Lady Addams 03/06/2023
Vítimas de estupros: precisamos falar sobre [gatilhos!]. Baseados em fatos reais
Confesso que esta é uma das resenhas de livro mais complexos, reflexivos, apavorantes, informativos e , sobretudo, NECESSÁRIO!!! A história de vida da sobrevivente é uma lição de força feminina, perdão e resiliência.
Na obra dos jornalistas T. Christian Miller e Ken Armstrong, de cunho investigativo e retrativo com uma história real (infelizmente), lemos sobre uma vítima de estupro que foi pressionada, desacreditada e constrangida pela própria polícia ao denunciar que havia sofrido violência sexual. Não obstante isto, a garota foi humilhada publicamente e "apunhalada" por quem deveria tê-la apoiado.
No livro, conhecemos a jovem Marie de apenas 18 anos, a garota possui um passado e histórico de vida complicado, órfã que passou por muito lares adotivos, mas que no final, sempre era retornada para as mãos do estado. Contudo, pelos inúmeros lares em que passou, Marie criou laços com duas "mães": Shannon ( que também foi vítima do mesmo crime) e Peggy. Estas, apesar de diferentes, mantiveram uma boa relação com a garota, com direito a encontros "familiares" e a conexão entre as duas citadas para tratar de assuntos sobre Marie. Todavia, aos 18 anos, Marie decidiu que não moraria em lares adotivos e receberia auxílio e preparação concedida pela assistência social para que a própria pudesse responder e ser responsável pela própria vida.
Já tocando a própria vida, Marie sofre o crime de violência sexual e cuida em denunciá-lo. Ela conta que foi imobilizada por um homem mascarado, ameaçada e estuprada em sua própria casa, como também seu agressor a obrigava fazer posições sexuais para tirar fotos íntimas, jurando que se fosse denunciado para a polícia, as publicariam na internet. Por fim, obrigou a jovem a se lavar após o abuso sexual, afim de evitar que encontrassem evidências do DNA do abusador no corpo da garota.
Quando já encaminhada a investigação pelo sargento Mason, o mesmo recebeu uma denúncia que acreditava que Marie esteja inventando a situação e para a surpresa do leitor, a denunciante é de uma das "mães" de Mary, Peggy. Esta ligou para a outra "mãe" Shannon, vítima de abuso sexual no passado, e juntas levantaram suspeitas sobre a história contada por Marie e denunciaram à polícia, informando que a denunciante sempre foi uma garota que precisava ser o centro das atenções, talvez fosse até uma personalidade histriônica, suspeita levantada apenas porque Marie era uma garota carente que sofreu abusos e desamparos durante toda a vida, expondo o passado de abandonos e complicações da jovem.
Com as já levantadas suspeitas, Mason entrevistou pessoas próximas de Marie, mesmo nenhuma afirmando que desacreditava na garota, o sargento junto com policial Rittgarn, resolveram fazer uma nova entrevista com a vítima, mas agora, por decisão precipitada e errônea, não seria questionada na posição de vítima, mas sim no local de suspeita de um crime.
Os dois policiais humilharam e constrangeram a depoente, usando o método da Técnica Reid que se apoia fortemente na abordagem da linguagem corporal. Vale ressaltar que a linguagem corporal e a indução de confessar algo, característicos de tal técnica, não são comprovados cientificamente, principalmente, se tratando de um caso de estupro, já que é notável - e ressaltado a todo momento no livro - que cada indivíduo reage de uma maneira única e particular. O capítulo do livro onde os oficiais de polícia induzem a vítima a confessar um crime que não cometeu é um verdadeiro alerta de gatilhos (me senti apavorada, sufocada e descontente). O leitor notará o uso de gaslighting pelos homens, manipulando Marie a ponto de duvidar da própria história vivida e em si mesma.
