Dany 31/10/2021
Medo e amor imortais!
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SINOPSE: Um jovem advogado chamado Jonathan Harker é enviado a residência de Conde Drácula, um antigo castelo na Transilvânia. Durante sua estadia, contudo, ele percebe não só no local, mas na figura do seu anfitrião, muitas coisas sinistras e suspeitas que vão criando um clima de mistério e tensão crescentes. Com o desenrolar da narrativa, os temores de Jonathan vão se provando verdadeiros e o leitor vai conhecendo novos lugares e personagens que também terão de lidar com a ameaça constante de um ser terrível, cheio de artimanhas inteligentes e de uma eterna sede de sangue.
RESENHA: Drácula foi, se não o primeiro, um dos primeiros livros de terror que li na vida. Ainda no início da adolescência, li uma adaptação, dessas para jovens leitores, versão condensada, para mais tarde, ler a versão integral, uma vez em inglês e outra em português. A cada vez que lia ia me apaixonando mais pela figura do vampiro, pela maneira como a história é contada, revezando os pontos de vista de diferentes personagens através de suas cartas e diários e pela atmosfera gótica e sombria da história.
Também assisti o filme de Coppola, Drácula de Bram Stoker, inúmeras vezes, visto que é um dos meus favoritos da vida, e diferente do que alguns fãs do livro comentam, não acho que os elementos que foram incluídos na adaptação “estragaram” ou “destoaram” do tom do original, acho, inclusive, que o romance criado para o filme se encaixou muito bem na história, dando um tom trágico para toda a narrativa que funciona muito bem com o terror gótico na qual se desenrola.
O que temos na obra original é exatamente isso: uma história que conta com um pano de fundo gótico para desenvolver personagens marcantes que terão que lidar com a constante ameaça de um ser sobrenatural da qual, a princípio, nem eles, nem o leitor, sabem muito a respeito. As pistas que contam com o que estamos lidando são dadas aos poucos, muitas vezes de maneira quase imperceptível na narrativa e, é claro que, hoje em dia, é quase impossível pensar em alguém ler o livro sem já saber de antemão do que se trata, afinal, a figura do vampiro se tornou extremamente conhecida e explorada na cultura mundial. De qualquer forma, Bram Stoker escreveu tão bem essa história que, mesmo hoje, é impossível não sentir a inquietação e a tensão que pairam na atmosfera, que se traduzem no sentimento de urgência, que o leitor compartilha com os personagens, a cada novo relato.
Ao contrário do que muitos pensam, Stoker não criou a figura do vampiro e nem foi o primeiro escritor a escrever um romance sobre ela. Apesar disso, a forma como ele delineou as características da criatura, de fato, funcionaram como um manual para todos aqueles que vieram depois, e esses elementos são apresentados no romance de forma gradual, conforme os personagens se deparam com eles e tentam interpretá-los. Isso acaba conferindo um tom científico para algumas partes da narrativa, algo que também era comum no horror da época e que foi visto em seus contemporâneos como O Médico e o Monstro e Frankenstein.
Outra característica marcante e que, apesar de se tratar de uma história sobre uma criatura ficcional, confere verossimilhança à narrativa, é a escolha do autor de mencionar diversos lugares reais e de mergulhar no folclore, lendas e cultura deles. Assim, ele nos apresenta as raízes das crenças do vampirismo e da licantropia, por exemplo, quase como se prestando homenagem a tais povos e culturas mais antigas para, então, incluir tais fenômenos na sua contemporaneidade; afinal, Stoker trouxe a figura de Drácula para a Londres de seus dias atuais.
E foi dessa forma, que ele conseguiu inserir na história algumas questões bem reais a serem refletidas, como o desenvolvimento das sociedades e sua “modernização”, e a forma como algumas pessoas mais “da antiga” ou “tradicionais” temiam tudo isso. Quando a figura do Conde reflete sobre a perda do seu poderio, do que o grande nome, da sua importante família, uma vez já significara, é de se pensar que todo esse medo seja, na verdade, o reflexo do medo que camadas mais altas da sociedade sentiam ao verem um mundo mais globalizado e industrializado que tinha início na virada do século em que a obra foi escrita. A leve ascensão do proletariado, as descobertas científicas, pequenas descobertas e empreendimentos tecnológicos, resultavam em reinvindicações que “dificultavam” o modo de vida da aristocracia, e Bram Stoker não deixou de criticar isso mesmo que dentro de um contexto bastante ficcionalizado.
Mas, tudo isso surge na história como pequenas reflexões aqui e ali. A verdadeira grandeza dessa história está, com certeza, na capacidade de prender o leitor do início ao fim, sempre com uma sensação de suspense, com a presença, ainda que não física, sempre constante, de uma ameaça aterrorizante que gera medo e aflição e, de condensar em suas páginas, elementos que vão do gótico ao científico, em um mistério no qual somos, ao mesmo tempo, leitores, pesquisadores, detetives, vítimas e, inevitavelmente, amantes, de uma criatura que se faz, a cada leitura, mais imortal.
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