Paulo Silas
12/11/2020Um recorte da Odisseia de Homero relida por uma personagem notória que teve sua voz relegada a um relato que não o seu próprio. Penélope, a esposa leal e paciente que esperou pelo retorno do marido por duas longas décadas, ganha voz de fato nessa atrativa obra de Margaret Atwood. Sendo uma espécie de releitura de um clássico no qual se tem uma versão nova de Penélope, "A Odisseia de Penélope" faz uma pequena imersão na natureza dos mitos recontada de um modo próprio aos olhos do feminino.
Narrada em primeira pessoa - pela própria Penélope -, contando com capítulos intercalados de coros declamados, a obra traz a história da vida de Penélope - desde o seu nascimento até a sua pós-vida (o 'quando' o livro é escrito). Num diálogo direto com o leitor, como se a personagem estivesse confidenciando num relato escrito, numa espécie de diário, a sua forma de ver as coisas, todas as aflições, medos, esperanças e alegrias da aqui protagonista são contados amiúde - mesmo sendo um livro curto. Sua relação conturbada com o pai (que tentou matá-la quando na mais tenra idade), seu casamento arranjado com Odisseu, sua mudança para Ítaca, seu relacionamento com as escravas, o período difícil que passou quando da longa e penosa viagem de Odisseu para a guerra de Troia, sua relação com a prima Helena, enfim, tudo aquilo que constituiu o seu viver na terra é contada pela sua perspectiva, tendo assim o leitor uma nova ou mais ampla visão da história que constitui o mito.
Margaret Atwood constrói aqui uma rica história a partir de uma que já se tem. Muitos conhecem a história de Odisseu, mas poucos conhecem a de Penélope para além daquele pouco que se diz sobre ela. O grande acerto da autora é recontar de forma sagaz a história pela perspectiva de quem teve pouca voz, situando a protagonista no reino dos mortos com a oportunidade de fazer suas críticas contra a prima Helena, explicar melhor como foi o período que aguardou pelo retorno do marido, trazer seus reclamos contra Odisseu e chorar por suas criadas mortas. Uma história que agrada o leitor e que merece ser lida por qualquer pessoa que se encanta com a mitologia grega. Um excelente livro!