Krishna.Nunes
26/01/2024Era para ser um manual de feminismo para leigosA obra visa explicar o que é feminismo através da desconstrução de inúmeras ideias errôneas de feminismo. Ele começa dando uma definição simples e concisa de feminismo que servirá muito bem para propósitos do texto, a saber: "um movimento para acabar com o sexismo, a exploração sexista e a opressão". O que realmente funciona nessa definição é que ela não exclui que atos sexistas podem ser praticados também por mulheres que estão profundamente dominadas pela cultura do patriarcado. Assim, é fundamental compreender que o patriarcado é um sistema de opressão que, de forma aparentemente contraditória, beneficia sempre os homens, mas nem todos; e prejudica todas as mulheres, mas nem sempre.
Como uma arguta teórica do femininismo, Bell Hooks tem uma visão muito límpida de como o patriarcado se beneficia de outros sistemas opressores como o capitalismo e o
racismo para perpetuar violências que visam manter o domínio não apenas de gênero, mas também de classes e de raças. Ela ainda é capaz de traçar uma linha do tempo e de enxergar os avanços conquistados, bem como os retrocessos e os perigos enfrentados.
A todo momento a autora ressalta que feminismo não pode ser visto com um movimento de mulheres raivosas que odeiam homens (o que é constantemente propagado pela mídia dominante e por movimentos antifeministas); que o feminismo não deve excluir os homens que apoiam suas causas; que mulheres educadas e de classe social superior não devem se aproveitar dos mesmos privilégios do patriarcado em detrimento das mulheres da classe trabalhadora; que os debates de gênero não podem estar isolados das causas de raça e classe; e especialmente que o movimento feminista não pode cometer erros que suas pensadoras identificam no passado, como de exigir mudanças sem oferecer alternativas, de não buscar uma educação não sexista para meninos e meninas, e de se conformar com certas conquistas a ponto de não conseguir impedir os retrocessos.
Os temas tratados no livro, de forma geral, são: o que é feminismo, o poder da sororidade, como educar de forma inclusiva, noções de beleza no patriarcado, colonialismo e globalização, classe e raça, maternidade, sexualidade e visões para o futuro. Em todos esses pontos ele traz uma bela dose de conhecimento, contextualização histórica, estado da arte e reflexões pessoais da autora.
Entretanto, falha em cumprir o que a autora diz ser sua principal função: a de servir como um panfleto/manual/cartilha de feminismo para leigos. Pode ser que a autora esteja tão imersa no meio acadêmico e acostumada com seu jargão de especialistas em estudos de gênero, que passa longe de escrever um texto com linguagem simples. É tanto "corpus", "ethos" e "status quo" que eu não sei como ela pode ter imaginado que isso seria um livro para leigos.
Outro aspecto é que ele não tem uma unidade que vá de capa a capa, parecendo mais uma coletânea de ensaios. Cada capítulo é como um artigo que pode ser lido individualmente, com um tema fechado em si e que não se desenvolve nos capítulos seguintes. O livro também se beneficiaria de ter uma seção de bibliografia, já que traz inúmeras citações e referências que não são corretamente tratadas. Alguns capítulos também deixam a impressão de estarem ligeiramente datados, por não terem sido atualizados do ano 2000 para cá. Acima de tudo, o formato de ensaios deixa a obra um tanto inconclusa, com uma aura de "e aí?" e um certo gostinho de quero mais no final.
No fundo, no fundo, "O feminismo é para todo mundo" parece uma versão simplificada de "Mulheres, raça e classe", e não tem nada a acrescentar para quem já leu o livro de Angela Davis. Esse não tentou se passar por uma obra "para leigos" e abordou os mesmos temas com mais aprofundamento, mais qualidade técnica e com as devidas referências, além de ter uma unidade no desenvolvimento do raciocínio que faltou no livro de Hooks.
Assim, apesar de ter seu mérito como uma grande obra feminista, esse livro não está perto de ser uma obra acadêmica nem de ser uma obra introdutória, ficando num meio-termo que serve a pessoas já com conhecimento prévio do tema.