JoAo.Aviani 12/01/2024
O livre arbítrio frente à imprescindibilidade da morte
É inevitável que, eventualmente, enquanto estamos perdidos em nosso pensamentos, acabemos chegando à questão da finitude da vida e da inevitabilidade da morte. Em todas as vezes, por ser algo intrínseco à própria experiência de viver, me conformo e redireciono meu foco para a própria jornada da vida, em vez de me preocupar com seu fim (bem igual em Arrival, do Denis Villeneuve, mesmo).
Mas e se a própria possibilidade de viver a vida me fosse retirada? E se o meu propósito fosse justamente viver tendo em vista a minha morte? Foram esses questionamentos que esse livro me trouxe e que, honestamente, me deixaram complexado com a condição de vida dos personagens principais, clones criados com a única função de, quando chegarem a certa idade, doarem todos os seus órgãos.
O que mais me incomodou (e que acho ser um dos principais motivos pelo qual o livro é tão potente), apesar disso, foi a inevitável conformação dos personagens com o seu destino. A melancolia do livro residiria nessa conformação, mas, como disse, eventualmente todas as pessoas, inclusive eu, se conformam com a inevitabilidade da morte; a questão, mais profunda e que de fato me intrigou, é a impossibilidade jogada aos personagens de que possam viver de fato as suas vidas, estando presos a escolhas feitos por outros que sequer os veem como dignos de ter uma alma.
A passagem do barco que traz aos personagens, já adultos, memórias afetuosas do internato em que viveram, em particular, me deixa muito emotivo. Quando não se tem agência sobre o próprio futuro e não se pode plenamente viver o presente, o que resta é relembrar o passado (o que se reflete na estrutura do livro, que é uma coletânea de memórias da protagonista, Kath).
Por isso, para mim, Não Me Abandone Jamais, além de ser um ótimo coming of age e de abordar questões éticas importantíssimas (afinal de contas, vale a pena sacrificar toda uma vida e suas experiências para salvar, de uma vez só, várias outras vidas?), trata magistral e principalmente da própria liberdade de se viver.