Morrer a sós em Berlim (eBook)

Morrer a sós em Berlim (eBook) Hans Fallada
Hans Fallada
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Resenhas -


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Luis.Henrique 24/04/2024

Obra importante do escritor alemão Hans Fallada, redescoberto no início desse século.
Importante narrativa do.improvavel.
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Wellington 13/09/2023

Cada Um Morre por Si – 9,0
O autor alerta que é um livro sombrio, a editora honrou o conteúdo com um projeto pertinente e, mesmo assim, me surpreendi com quão ruins as pessoas são na história. De imediato, pensei: trata-se de uma alma atormentada. E é verdade, pois Hans Fallada (um pseudônimo irônico) foi internado dezenas de vezes, tentou suicídio, foi preso, era viciado em morfina e morreu por overdose aos 53 anos.

O livro se baseia no registro de um casal de meia idade que resistiu ao nazismo escrevendo cartões-postais simples, com frases de efeito, para alertar as pessoas a respeito do seu contexto. Foram executados. Porém, Hans admite: tudo é colorido por ele. Não há dúvidas de que o regime nazista foi assunto de pesadelos e pode inspirar histórias como aqui descritas, mas tenho minhas reservas quando você dá tão pouco espaço à luz. “Mais luz seria mentira”, Hans diz; só não sei se seus olhos deprimidos eram capazes de captar muita luz.

Mesmo assim, sua escrita é magistral. Extremamente envolvente, você lê 800 páginas em poucos dias. Não tem nota máxima pelo meu coração não suportar tanta miséria, o ser humano é melhor do que isso. Meu personagem favorito, não sem coincidência, foi um religioso gentil das prisões.


site: https://www.instagram.com/escritosdeicaro/
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Pisi14 25/08/2023

Testemunho histórico
O livro mostra um casal alemão que pouco a pouco começa a questionar as ordens do governo nazista e vai construindo, dentro do possível, uma resistência a esta ditadura

A história é um testemunho de tempos sombrios e uma voz de resistência a um regime que vitimou a Alemanha e o mundo com sua maldade extrema
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arthur966 30/04/2023

Todo homem vai morrer sozinho. mas não é por isso que estamos sozinhos, quangel, não é por isso que vamos morrer em vão. se lutarmos pela justiça contra a violência cega, acabaremos vencedores.
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jota 21/02/2023

ÓTIMO: obra excessivamente longa mas necessária, porque mais do que um romance é também um símbolo de redenção para a humanidade
Lido entre 20 de janeiro e 21 de fevereiro de 2023.

Hans Fallada, pseudônimo de Rudolf Wilhelm Friedrich Ditzen (1893-1947), terminou de escrever Morrer a Sós em Berlim (ou Cada Um Morre Por Si, ou ainda Morrer Sozinho em Berlim) logo depois do final da guerra e morreu sem vê-lo publicado. Para Primo Levi, autor italiano de origem judaica, que escreveu várias obras tendo o Holocausto como tema, disse que o livro de Fallada era o melhor romance sobre a resistência alemã ao nazismo que já lera. Não que os personagens de Morrer... tivessem participado de alguma organização alemã que lutasse contra o regime de Hitler, eles agiram sozinhos. E acabaram caindo nas mãos da Gestapo (Geheime Staatspolizei) – a temida polícia política secreta de Hitler, criada em 1933 para investigar e perseguir as pessoas malvistas do ponto de vista político ou racial.

O volumoso livro (784 páginas na edição 2020 da Record), escrito durante algumas semanas de 1946, é baseado numa história real, a de Otto e Elise Hampel, que no romance passaram a ser Otto e Anna Quangel, trabalhadores comuns que vivem o drama de ter perdido o filho na guerra. A história se passa entre 1940 e 1942, dois anos em que o casal distribuiu mensagens contra Hitler e os nazistas, escritas em cartões que eram deixados quase sempre em edifícios de escritórios, por onde circulavam muitas pessoas. Essa foi a forma que encontraram de resistir ao regime assassino, que prendia, torturava e matava não apenas judeus e outras minorias, também os alemães que se manifestassem contrários a ele. Daí que a Gestapo tem grande participação na história. Porque os cartões dos Quangel, embora não tivessem causado nenhum alvoroço entre os berlinenses, muito pelo contrário, acabaram virando um caso preocupante para seus agentes.

Era assim como Fallada escreveu depois, a luta do elefante contra o camundongo, o que mostra que as ditaduras não são apenas perigosas, são igualmente ridículas. Coisa que já vimos muito no cinema e em outros livros sobre esse período negro da história da humanidade. Fallada era primordialmente um ficcionista, então estendeu bastante a história original dos Hampel, que constava das atas da Gestapo, sua fonte para escrever o romance, e introduziu nele diversos personagens. Grande parte dessas pessoas é nazista ou simpatizante do regime, e apenas umas poucas são personagens do bem, digamos assim, o que fez o livro ficar com muitas páginas. Foi sua maneira de manter o interesse do leitor, esperar para saber como seria o fim do casal Quangel enquanto lia narrativas secundárias. Histórias como a da funcionária dos Correios, Eva Kluge, com a qual a história se inicia, ao trazer para o casal a carta anunciando a morte de seu único filho em um campo de batalha francês. É com a mesma Eva e seu filho adolescente que o capítulo final vai se encerrar.

