spoiler visualizarJu 14/05/2013
A glória é amarga
Nessa narrativa existencial, Yukio Mishima descreve sutilmente o Complexo de Édipo de Noboru pela sua mãe Fusako, dissimulado em aversão à possibilidade de ter um novo pai, o marinheiro Ryuji.
O garoto infantilizado de 13 anos, que perdera o pai aos 8, se dá conta desse sentimento obscuro ao descobrir em seu quarto um buraco atrás de sua cômoda que dá para o quarto ao lado, de sua mãe. O buraco lhe dá uma nova perspectiva do aposento, revelando-lhe Fusako uma mulher ainda jovem, de corpo esbelto e desejoso, despida, literalmente, de sua função materna.
Como a mãe tranca o quarto de Noboru toda noite, devido a um fato de travessura anterior, o menino se sente confortável em espionar a mãe com frequência.
Noboru, porém, é frustrado pelo surgimento de outro elemento masculino na vida da mãe: o marinheiro Ryuji, que ele próprio apresentara a Fusako.
Fusako, dona-herdeira da loja Rex de seu falecido esposo, apaixona-se imediatamente por Ryuji e este, por ela.
Fusako e o marinheiro têm uma noite de amor em seu quarto - fato visto "de camarote" por Noboru. Temerosa de se entregar a essa paixão pelo fato de Ryuji logo zarpar o com navio Rakuyo, ela guarda seus sentimentos até a hora da despedida.
Ryuji, marinheiro por antipatia pela terra e esperando por uma morte gloriosa a qual acredita lhe ser reservada, vê-se diante da mulher de sua vida, mas não possui vocabulário suficiente para abrir-se com ela. Sente-se frustrado e oprimido pela introspecção a que se guardou durante esses anos no mar e que agora o impede de se expressar satisfatoriamente.
Um dia antes de seguirem seus caminhos, Ryuji e Fusako surpreendentemente revelam um ao outro o que sentem sem dizer uma palavra, com lágrimas e gestos dentro do terreno de uma escola antiga que "invadiram" à noite, como duas crianças, renascidos das cinzas.
O marinheiro volta e pede Fusako em casamento e planeja seu caminho em terra firme, ao lado da futura família.
Quanto à Noboru, desgostoso da situação, sentira-se envergonhado por Ryuji não ser o típico marinheiro heroico que imaginara. Ryuji estava se transformando em um pai, figura desprezível para Noboru.
Membro de um grupo intelectual-revolucionário formado por outros cinco garotos de 13 anos, canaliza seus desejos com violência e, depois de passar por um rito de passagem matando um gato, planeja o destino de Ryuji. Intuído e alienado pelo chefe do grupo, Noboru decide que a única forma de Ryuji voltar a ser um herói é morrendo.
O plano macabro é posto em ação. A narrativa acaba em aberto com Ryuji, saudoso do mar, bebendo um chá amargo de sonífero oferecido por Noboru e seus colegas.
***
O livro, como o mar, traz em suas páginas ondas de sentimentos confusos e revoltosos de Noboru que, ao invés de buscar compreendê-los, lança-os contra Ryuji - personificado como inimigo.
O inimigo, talvez, seja a fase da vida em que Noboru está - a puberdade. Passando da infância para a adolescência, a fase de construção da personalidade, Noboru se entrega ao mar violento da ignorância e rebeldia sem causa. O garoto não se permite enxergar os fatos e aceitá-los. Mesmo assim, age hipocritamente com Fusako e Ryuji, agindo de modo infantil e acumulando ódio. Os adultos, para ele e seu grupo, não são dignos de serem ouvidos, são repressores ignóbeis, são cínicos mesmo nos atos de carinho e afabilidade.
O amor entre Fusako e Ryuji é um contraponto à iniquidade de Noboru. É descrito com tanta sutileza, e ocorre semelhante ao amor adolescente, que parece que os dois adultos estão revivendo justamente uma fase da vida que Noboru se nega a saborear.
Trata-se da perda da beleza, do assassinato de uma das fases mais importantes da metamorfose de um ser humano.
Noboru confeccionou ao redor de si um casulo sangrento. A liberdade que tanto procurava virá com asas tão pesadas que será impossível alçar algum voo.