Igor Almeida 11/06/2020
Posso dividir o livro arbitrariamente em dois conjuntos de ideias: as expositivas e as de nexo causal. As expositivas nada mais são que a própria apresentação de fatos do cotidiano e instituições brasileiras que possuem uma origem racista. Isso é indiscutível, concordo com o autor e não há comentários a mais nesse sentido. No entanto, penso de maneira diametralmente oposta no que se refere as causas e soluções para o problema.
Não tem jeito, sempre que se expõe qualquer problema político ou social, é preciso diferenciar se o cerne das ideias é de cunho individualista ou coletivista. O individualismo defende os direitos individuais, no qual cada indivíduo é importante em si mesmo e possui direitos inalienáveis a sua simples condição de existir: direito à vida e à liberdade (e derivados). Daí resulta que o indivíduo é livre para fazer o que quiser desde que não fira os direitos alheios, incluindo aqui a liberdade de expressão, religiosa e de livre associação; incluindo que o indivíduo é livre para escolher seus representantes de acordo com o melhor candidato que julgar (democracia); incluindo que o indivíduo é livre para comprar e vender do jeito e com quem quiser (capitalismo). Eu particularmente defendo essa linha ideológica, então tudo que disser daqui em diante é com esse ponto de vista.
Do outro lado, encontra-se o coletivismo, que defende que o indivíduo não é importante por si mesmo, mas por pertencer a algo maior, ao grupo, a um coletivo. Esse grupo pode ser uma classe social, raça, sexo, nação, etc. Disso resulta que o grupo consegue fazer coisas que o indivíduo sozinho não conseguiria, é fato, mas resulta também na divisão em diversos grupos e, ao não haver o mesmo sentimento de pertencimento e talvez com propósitos diferentes, haverá uma propensão ao conflito; a famosa “luta de classes”. Em termos raciais, é o branco contra o negro e vice-versa.
Quando não há a valorização de cada indivíduo unicamente por suas ações e sim pelo grupo ao qual pertence, conflitos são propensos a surgir, incluindo, aqui, o racismo. É pela negação dos direitos individuais que se justificou todo e qualquer tipo de atrocidade contra os negros no passado (e no presente). Escravidão (negação do direito à liberdade), criar empresas em países com leis que os proibiam (negação do direito à propriedade), etc... Presume-se que racismo nada mais é que consequências da mentalidade coletivista, de julgar o outro baseado no grupo ao qual pertence, em vez de julgá-lo enquanto indivíduo.
O que me espantou foi o autor reiteradamente julgar o individualismo e o “capitalismo neoliberal” como sendo os causadores do racismo institucional e que capitalismo e racismo seriam condições intrínsecas, afinal, diz o autor, “só há país desenvolvido porque há o subdesenvolvido. Nas relações sociais, os brancos só enriquecem porque empobrecem os negros.” E aqui começam os jargões há tempos refutados no campo econômico. Ainda hoje defende os mesmos resquícios mercantilistas da economia como soma zero, no qual o comércio é um “grande jogo de espoliação mútua entre os cidadãos”. Fico me perguntando como ele justifica o enriquecimento global que houve no mundo inteiro ao longo dos últimos 200 anos. Se não existe geração de riqueza e comércio não passa de exploração mútua entre as partes, o mundo espoliou quem?
Em resumo, o autor se perdeu em um discurso ideológico fechado em si mesmo. Ele presume que todos partilham da mesma visão de mundo coletivista e não se preocupa em traçar maiores explicações ou justificativas para várias afirmações que, ao meu ver, eram sem nexo. Para quem busca um livro de bases coletivistas, vai se deparar com um ambiente familiar; fica a recomendação. Por outro lado, pra quem busca uma explicação clara das questões raciais no Brasil, fora do espectro de esquerda, este livro talvez não seja a melhor opção.