Apreciei bastante Morrer a Sós em Berlim, mesmo que tenha achado o livro amargo e exageradamente longo, cheio de notas de rodapé, mas necessárias, além de apêndices e outros textos sobre o autor, a história original dos Hampel etc. De todo modo, é uma obra importante, que já se tornou em moderno clássico da literatura alemã e, como observou Roger Cohen, em sua resenha em The New York Times de 03/05/2010, o livro de Fallada tem “(...) um pouco do horror de Conrad, a loucura de Dostoievski e a ameaça assombrosa de A Sangue Frio, de Capote.” Pois é, diante disso tudo não dá para Morrer a Sós em Berlim deixar de ser lido por aqueles que se importam com o que aconteceu na História e não desejam vê-la repetir-se sob outras formas em outros tempos. E volto a citar Cohen: “nos tranquilos Quangels, Fallada criou um símbolo imortal daqueles que lutam contra “o vil além de toda vileza” e assim redimem a todos nós.” É isso.
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Marc 11/02/2023

O nazismo ainda é capaz de colocar uma série de perguntas para nós que talvez não sejam respondidas nunca. Quanto mais se estuda este tema, creio, mais ficamos tomados de pasmo diante da atitude das pessoas diante do horror, pois se não conseguirmos imaginar as pessoas reais por trás dos conceitos, a realidade se perde. Exatamente nesse sentido, restituindo o caráter humano dos eventos, é que a literatura pode nos ajudar. O livro é muito feliz em descrever a atitude tanto daqueles que obedeceram o regime cegamente, daqueles que tentaram se aproveitar das pequenas oportunidades diárias de violentar os proscritos e também dos que diante do horror, da violência e da morte, ainda assim mantiveram uma atitude moral em relação às outras pessoas.

O casal Hampel (no livro, Quangel) escolheu fazer uma pequena coisa que os levaria a morte, eles sabiam disso quando começaram. Mas sua obra foi eternizada na escrita de Hans Fallada e vai influenciar pessoas que eles jamais imaginariam por décadas, séculos, até o fim da humanidade, por assim dizer. Essa é uma vida que, a despeito de ter terminado de maneira triste e trágica, valeu a pena ser vivida, porque projeta sobre as outras algo muito diferente da mediocridade a que estavam submetidos e que era vista como o único padrão correto naquele momento. Pois eles escaparam à maldade, à mediocridade e tiveram uma vida verdadeiramente moral, mesmo que não fossem pessoas dotadas de amplos conhecimentos, que não fossem intelectuais capazes de refletir profundamente sobre a vida. Não eram, realmente, mas bastou a sinceridade e o amor à Verdade para que não se deixassem levar pelos padrões do mundo nazista. Antes de tudo, amor à Verdade, a coragem veio muito depois e o desprendimento, a descoberta de que não havia nada que os nazistas pudessem lhes fazer de mal, isso só veio dentro da prisão, quando as autoridades tentavam aterrorizá-los para extrair aquilo que era seu verdadeiro alimento: a humanidade das pessoas em pânico diante da grandeza da máquina do Estado.

1 Testemunhar, um ato moral

Victor Klemperer, que também viveu e escreveu sobre o nazismo, se colocou uma tarefa moral quando escreveu sua obra mais importante, que era testemunhar o que estava acontecendo e relatar, para que aqueles que não viam, assim como para que as gerações futuras ficassem sabendo dos absurdos e violências que o nazismo promovia. Testemunhar é um ato moral, pois precisa de coragem diante de inimigos implacáveis muitas vezes, ávidos por uma desculpa qualquer para tirar mais uma vida. É restituir a dignidade de todas as dezenas de milhões de vítimas do regime nazista e fazer com que as pessoas conheçam a verdade, mesmo que tenham tentado destruí-la junto com todas as vítimas.

O caso de Hans Fallada é exatamente o mesmo. Esse livro foi escrito em pouco tempo e o autor morreu antes que fosse lançado. É sua última obra e a mais importante, porque o autor se colocou a missão de relatar não apenas a história de um casal que fez o que podia para combater o nazismo, mas também a de descrever a vida durante os anos finais dessa loucura que tomou a Alemanha desde a década de 1930. O livro compõe um amplo painel dos vários tipos do período e como eles, de uma forma ou de outra, correspondiam exatamente àquilo que o nazismo esperava.

A primeira questão que o autor levanta, embora não a mencione textualmente, é sobre essa correspondência tão exata entre o regime e os tipos canalhas e violentos que viviam pela cidade. Aqui, mesmo que só de passagem é preciso citar o pensamento de Klemperer: o nazismo havia solapado a base moral da sociedade com a modificação do pensamento através da linguagem. As pessoas nem sabiam, não se davam conta, mas seus valores eram alterados dia a dia, elas deixavam de acreditar em certas coisas, que eram substituídas pelo partido, pelo Führer, etc, e se tornavam as pessoas adequadas a um regime tão violento. É por isso que o livro mostra algumas pessoas oportunistas, egoístas ao extremo, canalhas, capazes de roubar, matar, agredir, mentir, manipular, chantagear, etc, etc, etc. Com a queda do nível da moralidade, sobreviver se torna praticamente a única coisa que as pessoas passam a se dedicar. Aqueles que tinham ainda alguns valores são extorquidos, roubados e manipulados, ou seja, as pessoas com alguma moralidade eram consideradas tolas e recebiam um tratamento brutal.