Ao conseguirem a falsa acusação, Marie acaba indiciada e condenada por , supostamente, ter mentido para a justiça. A menina de 18 anos, por sua vez, não tem mais forças para lutar contra o sistema, aceita a condenação que lhe foi imposta, onde teria que pagar uma indenização ao estado e fazer tratamento psicológico por causa da "mentira" inventada. Se já não bastasse o prejuízo judicial, a vítima foi ridicularizada nas redes sociais e colocada como um exemplo de falsa acusação de estupro pela mídia, acabando por ser isolada da casa de seus antigos lares adotivos e amigos.
O caso de Maire, como tantas outros de estupro, já podia ser considerado um "caso perdido". Entretanto, anos depois, em uma região próxima, a detetiva Galbraith começa a investigar o caso de outra mulher estuprada, o agressor invadiu a casa da mulher violentada, imobilizou-a , abusou sexualmente a vítima e tirou fotos íntimas com ameças de que se o denunciasse à polícia, as fotos seriam divulgadas. Galbraith acaba sendo informada pelo marido policial que na região vizinha já tinha sido registrados casos similares. Assim, Galbraith conhece a detetive Hendershot que relata os crimes similares: um homem mascarado invade a casa e imobiliza as vítimas, estupram elas por horas, tiram fotos das mesmas enquanto sofrem o abuso e usa as fotografias para ameaça-lás e, por fim, manda-as para o banho. Diante disto, as duas mulheres tinham certeza que estavam diante de um estuprador em série . O livro levanta a questão, inclusive, que é mais comum o número de estupradores em série do que assassinos em série.
Trabalhando juntas, acabaram descobrindo outros quatro estupros em outras regiões que tinham as mesmas características. A equipe de investigação interligaram as poucas evidências que eram apresentadas em cada caso e chegaram em um nome em comum: Marc O'Leary , ex veterano do exército.
Marc O'Leary , definido pelas investigações como um homem erudito, acabou-se descobrindo que era um verdadeiro estudioso do estupro. Sim, ele estudava a vítima, investigava e planejava uma forma de que a polícia não poderia descobri-lo, inclusive o fato de o porquê cometer os abusos em cidades diferentes: O'Leary confessou que sabia que as jurisprudências das cidades não conversavam entre si, seria uma chance quase remota de associarem os crimes. Além de um grande estudioso, descobriu-se através da apreensão do computador do estuprador que este era um viciado em pornografia, mantinha vários sítios da internet e pastas com as fotos íntimas tiradas durante os abusos sexuais, todas as vítimas dos trabalhos de Galbraith e Hendershot foram reconhecidas, exceto uma, Marie.
As duas detetives acabaram conhecendo a história e denúncia de Marie ao acaso por causa das fotos encontradas no HD do maníaco. Logo perceberam como a jovem garota foi humilhada e abordada de maneira escrota e errônea pelos responsáveis do cumprimento da lei. Não há o que se possa fazer para reparar o trauma do crime e a humilhação pública sofrida por Marie, o mínimo foi feito, como devolver a multa que foi paga e retratação dos responsáveis pelo caso. Entretanto, me chamou a atenção a resiliência e força de uma mulher tão nova e tão sofrida, Marie perdoo os que duvidaram de si e retomou sua vida, tornando-se caminhoneira.
O criminoso confessou todos os crimes cometidos e cooperou com a investigação, deixando apenas a resistência para uma pasta cryptografada de nome "canalha" em seu computador que nem mesmo os profissionais que trabalham no caso conseguiram quebrar o código para conseguir o acesso.
A obra, em si, é um belíssimo trabalho do jornalismo investigativo, uma história curiosa, cruel e real, tanto que a história de Marie também é adaptação da série "Inacreditável" na Netflix. Creio que se deparar com um caso como esse, faz-nos pensar que vítimas de estupros são descredibilizadas e envergonhadas pela sociedade misógina e que precisamos ser mais solidários e empáticos, precisamos também, de uma nova abordagem e cuidados com os sobreviventes de um crime tão horrendo.