NinaeraiosdeSol 09/03/2024
"...a escolha que me apavora."
Tudo é cru, ausente de prazer, e o que restam são os devaneios que se estendem à qualquer cena ou objeto exposto. Ela se apega a eles farta do vazio, do tédio, da própria existência. E eu sinto com ela, sei que é sua mente, sei que ela se ocupa com metáforas palpáveis e tão vivas que se tornam mirabolantes. Talvez fosse sua mente num papel, num discurso, ou só em pensamentos, mas eu não me importei. Diante da brancura que segue a sua vida e desses malabarismos para ocupar toda essa ausência, qualquer possibilidade nova representa um suspiro, alguma mínima nova liberdade, alguma ilusão de poder. E eu entendo, pois fico extasiada também, até com as partes grotescas, até com a realidade fria: o contato com o Comandante, com Moira, os encontros com Nick ou mesmo antes, os sussurros com Ofglen. Ainda sim, representam o novo, a quebra do monótono. São faíscas de vida que surgem no meio do nada. Como não poderiam se tornar grandiosas e alimento para uma esperança discreta?
Leitor e narradora, facetados, idênticos, como gemêos, ambicionando as mesmas coisas sem saberem exatamente que coisas são.
Apesar de ser doloroso ela rendendo seu corpo e sua luta conforme a relação com o Nick representa alguma vida, mesmo que não fosse amor, eu também a entendo. E sinceramente, o fato dos meus sentimentos terem sido tão alinhados com as angústias da protagonista diz muito (ao meu ver) da escrita perspicaz de Atwood.
O final me parece muito original, sagaz. Que outra melhor forma de contar um final ao mesmo tempo que o omite se não através da história? Ainda assim, ainda que fosse uma finalização mais que necessária, acredito que poderia ter sido um pouco melhor ou mesmo organizada.
Iniciei a leitura com muito receio e preconceito por algum motivo que desconheço, mas ao final eles mal importaram. Vinte páginas depois eu sabia que precisava ler apesar do desconforto com a narrativa, até que mais cinquenta páginas depois eu percebo que não irei conseguir parar.
Sem dúvida um dos melhores livros que já li, o que me deixa temerosa em relação a me arriscar ou não com a sequência da obra e até mesmo o seriado. Parece quase um pecado.
Fico genuinamente feliz de partilhar de um tempo em que essa obra tenha sido lançada e tão amplamente aclamada. Não poderia pedir mais de um retrato contemporâneo.
"Tudo o que é silenciado clamará por ser ouvido, ainda que silenciosamente"