita é ‘a primeira vez é sempre pior’.”
Jo Nesbø é atualmente conhecido como o mestre do thriller policial. Sua aclamação se deu a partir da série de livros com detetive norueguês Harry Hole. Eu o conheci quando decidi ler Boneco de Neve, e como sou apaixonada por esse gênero literário, meu interesse foi grande. Outra paixão confessa minha é a literatura nórdica, que foi reacendida com o lançamento da saga Millennium, de Stieg Larsson (Suécia).
Acabei me tornando uma leitora da série do Hole e dessa forma fã do Nesbø. Nunca tive contato com nenhuma obra avulsa do autor. E fiquei feliz em ter a oportunidade de receber uma edição tão bonita e bem trabalhada como essa que a Editora Record lançou. Essa sensação aveludada da capa faz toda diferença para nós, amantes dos livros bem feitos e caprichados. A imagem que vemos é de uma paisagem bastante inóspita, toda em tons escuros e provavelmente buscando nos situar ao tempo e clima que se passa na região onde a história nos é contada.
“Um lobo? Eu achava que eles uivavam para a lua, no inverno, não para a porra do sol, que continuava naquele céu luminoso e sem cor.”
Essa é uma história curta, e a narrativa é bem descomplicada. O livro possui 224 páginas, e dependendo do seu ritmo de leitura poderá termina-lo muito rápido. Então, apresento a vocês Jon Hansen, que é o nosso narrador e um matador dissidente que foge de um sinistro criminoso. Ele começa a nos contar sobre sua vida de uma forma meio desorganizada. Ele filosofa um pouco, depois conta de um breve romance, que levou ao nascimento de sua filha Anna. Situa-nos também sobre o Pescador, seu empregador. Uma espécie de chefão das drogas – traficante mais poderoso de Oslo – que não leva desaforo para casa.
Podemos receber informações do passado de Jon em meio a um capítulo onde ele estava anteriormente nos contando sobre seu presente. Esse é o estilo dessa obra. Muitos fãs do autor não apreciam seus livros isolados. Mas acredito que nessas 224 páginas, Nesbø conseguiu conquistar minha atenção para o enredo que ele propôs, pois tive verdadeiro interesse em saber tanto sobre o passado, como sobre as atitudes futuras de Jon. E ele vai nos entregando essas informações em doses homeopáticas. Fato que nos conduz a diversas conjecturas imaginando o final de tudo isso.
“O Pescador sempre encontra o que procura. Eu e você podemos não saber como, mas ele sabe. Sempre.”
Empreendendo fulga, chegou a uma parte remota do planalto de Finnmark (Kåsund) – como dizia seu avô, o fim da linha. Jon buscou abrigo para poder descansar e uma figura inusitada conhecida como Mattis lhe indicou a igreja local como um lugar que estava sempre com as portas abertas. Apesar de seu ateísmo, acaba por procurar refúgio na igreja de uma seita cristã e estabelece a partir do amanhecer, um relacionamento com Knut, um menino de 10 anos e com sua mãe Lea. Ele se apresentou como sendo Ulf. E essas são personagens que fizeram toda a diferença na vida do protagonista. Senti que ele sempre viveu meio que por sua própria conta. Meio desgarrado e solitário. E nesse breve encontro com Lea e seu filho, ele percebeu a boa vontade de pessoas que nem o conheciam, e a troco de nada.
Nessa fuga desesperada, Jon carregou além de seus antigos problemas, agora, mais alguns novos: ele foi desestabilizado pela luz da região (o que nos remete diretamente ao título) e pela solidão de sua situação. Muito desesperador se ver no meio do nada, em um lugar isolado, sem ter pessoas em quem se confiar plenamente, e a espera que alguém venha cobrar sua dívida da pior forma possível. Senti esse sufoco daqui.
“Amo isso aqui por ser meu país. Então faço o que é necessário para defendê-lo. Como um pai que defende até o filho mais feio e burro, entende?”
Não senti que a leitura tenha sido daquele tipo frenética, que te amarra no fim de um capítulo a ponto de não querer largar o livro de tanta curiosidade. Nesbø sabe muito bem fazer isso. Mas, em O Sol da Meia-Noite ele me fez sentar e ler de uma vez só, mas pela simplicidade. Era fácil de acompanhar o desenrolar do que o narrador ia apresentando, e isso sim me fez não parar de ler. A qualidade da escrita de Nesbø tem características cinematográficas, e essa foi mais uma obra sua que não deixou a desejar. É muito fácil de imaginar uma adaptação da história da vida de Jon.
Em meio a toda essa confusão, Ulf vai aprendendo mais sobre as pessoas daquela cidade, em quais pode confiar, quais lhe podem ser úteis, e quem pode entrega-lo de bandeja em troca de algum dinheiro. Mattis e o pastor da cidade (que é pai de Lea) acabam tendo papéis fundamentais nas decisões de Ulf. São personagens que me deram certa impressão logo de cara, e que durante a narrativa eu fui construindo outros palpites a respeito deles.
O que mais gostei em O Sol da Meia-Noite, foi ficar na expectativa de saber o que Ulf iria fazer. Qual seria seu fim? Como pensa em lidar com um dos mais implacáveis matadores do Pescador que está na sua cola? Seu envolvimento com Knut e Lea será totalmente platônico? Essas são respostas que vamos obtendo conforme a narração vai se encaminhando para o fim. E Nesbø nos entregou um livro fechadinho. As questões vão sendo solucionadas, e o leitor pode se dar por satisfeito com o final.
“O agora se torna o depois, o hoje se torna ontem e assim por diante, numa porra de uma sequência infinita, porque não existe marcha a ré no veículo que chamamos de vida.”
Eu apreciei bastante a minha experiência com esse belo exemplar. Imaginar como era pra Jon/Ulf ter e ver as coisas em outra perspectiva (pois os dias são intermináveis) é algo que penso ser muito exaustivo. Não se deve dormir direito. Descansar, tampouco! Sem contar que Jon sempre foi alguém que viveu por instinto, mas acabou encontrando no extremo norte da Noruega uma chance de fazer sua vida valer a pena. Embora eu tenha construído rapidamente um final para essa história no meu mundo imaginário, o autor ainda assim conseguiu me surpreender com um final dramático, emocionante e muito tenso. E pra mim a nota é de 3,5 estrelas em 5.
Jo Nesbø nasceu em Oslo, na Noruega em 1960, mas ele só começou a escrever quando tinha 37 anos. Tentou ser jogador profissional de futebol, atuando pelo Tottenham na Inglaterra e o Molde na Noruega, mas seus joelhos não colaboraram, e ele desistiu. Também foi músico e serviu o exército norueguês, foi jornalista e corretor de ações. É considerado um dos mais bem sucedidos e talentosos escritores da Europa.
Por: Carol Nery
Site: http://www.coisasdemineira.com/2018/11/o-sol-da-meia-noite-jo-nesb.html