spoiler visualizarSara 11/10/2023
Quando a vida parece louca, como saber onde reside a loucura?
Mais um para o clube do livro, porque se for depender de mim, esse ano não termino de ler mais nada kkkk (isso é um pedido de socorro). Sinto novamente que me faltam palavras para descrever o que foi a experiência de leitura desta obra, mas talvez eu consiga dizer que foi mais que arrebatadora: foi transformadora. Eu não esperava me identificar tanto com Tara (dadas as devidas ressalvas), e, embora soubesse da sinopse, não podia imaginar que sua história fosse tão absurdamente indignante. AVISO: essa resenha é gigante.
Aqui estamos lidando com o pior lado do fanatismo e fundamentalismo religioso. Os pais de Tara, mas principalmente seu pai, são os encabeçadores dessa realidade horrível a qual ela e seus irmãos foram submetidos. A primeira metade do livro é dedicada à sua infância e adolescência antes de conseguir deixar a montanha, e cada experiência lida era mais absurda que a outra: parecia, sem qualquer exagero, que seu pai estava dedicado em uma missão de matar a própria família aos poucos, e, quando não pôde mais, Shawn tomou esse papel para si. Em alguns momentos eu revirava os olhos, em outros eu fazia caretas de desgosto ou dava risada de tão ridícula que era a situação (como quando não aconteceu o bug do milênio). Mas haviam muitos momentos, muitos mesmo, em que tudo que eu queria fazer era gritar de raiva e jogar alguma coisa na cara do pai. ELE CONSEGUIU PROVOCAR UM ACIDENTE DE CARRO VIOLENTÍSSIMO DUAS VEZES, porque era incapaz de esperar algumas horas até a tempestade terminar! Debochava da avó da cidade porque ela ensinava os netos a LAVAR AS MÃOS após usar o banheiro e gritava com a própria mãe pelos motivos mais imbecis. Suas paranóias e distorções da palavra bíblica quase mataram a família inúmeras vezes.
Acho que Shawn merece um capítulo dedicado para ele. Ainda bem que a autora não colocou os nomes reais da família no livro, ou então uma horda de pessoas igualmente furiosas teriam perseguido este homem, porque não pode ser possível que apenas eu o tenha odiado com todas as minhas forças. Quando ele apareceu, pensei que seria uma pessoa tão boa quanto o Tyler foi, mas eu não podia estar mais enganada. Depois de um episódio pontual, todas as cenas antes calorosas transformaram-se em um tenebroso pesadelo: ele tendo quase o dobro de idade e força que Tara e usando isso covardemente para intimidá-la ou calá-la, é horripilante e pavoroso. Ele comete os piores tipos de agressões, me fazendo pensar que ela com certeza morreria se não tivesse se desculpado, enquanto a humilha e em nenhum momento é sequer repreendido. Ele é com certeza a pior pessoa daquela família, horrível em todos, todos os sentidos da palavra, e NEM MORREU NO FINAL DAS CONTAS SÉRIO PQP, parece que vaso ruim não quebra mesmo..
É interessante como no livro fica bem demarcado o disruptivo momento em que Tara deixa de ser criança e, ao passar a questionar as estruturas da sua casa, torna-se bode expiatório da família. Ela passa por vários conflitos: não quer ser chamada de 🤬 #$%!& , mas está com calor e quer levantar as mangas; trabalha de forma insalubre para o pai no ferro-velho, mas quer parecer comum para o namorado; é agredida em público pelo irmão, mas quer que tudo pareça como se ela fosse “normal” então é obrigada a dar risada; quer estudar, mas não quer desrespeitar a vontade do pai. Conforme ela vai crescendo, tenta evitar a todo custo que seus mundos completamente diferentes colidam, enquanto está em crise por perguntar-se se o que ela passou na sua vida estava certo de alguma forma.
Apesar de ter experienciado o pão que o diabo amassou na infância, é a segunda metade que me enche de raiva (principalmente os últimos 30%). Todo o período em que Tara resolve contar aos pais, e tudo o que acontece por consequência disso é simplesmente horrível, e quanto mais eu lia mais horrorizada ficava ao lembrar que aquilo realmente tinha acontecido, aquelas pessoas realmente foram capazes disso. Shawan representa o pior que um homem pode ser, e mesmo depois que ele quase mata Tara e sua esposa, EFETIVAMENTE ESFAQUEIA UM CACHORRO, ele ainda permanece sem qualquer julgamento. Na verdade, tratam-no com tanto carinho que é como se Tara tivesse sido a responsável por todo aquele sofrimento, e é desalentador ler como ela realmente acreditou naquilo por muito tempo, tamanha manipulação mental, tão profunda quanto uma lavagem cerebral.
Eu espero de coração que ela nunca mais volte a falar com seus pais, mesmo que ela tenha terminado o livro ainda disposta a trazer lucidez à sua mãe. Eu consegui relacionar nossas histórias por conviver com um familiar muito mais velho que eu que também me agredia, e mesmo que meus pais vissem, não faziam nada. Definitivamente não tenho a mesma força que a autora, porque eu pensava em cometer o oposto de viver, nessa época, e felizmente consegui sair dessa situação, ou então provavelmente teria acontecido. Anos depois, quando o assunto do porquê eu não me dava bem com aquela pessoa veio à tona, eu desabafei e chorei muito, mas meus pais trataram com superficialidade e disseram que nunca tinham visto aquilo acontecer. Aconteceu mais de uma vez na frente deles. Eles até cogitaram chamar a polícia. Talvez isso seja coisa de pais, ou de religiosos, ou de pais religiosos que querem fingir uma família perfeita. Enfim, nossa, eu apenas entendo a Tara. Eu me sensibilizei com todas as partes da história, e embora quisesse ter lido um pouco mais da sua vida pessoal quando adulta, entendo também sua decisão por ter escrito seu livro dessa forma, e a admiro ainda mais por conseguir expor tudo que lhe passou.