Léo 14/10/2015
Um excelente livro, uma linda história
O título desse livro sempre me chamou atenção. Guardo na memória as vezes em que ia, desde o início de minha adolescência, ao quarto onde papai guardava algumas centenas de seus livros e discos, vasculhando com o olhar título por título por algum que me despertasse o interesse. Médicos de Homens e de Almas era um desses livros. Porém, a despeito de me sentir atraído pelo nome da obra, eu levei alguns anos para, de fato, lê-lo. Foi numa dessas idas ao quartinho da casa, avolumado por livros, procurando algum que tivesse uma tônica diferente a dos anteriores lidos por mim nos últimos meses, me reencontrei com essa obra de Taylor Caldwell. O interesse ressurgiu novamente e adiar sua leitura já não me era mais possível. Pesquisei sobre a autora e vi que a mesma escrevera um dos livros que li no início de minha jornada como leitor: O Anjo Mau, adaptado, inclusive, nos anos 90 para o cinema de Hollywood.
O romance, como já destacado em outras resenhas, narra a vida de Lucano, ou mais conhecido como Lucas, o apóstolo e evangelista que não foi testemunha ocular dos feitos de Jesus. Em suas primeiras páginas, o livro demora fazer a história da personagem central engrenar. No entanto, a forma como a autora aloca o leitor no cenário da trama, bem como a apresentação das personagens necessárias para desenvolvimento adiante da história do nome principal do romance, se mostram indispensáveis. Com acuidade, a escritora pontua a narrativa com diversos dados históricos, demonstrando o esmero em contar uma história que sempre lhe despertou fascínio, desde sua tenra infância. A escrita é bem trabalhada e os diálogos bem estruturados, embora ache que a versão em português pudesse ser mais acurada (talvez, essa impressão se deva ao fato de ter lido uma edição já antiga desse romance histórico).
A cena descrita do menino Lucano, levado por seu preceptor Keptah a um lugar de culto, em que ele se lança aos pés de uma cruz, sem saber o que aquele símbolo - até então representativo de infâmia e ignomínia - viria a representar a imagem-síntese da mensagem de redenção e de um amor indizível, é extremamente comovente e bela. Uma imagem plena de simbolismo, a prenunciar a entrega de Lucano como futuro discípulo do Cristo.
Da criança afável e curiosa, tendo sido capaz de encantar a um pragmático e sóbrio tribuno romano, Diodoro Cirino, Lucano se torna um jovem ensimesmado, meditativo, reservado e soturno; um jovem que se entrega com afinco aos estudos e ao objetivo de se fazer médico. Sua fase introspectiva e sombria é consequência de um acontecimento doloroso: a morte da pessoa amada, seu primeiro amor juvenil, segredado dentro de si, embora perceptível àqueles que viviam junto do rapaz de origem grega. Lucano, então ferido de morte com a perda de quem devotava grande afeição, põe-se em revolta contra o "Deus desconhecido". Esse Deus que, na infância e início da adolescência do personagem principal, causara pleno fascínio e contemplação espiritual no garoto de compleição apolínea. O jovem médico, a partir de então, não se torna um cético ou alguém que convictamente, em si, declare a não-existência de um Deus. Ao contrário: Lucano reconhece, interiormente, ser esse Deus real. Em vários momentos, aliás, vivencia, com estranheza e animosidade, a presença Dele. É por essa altura da narrativa, dessa relação conflituosa, marcada por ressentimento e rancor, que Lucano talvez desejasse mesmo que esse Deus não viesse a existir, a fim de que não tivesse de conviver com a idéia de haver um Deus-inimigo. A esse o jovem grego passa a tributar a razão das angústias, das dores e das mortes vividas pelos homens; um ser distante e indiferente ao sofrimento humano, em conclusão do jovem médico. É desse ponto que o protagonista da trama torna-se irascível, encolerizado, desesperançoso, melancólico e irriquieto em sua alma; desejoso de se vingar de algum modo desse Deus. Para tanto, Lucano se empenha em usar a medicina como arma capaz de atingir a Deus, de afrontá-lO mediante os esforços para curar os males que o jovem acreditava serem imputados aos homens pelo Deus Desconhecido. Lucano é, agora, alguém como o Jacó bíblico: aquele que lutara com Deus. Porém, diferentemente do patriarca hebreu, o médico contendia não por uma bênção, mas por um anseio de vingança. Esse amargor de alma não nos afasta do personagem central. Na verdade, nos aproxima, em humanidade, trazendo à memória do leitor questionamentos comuns à existência dos que crêem: por que há sofrimento e dor, se há um Deus dito ser o Sumo Bem?
Embora permanecesse hostil a Deus, Lucano carrega em si a caridade e piedade cristãs - mesmo ainda não tendo conhecimento exato do que viria a ser essa mensagem -, optando por servir aos miseráveis, oprimidos e enfermos. O médico amado já estava eleito para esse fim. Não poderia ele relutar contra esse propósito: uma força grandiosa lhe atraía e Lucano se submeteria à uma graça irresistível, da qual não consegueria fugir. Nem mesmo os brilhos da Roma dos césares, suas glórias, suas ofertas e sua corrupção puderam, como filho adotivo de um tribuno romano que era, seduzi-lo.
No desenvolvimento do romance, diversos incidentes apontam para o momento em que Lucano reencontraria a Deus, mesmo que ele, por aqueles momentos, não compreendesse e resistisse a tal reencontro. É como um quebra-cabeça de significação da própria vida, de cujas peças Lucano só compreenderá o encaixe em momento oportuno.
Taylor Caldwell pontua a história com alguns episódios acerca de Jesus que estão descritos nos Evangelhos. E, aos poucos, a história do médico vai se entrelaçando com a do Homem de Nazaré. Lucano passa a ouvir, com frequência, relatos de um rabi galileu errante; relatos que fervilhavam na terra de Israel e que começavam a se espalhar pelos contornos do Grande Mar. Sem mais tardança, Lucas deixa que a amargura de seu espírito enraivecido dê lugar à doçura e ao amor do Messias, o qual os judeus criam que viria repleto de glória e poder e não na figura de um homem simples, pobre e compassivo. O médico amado devotaria, assim, sua vida ao serviço de aplacar não só as dores do corpo, mas, também da alma humana. Reconhecia, por fim, que sua alma anelava por Deus. Eleito por Aquele que sequer chegou a vê-lo feito carne, Lucano torna-se bem-aventurado, pois que, a despeito de não tê-lO visto, ainda assim creu. Sua vida, agora enebriada de uma firme fé, se volta para recolher relatos daqueles que conviveram com o Filho de Deus e a se dedicar à escrita do evangelho.
O romance, apesar de ter Deus sempre à espreita, como pano de fundo, não deixa a sensação de ser apenas mais um livro religioso em sentido estrito. Não é um texto marcado por proselitismo ou por um tipo pieguismo religioso. A autora conduziu a escrita de forma espontânea, fazendo com que o leitor possa refletir sobre si mesmo de como auxiliar e amar ao próximo como a si mesmo.