Mas o autor decide expor essa sociedade, decide mostrar como aquilo que viria a se tornar lugar comum sobre a vida no nazismo não se sustentava: as pessoas não foram enganadas, não desejavam a libertação, não sonhavam com outro mundo. A destruição do sentido das palavras, ou melhor, sua substituição por outros sentidos sem ligação alguma com a realidade e manipulados politicamente, costuma tornar as pessoas incapazes de concatenar pensamentos elaborados, mas, ainda assim, elas desejaram o nazismo e tentaram viver de acordo com os novos tempos, sem se perguntar se eram verdadeiros ou se aquilo que faziam era correto. Testemunhar que a despeito do que afirmariam depois, as pessoas não apenas desejaram o nazismo, como contribuíram para que funcionasse perfeitamente e eram incapazes de sonhar com outro mundo. Esse é um detalhe horripilante que salta de cada página do livro, a maneira como as pessoas simplesmente são capazes de se adaptar a qualquer coisa, aquietando o coração e lutando para que suas vidas progridam, para que tenham mais conforto e comida em casa — não importa que o regime faça guerra, destrua outros povos e provoque mortes em larga escala. É o pensamento de que não podemos alterar o andamento das coisas de nenhuma maneira e que viver corretamente é alcançar conforto para sua família. E embora modificar o mundo esteja fora de cogitação, quando se aceita o “espírito do momento”, esquece-se que há muito o que se modificar no mundo, que somos nós mesmos e a postura diante das pessoas que nos relacionamos todos os dias. O nazismo, infelizmente, tornou todos egoístas a um ponto que ninguém pensava em começar a mudança do mundo pelo ponto mais óbvio e mais importante possível: mudar a si mesmo.

A história provou que Hans Fallada tinha razão, porque os alemães apelaram para dois tipos de justificativa para o nazismo. Uma delas, que foram enganados, que não imaginavam as atrocidades que o regime praticava e que ao saberem, logo começaram a pipocar atos de desobediência. Isso é mentira. E a segunda, que a culpa era coletiva, que todos erraram, mas era a dificuldade da vida naqueles dias que suspendia os julgamentos morais. Outra mentira. O testemunho que temos aqui mostra exatamente o contrário, ou seja, que o rebaixamento da moralidade não fazia sumir da mente das pessoas o conceito de certo e errado, mas fazia com que não se importassem, pois sabiam que as punições aconteciam por motivos muito diferentes dos habituais. Além disso, havia pessoas que repudiavam esse sistema de vida, escolhendo o risco de ajudar algum judeu ou perseguido do regime, apenas porque era o certo a se fazer. E quando essas pessoas eram descobertas, costumavam pagar com a vida pela sua ousadia.

As coisas acontecem sempre da mesma forma. Para que possa se sustentar, o regime exige rebaixamento moral das pessoas e lhes entrega conforto material. Ao menos para os que se tornavam integrantes do partido, a vida era repleta de conforto e conquistas. A todos os outros, o que não significava nenhum tipo de oposição, apenas que não tinham estômago ou interesse para participar, a vida era dura e cheia de frustrações. É esse o sentido da fala de Anna para seu marido quando recebem a notícia da morte do filho, que vai desencadear sua atividade de enfrentamento do regime. A explosão da revolta pela perda, mas também por se ver obrigada a aceitar as injustiças diárias e o poder de um ditador. Quando Anna diz ao marido, “vocês são os responsáveis por isso, você e seu Führer, com essa guerra de merda!”, ela se revolta não apenas pela morte do filho, mas por tudo aquilo que o Führer deveria fazer e não faz, que era tornar a vida de todos menos difícil — no caso, saindo do cargo, reconhecendo seus crimes e restabelecendo um regime baseado na justiça e na verdade. E ao marido, embora de maneira cruel, mas verdadeira, ela censura a condescendência, pois a atitude moral seria lutar com todas as forças para que a verdade fosse restituída e a vida voltasse a ser como antes.

2 Destruição dos valores e anormalidade

Em qualquer sociedade ou momento haverá pessoas que não aceitam ou não conseguem corresponder à moral vigente. Ocorre, no entanto, que aquilo que sentimos como uma crise de moralidade, quando muitas pessoas abandonam os princípios ético e morais é, na verdade, uma crise daquela cultura. Porque embora cada cultura tenha suas peculiaridades, valores diferentes, rituais, etc, todos eles terminam cumprindo sempre as mesmas funções, ou seja, servem para promover os valores e manter a sociedade coesa. Quando isso se modifica, por exemplo, numa guerra civil, não estamos falando exclusivamente de preferências políticas ou religiosas, mas de uma sociedade que perde aquilo que a mantinha coesa e está se esfacelando, onde a existência do outro é questionada e a única resposta é a violência.

Aquilo que autores como Fallada ou Klemperer testemunharam, entre muitos outros, é justamente esse movimento, o de esfacelamento de uma cultura. Os tipos medíocres, sem moral, que o livro descreve, são agentes destruidores da cultura alemã. Ironicamente, a Alemanha, que tentava trazer novos valores desde o fim do século XVIII e assumir o protagonismo cultural e político, era a cultura que estava se desagregando e que tombou completamente no auge do nazismo.

