Nícolas Vieira 06/07/2020
República Luminosa e a quebra da infância
"[...] parecia que naquelas crianças havia uma alegria e uma liberdade que, de certo modo, as crianças “normais” nunca poderiam atingir, que a infância se expressava de forma muito melhor nas suas brincadeiras do que nas brincadeiras regradas e cheias de proibições que os nossos filhos faziam.”
“República Luminosa” de Andrés Barba é um romance de poucas páginas que conta a peculiar história de um assistente social que se muda com sua esposa e enteada para a cidade de San Cristóbal, a vida pacata e tranquila dos cidadãos deste lugar é transformado em caos quando 32 crianças, com cerca de 9 à 13 anos de idade, que não falam nenhuma língua conhecida surgem e com elas a violência e o medo se tornam presentes no cotidiano.
O que fazer quando nos vemos em meio à uma quebra dos valores sociais e do que esperamos das crianças e de sua inocência infantil? Como devemos agir quando os menores se mostram violentos a ponto de roubar e matar? Devemos domesticar esses “seres animalescos”?
O paradoxo desses questionamentos que trazemos com nossas expectativas tardias sobre o que é certo ou errado são o que mais perpetuam no decorrer do livro. Desde o início percebemos que nesta narrativa a proposta é entendermos quais são os modos de agir em meio ao caos de uma sociedade anárquica, onde não há um único representante, mas sim crianças que vivem à beira da marginalidade, nas ruas, sozinhas e sem a “domesticação social” que é necessária para que sejam aceitas em um mundo social.
Com um quê de “Capitães da Areia” de Jorge Amado, “República Luminosa” é um livro necessário, tanto para aqueles que creem na ressocialização, quanto para os que são extremistas em suas análises da infância e juventude.
“Para as crianças o mundo é um museu no qual os vigias adultos podem ser amorosos na maior parte do tempo, mas nem por isso deixam de impor as regras: tudo é maciço, tudo existiu desde sempre e veio antes delas. Em troca desse amor são obrigadas a sustentar o mito de sua inocência. Não apenas têm de ser inocentes, precisam representar essa inocência.”
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