Rayssa 27/11/2023Uma boa premissa e uma decepçãoNessa obra, acompanhamos a história de um misterioso internato, cujos estudantes são criados de forma distinta dos demais humanos da terra a fim de atingir um grande propósito: serem "doadores".
Embora o livro seja vendido como ficção cientifica, temos aqui na realidade um romance dramático, que trata da existência da condição humana, ética e do progresso da ciência. A premissa do livro é genial. Clones que são produzidos para o mero fim de doarem órgãos e salvarem a vida de humanos "legítimos". É uma ideia que traz grandes questionamentos, tais quais: como se comportariam clones vivendo entre os seres humanos? Ainda mais, clones que foram criados pelo ser humano apenas para doarem seus órgãos e morrer? Será que esses clones se contentariam em viver apenas na marginalidade da sociedade? São debates muito instigantes e o autor tem insights interessantes, trazendo uma boa história com uma boa escrita no geral. Mas, sinto que faltou muita coisa nesse livro.
A grande questão da clonagem é tratada de forma bem superficial. Temos vislumbres de como a coisa toda funciona, porém, toda vez que o autor começava a entrar mais a fundo, a narrativa era desviada para o romance romântico ou para questões adolescentes. Achei os personagens, inclusive, muito frios, o autor tenta construir a vida interior desses clones, dar-lhes uma alma com pensamentos e sentimentos, mas tudo carece muito de emoção, é tudo muito gelado, seco, duro. A impressão que tive ao ler essa história foi que estava vendo tudo de fora, uma vez que as ações dos personagens são tão mecânicas que nos deixam distantes. Não sei se foi a intenção do autor mostrá-los dessa forma tão insossa, mas acho que não combina com o tom da história, porque, afinal, ele quer nos mostrar que os tais clones são nada mais, nada menos, do que seres humanos.
Ademais, sobre a construção da narrativa, percebi que o autor tem determinados vícios de técnica na escrita. Ele alterna diversas vezes passado e futuro, aplicando "deixas" no texto para que o leitor fique supostamente mais intrigado a continuar a leitura, o que é uma técnica um tanto apelativa e que não me agrada pessoalmente. Além disso, temos cenas longas, com diálogos desnecessários e sem sentido para o contexto da história.
O que parecia ser um livro profundo, com grandes análises sobre a questão da clonagem e da condição humana, para mim foi um livro que beira uma história juvenil. O autor tenta muito trazer humanidade para esses seres diferentes, mas falha. O que me fez pensar o que teria sido dessa história se Murakami a tivesse escrito.