De um lado, essas pessoas não tinham mais a referência de um mundo sólido; de outro, aquilo que lhes aparecia era confuso e nublado demais para que conseguissem se orientar. Restava a atitude mais comum de todas, a de tentar apenas sobreviver, fazendo o que fosse necessário, sem se importar com os outros, com a dor causada ou com o sofrimento gerado. A satisfação imediata, ou sobrevivência por mais um dia, bastava como bússola de orientação do comportamento, qualquer coisa que fugisse desse âmbito era considerado desperdício de tempo, de energia e contraprodutivo — poderia significar sua morte. Vemos isso também nos oficiais nazistas, no delegado Escherich, que pede calma a seu superior, mas que só consegue pensar no caso dos cartões, ou seja, na satisfação imediata (ou retirada do que lhe causa dano ou desconforto) e nunca tira um segundo para ler e compreender o que estava escrito ali. É uma “filosofia” utilitarista, se assim podemos dizer, já que o termo está associado aos ingleses, os inimigos da Alemanha nas duas guerras mundiais, mas o sentido é realmente esse. Tudo o que afasta a pessoa da felicidade ou causa dor é repelido com todas as forças e a satisfação buscada incessantemente (talvez, para ser mais exato, os valores alemães fossem um aprofundamento do utilitarismo inglês, um dos pais do Iluminismo e que tanto mal tem causado à humanidade. Esse ponto é interessante, mas não posso desenvolver aqui).

Hans Fallada cria uma oposição de personagens que chama a atenção do leitor. De um lado, Anna e Otto Quangel, o juiz Fromm, ReichHardt, Trudel Bauman, o pastor Lorenz, e do outro, Barkhausen, Enno Kluge, Baldur Persicke, Klebs, o juiz Feisler, etc. Os primeiros agem moralmente, mesmo que a sociedade os condene, os persiga e ameace com a morte. Já os outros apenas acompanham o movimento da sociedade, tentando conseguir posições de destaque ou algum tipo de conforto explorando, denunciando, extorquindo, roubando, matando. Nós vemos que essas figuras se dão mal constantemente, mas não são capazes de refletir sobre sua condição, não conseguem sequer imaginar — quanto mais refletir seriamente — que a culpa de suas desgraças recai sobre eles mesmos e seu comportamento. Mesmo Baldur, que se torna uma pessoa de destaque dentro do partido, não passa de um canalha, que pede ao médico da clínica que dê fim a seu pai, um alcoólatra. Se ele parece exceção, conquistando cargos altos, ainda assim, está tão atolado no lamaçal quanto os outros de sua categoria. O que une todos esses tipos criticáveis no romance não é seu fracasso em conquistar riqueza ou poder (de fato, muitos deles fracassam, mas alguns obtém êxito), mas sua falência moral. Não importa onde estejam na escala social, se muito baixo ou muito alto, o que todos tem em comum é a moralidade deturpada, oportunista, cínica e canalha, que não respeita a humanidade e tenta se aproveitar de qualquer circunstância para ter alguma vantagem.

Aqui, me parece, o livro alcança seu auge, porque consegue mostrar que pouco importa o sucesso dentro da sociedade, se ela está corrompida, se sua cultura declina terrivelmente, os tipos que a compõe serão também deturpados. E as pessoas com uma visão de mundo sadia serão as exceções. Vai aparecendo um barbarismo de costumes e comportamentos que deveria horrorizar as pessoas, mas elas estão tão preocupadas com sua própria sobrevivência que deixam de se importar. Ou pode ser que esse declínio não venha pela miséria, mas pela busca desesperada de prazer, por uma visão hedonista da vida. Por prazer também se faz qualquer coisa, também se rompe qualquer limite. Seja qual for o caminho, o fato é que numa sociedade totalitária, a moralidade é jogada de lado, ou melhor, há uma moral que rege todas as relações sociais, é impossível viver sem valores, mas esses valores são cínicos e oportunistas. E, pior ainda, erguer-se contrariamente a isso é tão arriscado quanto desafiar diretamente o regime. Uma sociedade totalitária, onde o Estado coordena todas as áreas da vida, torna a autonomia individual um crime imperdoável.

Aqueles que conseguem se separar da sociedade moralmente esfacelada e criar uma personalidade, o fazem através da descoberta (no caso dos Quangel, visceral) de sua condição. Mesmo quem não tem uma grande cultura, mas que foi capaz de descobrir a verdade sobre essa sociedade e seu regime consegue desenvolver uma personalidade. É esse o sentido de tanta segurança que Anna passa diante do juiz Feisler, que, verdadeiro sádico, esperava ansioso pela visão da fisionomia do casal quando recebesse a sentença de pena de morte. Uma pessoa que alcançou um nível de entendimento e de afastamento daquilo que é baixo e vil, que o juiz não pode compreender, mesmo depois de tantos estudos e de seu cargo.

No caso da Alemanha, o tipo social adaptado ao regime era o descrito nas páginas do livro, tentando sobreviver e não se importando com o mal que causava às pessoas em seu caminho. Mas é preciso mais um elemento para compreender melhor como isso acontece. Durkheim ensinava que uma sociedade tende a se adaptar — e, claro, as pessoas — quando o nível de moralidade cai bastante. Isso evita sofrimento psicológico. E tende a acontecer justamente por meio da arte e da educação, que vão como que solapando as bases morais até que a “régua da normalidade” seja reajustada e um novo normal surja, redefinindo comportamentos. Quando uma sociedade entra em crise a verdadeira questão é que as pessoas não conseguem avaliar seu comportamento, elas apenas fazem aquilo que se tornou o normal. Fugir a esse imperativo social é demonstração de personalidade e caso raro, a maioria das pessoas sequer percebe o quanto mudou, ou consegue se lembrar do que era antes de tudo aquilo.

