Joao366 10/04/2024
O livro traz boas referências e conta de maneira detalhada a história do movimento protestante até o surgimento da Igreja Adventista, embora carregada de uma narrativa maniqueísta, na qual os protestantes eram sempre os “anjinhos” perseguidos e a igreja católica era a grande vilã malvada. Se você for católico, a obra com certeza te fará perder a cabeça. Entretanto, funciona muito bem para conhecer a história da Reforma Protestante e seus reformadores, muito além de João Calvino e Lutero. Vale ressaltar que O Grande Conflito” é perfeito para quem quer aprender sobre a história da Igreja Adventista; suas interpretações proféticas, como a profecia das “2.300 tardes e manhãs”; a perseguição; o milênio; segunda vinda de Cristo e a Nova Terra; alguns dos seus principais valores e doutrinas, como o sábado como dia santo e a infalibilidade da Bíblia. Sério, tudo o que está descrito na obra é o que os adventistas do Sétimo Dia acreditam até hoje e defendem com unhas dentes, vai por mim.
Ainda assim, existem alguns pontos bem incômodos. Primeiro, como já mencionei, algumas religiões são bem criticadas, à exemplo do judaísmo (regras penosas sobre o sábado), espiritismo (imortalidade da alma), e sobretudo, o catolicismo (mudança do sábado para o domingo). O egocentrismo de se achar com a verdade absoluta aqui, comum a muitos cristãos, beira a intolerância religiosa.
Existem alguns comentários e afirmações em torno da história geral do ocidente que são bem estranhos. Ela chega a afirmar que a “guerra contra a Bíblia” foi o que levou a Revolução Francesa. Não sei se ela falou isso por “liberdade poética”, mas, sem sombra de dúvida, faz qualquer historiador ficar maluco. Também é bem estranho ler ela elogiando à liberdade civil e religiosa como princípios fundadores da República norte-americana sem nem, ao menos, mencionar o racismo e a escravidão no país. E olha que o que essa mulher mais gosta de fazer nesse livro é criticar as coisas.
Outro ponto, que é incômodo, mas que é algo que já devemos estar acostumados, pois todo mundo faz isso, é o fato da autora adicionar comentários sobre o texto bíblico com interpretações carregadas de subjetividade, como no primeiro capítulo em que ela faz quase que uma análise psicológica de Jesus quando o mesmo chorou ao ver Jerusalém (Lc 19:41). Ela afirma que ele chorava pelos milhares de condenados em Jerusalém. Algo que não está descrito na Bíblia de maneira nenhuma, mas, com sua autoridade profética, ela afirma.
E o que mais me incomodou, mesmo que ela não tenha abordado tanto no livro, foram alguns acenos ao negacionismo científico. “Deus permitiu que uma forte luz fosse lançada sobre o mundo na forma de descobertas científicas. No entanto, se a palavra de Deus não foi o guia, até mesmo as mentes mais brilhantes ficam confusas ao tentar compreender com a ciência e a revelação se harmonizam”. Sério isso? Ela mesma pontuou que Guilherme Miller não encontrou evidência fora da Bíblia para existência de Deus. “Como podemos provar que esse ser existe? Fora da Bíblia, eu não conseguia encontrar nenhuma evidência da existência de tal Salvador, nem mesmo de uma vida futura. […] Fui forçado a admitir que as escrituras precisam ser a revelação de Deus” (Guilherme Miller). Tentar unir ciência empírica e religião é um dos primeiros passos para terraplanismos e anti-vacinas.
Enfim, vi uma crítica por aqui que menciona três tipos de pessoas que irão ler o livro com diferentes interpretações. Tomo a liberdade de adicionar um quarto tipo de pessoa: o “crente emocionado” que não tem a menor capacidade de lidar com a diferença e o pluralismo de ideias ou opiniões e, por isso, irá engolir cada palavra de “O Grande Conflito”. Ai daquele que criticar uma linha dessa obra “magnífica e irrefutável”.