Sabrina 24/01/2013
Romance psicológico
Por ser um dos nomes mais celebrados da literatura mundial atualmente, e por ter participado da FLIP – Feira Literária Internacional de Paraty (RJ), eu já tinha ouvido falar bastante em Ian McEwan. Querendo descobrir porque ele é tão aclamado, resolvi ler Reparação, um de seus livros mais famosos e que deu origem ao filme Desejo e Reparação (2007). De fato, descobri muito mais de porque ele é tão famoso. Acabei descobrindo na obra uma narrativa deliciosa, inteligente, verossímil, que me deixou grudada na história muito depois de ter terminado a última página.
Reparação conta a história de como a jovem Briony Talles, dona de uma grande imaginação, acaba confundindo uma série de fatos que ocorrem entre sua irmã, Cecilia, e o filho da caseira, Robbie Turner. Assim, ela passa a acreditar, sem entender o contexto, que Robbie é um psicopata. Quando um incidente muito grave ocorre com a prima de Briony, ela não titubeia em acusar o rapaz, mesmo não tendo identificado claramente o agressor na noite escura.
Somente esse enredo já produziria uma grande história, mas o livro possui ainda uma segunda parte. Para escapar das consequências do crime do qual foi acusado, Robbie se vê obrigado a partir para a França para lutar pela Inglaterra na Segunda Guerra Mundial. Concomitantemente, o autor continua contando a história de Cecilia, que ainda está apaixonada por Robbie, e de Briony, que começa a perceber o terrível erro que cometeu e tenta encontrar uma forma de reparação.
O narrador é onipresente nessa obra, e sabe tão bem o que sentem seus personagens que nos parecem plausíveis todas as suas observações. O calor modorrento que deixa os pensamentos lentos, as confusões, as incompreensões de cenas. Tudo muito bem explicado, com um cenário por vezes detalhista demais. Demais mesmo, como quando usa quase um paragrafo para descrever o aspecto das batatas ao saírem do forno. O psicológico de seus personagens também é habilmente construído, e assim o escritor deixa claro as contradições existentes em todo ser humano.
Na verdade, Reparação é um romance psicológico. As infâncias são constantemente evocadas para justificar o comportamento adulto dos personagens. As referências a Freud e os deslizes inconscientes que conduzem a história e explicam os acontecimentos também fazem ligação com uma construção cuidadosa da mente de seus personagens.
Personagens estes que são muito complexos. Para todos eles, McEwan apresenta as razoes de seus comportamentos, e todas elas parecem tão plausíveis que é difícil escolher um lado, não é simples julgá-los. Tal como na vida real.
Ian McEwan não utiliza palavras chulas sem um motivo. Quando as usa, o faz com maestria, para dar a real dimensão do que se passa com seu personagem, e também para chocar o leitor e para chocar, em um nível muito maior, outros personagens do próprio enredo. Um exemplo de como ele não usa esses vocábulos inapropriados à toa é na cena de sexo entre dois personagens, na qual não há palavras de baixo calão. Existe, isso sim, uma descrição perfeita da cena e da intensidade dos sentimentos em jogo, mas sem apelação. Uma cena muito bonita, que não serve apenas para preencher o velho clichê comercial de que deve ter cenas picantes nos romances. Além de linda, a cena contada comedidamente dá ainda mais força à historia elaborada por McEwan.
Nem tudo é perfeito na obra. O escritor descreve com muitos detalhes os ambientes - mas isso faz o cenário se tornar mais real e bonito. O problema é que algumas cenas são narradas longamente, mas outros fatos, que seriam ainda mais importantes para a trama, ele não conta, deixando o leitor antever e adivinhar de acordo com a fala ou pensamento de algum personagem. Talvez isso seja proposital, para deixar perguntas depois do término do livro, fazendo com que o leitor revisite a história e tente entender todos os pormenores que não foram ditos. Mesmo que seja de propósito, algumas cenas mereciam uma descrição mais detalhada.
A falta de referências históricas a respeito da Segunda Guerra Mundial também podem deixar o leitor um pouco perdido, já que não ha uma explicação dos acontecimentos em nível de pais. Mas os detalhes que são acrescidos, os horrores que seus personagens testemunham, são muito instrutivos.
Reparação vale a leitura. É um livro que conseguiu unir de uma forma incrível o marasmo e a ação, e a trama psicológica, aliada ao suspense, fazem valer cada minuto dedicado às suas paginas.