Sob esse ponto de vista, a atitude dos Quangel fica ainda mais impressionante. Eles tinham tudo contra, desde a pressão social, o regime com sua polícia voltada exclusivamente para a repressão da população, as necessidades normais de sobrevivência, etc. E, mesmo diante de tudo isso, escolheram o caminho mais difícil, aquele que não traria qualquer tipo de recompensa imediata. A rigor, a única recompensa que poderiam imaginar seria o futuro livre de ditadores sanguinários, mas isso seria muito pretensioso. Seu legado é o de mostrar que pequenos atos são tão completamente morais quanto aqueles que aparecem e chamam a atenção, porque ambos precisam do mesmo componente: a capacidade de fugir ao controle social deturpado e obedecer a leis morais eternas e imutáveis.

3 diante do extremo

Otto descobre, na prisão, uma dimensão do espírito humano que sequer suspeitava anteriormente. Seu convívio com uma pessoa boa, Reichhardt, mostra que uma vida moral não depende da atividade profissional, nem mesmo da cultura, mas de uma atitude de abertura e procura pelas coisas elevadas. Ele aprende a jogar xadrez, a gostar de música, se interessa por arte de alguma forma. E isso lhe mostra a amplitude da vida. As palavras de Reichhardt são as mais belas de todo o livro: “E você ao menos resistiu ao mal. Não aderiu ao mal. Você, eu e os muitos aqui dentro, muitos em outros presídios e as dezenas de milhares nos campos de concentração... todos estão resistindo, hoje, amanhã” (p. 509). Há inúmeras possibilidades diante do extremo, uns se rebaixam a ponto de se tornarem verdadeiros psicóticos, assassinos, canalhas, aproveitadores, bajuladores, etc; mas há os que, contra todas as forças em contrário, preferem ter uma existência moral.

A atitude de Reichhardt faz pensar naquilo que Viktor Frankl descreveu com maestria acerca de sua experiência no campo de concentração. É sabido que o campo tentava retirar qualquer traço de humanidade das pessoas, que as fazia pensar apenas em conseguir mais um dia de comida e abrigo, não importando o que tivessem que fazer para sobreviver e tentar sair dali. Mas também lhes destruía as esperanças, fazendo com que qualquer projeção sobre um futuro fosse considerada loucura, um devaneio completamente irreal. Por isso, aqueles que se entregavam a esse rebaixamento, acabavam todos tendo um destino semelhante, abandonando a vida em determinado instante, se deixando matar, suicidando ou fazendo qualquer coisa que antecipasse sua morte. Mas os que mantinham algo dentro de si, um amor, o desejo de construir algo, de testemunhar (como foi o caso de Primo Levi, que, tristemente, anos depois não resistiu e cometeu o suicídio), esses conseguiam ainda ter uma existência moral, de respeito aos outros e invariavelmente eram esses que sobreviviam.

Frankl dedicou sua vida a compreender esse fenômeno e isso deu origem a sua terapia, a logoterapia, que tenta restituir o sentido da vida a seus pacientes. A esperança de construir uma obra, de rever sua amada esposa o manteve vivo, mesmo que diante de tanta morte e atrocidades. Hans Fallada teve um pressentimento dessa verdade quando mostrou alguns de seus personagens desistindo da vida e outros lutando e se tornando seres moralmente superiores, que os nazistas não conseguiam ameaçar, mesmo dispondo de todo o aparato para lhes causar dor. É por isso que os momentos do julgamento do casal Quangel nos causam enorme estranheza, porque estamos acostumados a ver o rebaixamento moral cotidianamente ao menor sinal de dificuldade na vida; o movimento contrário, como diria Simone Weil, a Graça, é extremamente raro.

“Esse foi o momento em que Otto Quangel riu, pela primeira vez desde sua prisão — não, desde tempos imemoriais. Ele riu de maneira alegre e descontraída. A comicidade que era aquela turma de bandidos querer transformá-lo num criminoso de verdade tinha subitamente tomado conta dele” (p. 555). Os artifícios são muitos para fazer com que mesmo diante da morte, mesmo sabendo que não haveria perdão, o medo fizesse com que esse último resquício de humanidade fosse pisoteado e deixasse de existir, mas Otto reconhece, com uma clareza excepcional, sua situação e o que aquelas pessoas no tribunal eram realmente. Num primeiro momento, o distanciamento vem como repulsa às pessoas e autoridades, um nojo disforme, mas que serve para mover a pessoa conscientemente na direção contrária. Não se sabe muito bem o que se é, afinal, todas as pessoas eram da mesma forma, ou seja, obedeciam os mesmos valores até bem pouco tempo atrás; mas agora, simplesmente não se quer ser como eles, porque as diferenças estão muito visíveis para serem ignoradas. Só mais tarde é que essa diferença toma forma e o quadro é visto com mais clareza. Otto descobre que aquilo que querem tirar dele, eles foram os primeiros a perder, mas mantiveram o sentido da autopreservação, uma força tão básica que até os animais tem. Isso as mantém de pé, mas não é suficiente para nada mais além disso.

E na hora da morte, Otto ainda toma uma atitude moral. O juiz Fromm lhe oferece a opção de matar-se, tomando veneno e não dar a satisfação aos criminosos de lhe tirarem a vida. E, de fato, ele titubeia, pensa bastante no momento em que deveria fazer isso. E vai adiando, sempre esperando o momento certo. Mas a sutileza de Hans Fallada aqui impressiona. Ele mostra, mesmo descrevendo os sentimentos conflitantes e desesperados de ver a morte chegar (não porque não quisesse morrer, mas porque a morte assusta, de qualquer forma), como Otto já não pode mais se atingido. E a capsula de veneno em sua boca se torna tudo o que consome seu pensamento nas últimas frações de segundo de vida. Mas ele não se mata, não reconhece a fraqueza, pois realmente já não era fraco. Matar-se, ainda mais no último momento, significaria, ao contrário do que poderia parecer de início, um ato de extremo desespero e fuga, restituindo, assim, o imaginário do poder do regime sobre as pessoas. Não entrarei na discussão religiosa sobre o suicídio, porque ela poderia tirar o peso desse último momento de sua vida. Não estou desdenhando da religião, muito pelo contrário; para pessoas religiosas, o suicídio nem existe como possibilidade, mas aqui, diante do regime totalitário, suicidar-se poderia significar uma tentativa de autonomia, não reconhecendo, mesmo que numa fração de segundo, seu poder. No entanto, isso seria tentar fugir, reconhecendo que aqueles criminosos tinham ainda poder sobre ele.

Essa discussão, altamente sofisticada, pode passar despercebida numa leitura rápida, mas há um enorme sentido nesse momento do texto. Tudo que aqueles homens queriam era aterrorizar as pessoas, mostrar para elas que não importa o que fizessem, sempre acabariam presas e condenadas. O medo, sentimento tão comum, era uma arma do regime. E sentir esse medo dava todo o poder que eles queriam. Mas Otto e Anna já não sentem medo, já não tem mais nada a perder e não podem ser alcançados. Curiosamente, no ato mesmo de reduzir os indivíduos a nada, destruindo toda sua vida, é que o regime falha e permite a libertação dos Quangel. Se não há nada a perder, não há nada a temer. E reconhecendo isso, a personalidade ressurge com uma força nunca antes sonhada: eles já estão livres, independentemente de sua sentença. O paradoxo do totalitarismo é, assim, exposto sem pudor algum: quanto mais se torna violento e arbitrário, tentando retirar o que dá sentido à vida das pessoas, mais propaga o medo dentro delas, mas ao retirar tudo, por mais estranho que pareça, perde a disputa e lhes restitui a única coisa que não pode tomar de verdade. O que o totalitarismo faz, portanto, é nos persuadir de que pode nos desumanizar; e consegue com muitas pessoas, como nos ensinou Viktor Frankl, mas outras pessoas, depois de terem perdido tudo, ressurgem com a certeza de que há algo dentro delas que não pode ser destruído, não pode nem ser tocado.

Esse desprendimento que os Quangel alcançaram pode chegar de outras formas. E aqui começo a pensar na religião. Não no sentido negativo, como afirmava Nietzsche, de que o religioso é um niilista que não consegue se dedicar à vida. Não. O que se pode alcançar pela religião é a capacidade de enxergar que tudo é transitório, fugaz e termina, como ensina o Livro do Eclesiastes, em pó. Nesse sentido, a vida dos Quangel alcançou o pleno entendimento do que realmente era o regime, por mais perverso e pavoroso que tenha conseguido ser: apenas vaidade dos homens e está condenado, como, aliás, todas as obras humanas, ao desaparecimento.

Mas, voltando um pouco atrás, Hans Fallada descobre um ponto importante, que vai nos dizer respeito por todo o século XX e XXI, que é essa tentativa de poder absoluto em alguns regimes. O livro poderia simplesmente terminar com o terror dominando o casal, terror que é sua forma de governar, como nos mostrou Hannah Arendt. Mas ele insiste que quanto mais ele avança, até o ponto do absoluto mesmo, de ter retirado tudo pelo qual as pessoas podem viver e dedicar suas vidas, mostrando para elas que não existe nada que não possa tocar, precisamente aí mora sua destruição: as pessoas deixam de temê-lo e surge a força de suas personalidades. Assim, qualquer regime totalitário, quanto mais avança, mais próximo do fim está. E não estou dizendo isso em termos de tempo, mas de espaço sobre o qual pode atuar. O regime pode ainda durar décadas, enquanto estiverem vivos seus criadores e herdeiros diretos. Mas se iniciar sobre as pessoas esse processo de destruição completa, seu poder sobre elas é imediatamente extinto.

4 uma alquimia do espírito

Tentei traçar um paralelo entre a teoria de Viktor Frankl e o livro de Hans Fallada, mas sinto que não está suficientemente claro. Quem leu atentamente pode dizer que um deles afirmava que aquilo que dá sentido a nossa vida, nos salva da morte pelo desespero. O outro mostrou como um casal de pessoas simples enfrentou o regime nazista, mesmo depois de ter perdido o filho e tudo mais. Ou seja, o mais esperado era que os dois não tivessem mais sentido para viver, que não fossem capazes nem de desejar mais nada na vida e não tivessem vontade alguma de continuar. Mas, ainda assim, depois de tudo perdido, eles iniciaram uma luta silenciosa contra o gigantesco aparato do regime nazista.

Frankl explica que depois de perder tudo, quando não houver mais nada a se apegar na vida, ainda assim, o espírito humano é capaz de escolher prosseguir a vida. Ele ensinava que diante de circunstâncias inegavelmente contrárias e irremediáveis, o espírito humano é capaz de mudar a si mesmo. É esse o ponto, me parece, que une os dois autores e faz do livro de Falada uma ilustração do pensamento de Frankl. O casal simplesmente se transformou em algo que o regime não tinha mais como derrotar. E, desse ponto de vista, se tornaram vitoriosos — acredito que de todos os pontos de vista que olharmos. No entanto, seria leviano dizer que basta acreditarmos sermos capazes de resistir para derrotar, ao menos no nível individual, o regime. São poucas as pessoas que conseguiriam se desprender e não sentir medo; o natural de nossa condição animal é buscar a autopreservação. Eles, ao contrário, transcenderam essa condição.

Quando perderam tudo e o regime havia alcançado sua plenitude, os Quangel acabaram sendo mudados e se adaptaram ao novo mundo, finalmente. Mas se adaptaram não da maneira como sujeitos como Baldur, se rebaixando e dando de ombros sobre a condição das pessoas ao redor. Eles se tornaram mais humanos, mais preocupados com os outros, tentando impedir que outros pais perdessem seus filhos por maldade de homens maus e que ignoravam completamente sua existência. Essa verdadeira alquimia do espírito acontece com sofrimento real e inclassificável, mas que modifica o material de que são feitos, modifica sua visão sobre a realidade e os faz não mais sentir a própria dor, mas a dos outros. Imagine o que é para os pais perderem um filho e depois se dedicarem a impedir que outros passem pela mesma dor... Diante disso, que poder o regime nazista teria? Essa mudança lhes permitiu descobrir um novo sentido na vida, que não era derrubar o fuhrer, pois eles sabiam que seu alcance era muito pequeno, mas também não poderiam ficar sem fazer. Quantas pessoas não leram aqueles cartões e não começaram a pensar em si mesmos, como vinham agindo? Mesmo que apenas uma pessoa tenha se questionado (o que é amplamente improvável), ainda assim eles terão alcançado êxito, pois salvaram alguém da maldade e da mediocridade.

O crescimento de Otto e Anna só se completa depois da prisão. Eles tinham medo de ser pegos, ainda que não tivessem desistido de seu plano. Viveram cerca de um ano desafiando o perigo, na esperança de que aquilo poderia durar ainda muito mais tempo. Mas é depois da prisão que eles se libertam realmente. Pode parecer paradoxal, mas é na prisão que Otto amplia sua visão de mundo, que tem contato com uma pessoa que lhe mostra a arte, a filosofia e como os criminosos nazistas não passavam de pessoas mortas por dentro. O mesmo acontece com Anna, redescobrindo o amor por seu marido. Ela sofre com medo de perdê-lo, mas está tranquila em relação a si. E sabe que não poderá mais mudar seu destino. Os dois encontram uma paz e uma amplitude diante da vida que jamais haviam sonhado existir. É estranho olhar para essas pessoas, que terminaram mortas pelo regime, pensando que saíram vencedoras e se realizaram completamente. Como tendemos a olhar a vida como realização material, como acúmulo de posses ou de poder, qualquer coisa mais “etérea” parece precisar de uma justificativa. Não o farei, no entanto, porque essas pessoas foram tudo aquilo que se pode desejar ser; se tornaram personalidades verdadeiras e autênticas, que não poderiam mais ser manipuladas pelo mal. Se isso não é ser um humano completo, não sei mais o que poderia ser.
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Jeanine 26/05/2022

Simplesmente incrível! Demorei um pouco a engrenar, mas, quando foi, fluiu demais, mesmo sendo um calhamaço de quase 800 páginas.
O autor traz uma história sensível e forte sobre a resistência alemã ao nazismo.
Com momentos de prender o fôlego e outros de chorar diante da barbárie, recomendo demais a leitura!
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Biblioteca Álvaro Guerra 20/05/2022

A obra narra uma história real de resistência pacífica ao nazismo protagonizada por um casal de operários berlinenses.

Livro disponível para empréstimo nas Bibliotecas Municipais de São Paulo. Basta reservar! De graça!

site: http://bibliotecacircula.prefeitura.sp.gov.br/pesquisa/isbn/9788574482750
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Monica.Fusco 28/11/2021

Morrer sozinho em Berlim
Para quem gosta de livros sobre o tema da segunda guerra mundial, super indico.
Uma história bem montada e que mostra a realidade dura daquela época.
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IvaldoRocha 10/11/2021

Quando a necessidade de resistir é maior que o desejo de sobreviver.
A carteira Eva Kluge sobe os degraus lentamente, cansada e com um daqueles telegramas que odeia ter que entregar, passa pelo apartamento dos Persickes e deixa o jornal, todos estão em festa, a Alemanha invade a França.

Mais alguns degraus e os Quangells, receberão seu telegrama e aí tudo mudará. Nenhum pai deveria enterrar seus filhos, muito menos em uma guerra e muito menos ainda, quando se é totalmente contra essa guerra e o que ela defende.

É preciso combater o regime nazista, não importa o que se faça, muito ou pouco, violento ou não, o risco será sempre o mesmo, “a morte”, é o nazismo, e como qualquer ditadura o estado de direito inexiste, pessoas são executadas diariamente, por motivos diversos, reais ou inventados, e as vezes por mera conveniência.

Hans Fallada durante o regime nazista é tido com um escritor apolítico, e se torna um “indesejável” pelo regime nazista, provavelmente por ter aceito um convite Joseph Goebbels, que muito o admirava, para escrever um romance antissemita e usou a cota de papel fornecida para escrever “O Beberrão”, romance autobiográfico e um relato crítico do Terceiro Reich.

Após o fim da guerra vasto material da Gestapo contendo informações de pessoas que foram executadas por ações contra o Reich, são recuperados. Fallada é convidado a escrever sobre o casal, recusa por diversas vezes, alegando ter nadado a favor da maré, e não queria parecer que tivesse sido mais combativo do que fora. Mas finalmente é convencido a fazê-lo.

A estória se desenrola de maneira brilhante, difícil de se imaginar que o autor, já bastante debilitado e internado em uma clínica de recuperação, datilografava 30 páginas por dia e terminou o romance em menos de um mês. Fallada evitou seguir à risca as informações que possuía do casal, manteve o estritamente necessário e criou a sua própria versão. Morre antes de ver seu livro publicado.

Cheio de fortes momentos, muitos totalmente inesperados, longe da monotonia, vibrante do início ao fim, no meio das sombras sempre existe uma pequena luz. Inteligente e criativo, tem que ser lido, apesar do assunto indigesto e o absurdo do seu acontecido.

O melhor resumo da história que achei, é a do próprio autor:

“O casal Quangel, duas pessoas do norte de Berlim solitárias e desimportantes, inicia em certo dia de 1940 a luta contra a máquina absurda do Estado nazista e acontece o grotesco: o elefante sente-se ameaçado pelo camundongo”.

Após sessenta anos da morte do autor Rudolf Ditzen, que adota o pseudônimo de Hans Fallada, seu livro é redescoberto “Morrer sozinho em Berlim”, se torna campeão de vendas e sucesso em mais de vinte países.
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LUISA 27/09/2021

"No fim, seremos vencedores"
há tantos livros sobre a segunda guerra mundial e sobre o pânico de se viver sob a tirania de hitler, que este poderia ser só mais um. mas quando li os primeiros parágrafos em um post da @carambaia, fui fisgada por uma nova perspectiva - a de quem decidiu resistir dentro da própria alemanha. cidadãos inicialmente apolíticos que, ao descobrirem da pior forma o nazismo engendrado no cotidiano e a manipulação descarada da verdade (alô, 2021), ganham consciência e começam um projeto pessoal silencioso: distribuir cartões-postais anônimos pelas ruas de berlim. quanto tempo vai levar para serem descobertos, se é que serão? quanta energia o estado gasta com a sua obstinação em descobrir os autores deste perigosíssimo crime lesa-pátria? tudo nos prende nas 768 páginas deste romance absurdamente belo e cruel, baseado em documentos reais da gestapo.

"- sim, e aí eles tiram a nossa vida, e para que então serviu a nossa resistência?

- para nós, serviu para muita coisa, porque pudemos nos sentir pessoas decentes até a hora da nossa morte. cada um de nós tem que agir sozinho e terá que morrer sozinho. mas nem por isso estamos realmente sozinhos, nem por isso morreremos em vão. nada acontece em vão neste mundo, e, como lutamos contra a força bruta e a favor do que é justo, no fim seremos os vencedores."

?
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Beatriz Vercesi 29/12/2020

É uma leitura muito gostosa, porém a história demora um pouco para desenrolar. Só fui entender realmente o contexto quando li sobre a vida do autor.
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Carol 26/10/2020

Impressões da Carol
Livro: Cada um morre por si {1947}
Autor: Hans Fallada {Alemanha, 1893-1947}
Tradução: Sonali Bertuol
Editora: Carambaia
768p.

Este foi o livro escolhido para o Clube de Leituras da @carambaia, do dia 29/07, às 20h, no canal da editora no YouTube. A live ficou gravada.

"Enquanto ele ainda remexia as gavetas, Anna se decidiu. Hesitante, ela disse: 'Isso que você quer fazer não é pouco, Otto?.??
Ele interrompeu a busca e, ainda curvado como estava, virou a cabeça para a mulher. 'Pouco ou muito, Anna', ele disse, 'se nos pegarem, vai nos custar a cabeça..." p. 210.

Hans Fallada, em "Cada um morre por si", escreve sobre o cotidiano naquela Alemanha de 1940, com o nazismo em seu auge. Um estado policialesco, no qual os laços de confiança foram extintos. Como um alemão comum poderia ir de encontro aos tentáculos do totalitarismo? São as histórias dessas pessoas comuns que interessam a Fallada, a história das pequenas resistências.

O autor, que não saiu da Alemanha durante a guerra, teve acesso aos autos de um processo da Gestapo, no qual um casal de trabalhadores foi condenado e executado por traição à Pátria - o crime? distribuir cartões postais com palavras contra o Führer.

Baseado nisso, Fallada escreveu, em 24 dias, as 768 páginas dessa obra monumental. Eu amei! Li a história de Otto e Anna Quangel sem sentir o tempo passar.

Porque o romance prende a atenção do leitor desde o início, não há como largá-lo. Porque não é comum lermos sobre o nazismo pela perspectiva dos alemães, pessoas comuns, que lutaram contra ele. Porque a linguagem usada por Fallada é simples, longe de ser ingênua. Porque é como um thriller, com diversas camadas e reflexões acerca da moral. Porque não há personagens secundários, todos têm densidade psicológica, têm um motivo para estarem ali.

Enfim, "Cada um morre por si" é um livro imperdível e, infelizmente, conversa demais com o nosso tempo. A pergunta é: como permanecer uma pessoa decente no meio de tanta iniquidade e opressão?

"Não queremos encerrar este livro com a morte; ele é dedicado à vida, à vida invencível, que sempre triunfa novamente sobre a injúria e o pranto, sobre a miséria e a morte." p. 745
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