Lisa 17/05/2022
A arte de contar histórias
Temos em "24 Horas da Vida de Uma Mulher E Outras Novelas" uma miscelânea de histórias diferentes entre si, mas unidas por um aspecto em especial, o contar de histórias. Zweig que era um contador nato, nos exibe aqui com explendor tal habilidade, nos evocando a aconchegante imagem de sentar próximo a lareira aos pés de uma matrona para ouvir seus causos (sim, mesmo a nós que nem lareira temos).
Cada novela carrega como o elo a particularidade de ser a narrativa da narrativa. Temos três pontos focais em todas elas: 1) o narrador presente, aquele que nos compartilha a lembrança. 2) o narrador passado, aquele quem previamente viveu e a contou. 3) E o receptor, que tanto é a parte que ouve como a que de sua forma a narra também. Podendo um mesmo personagem trocar de lugar e ocupar os 3 espaços. Temos a mãe que narra a morte de um filho em uma carta e é ela narradora e personagem, temos quem a recebe que é ele narrador presente, receptor e personagem passado. O tempo em Zweig perde suas amarras e cria suas próprias configurações. Em uma prosa que por vezes me relembrou Poe e Lovecraft com seus estilos de recontarem melancolicamente as experiências que tiveram.
Em "História Narrada Ao Crepúsculo" me lembrei de Machado de Assis e seu conto sobre a escuridão que descendo sobre a terra empata ao mesmo tempo que permite que histórias sejam vividas e contadas. Na novela que intitula o livro não pude evitar de ver Dorian com sua beleza angelical loira e pura sendo corrompida aos poucos pelo meio. Sendo no fim, um livro sobre memórias evocando outras, sobre perdas de amor, de inocência, da noção de verdade e consciência da finitude através de vozes plurais. Sejam por crianças que descobrem o segredo das relações adultas e suas mentiras e traições, a idosos que guardam consigo seus pecados e peripécias.
Ademais conheci o Zweig através do seu último livro, publicado postumamente, o encontrei após o seu findar e há um ponto irreversível e triste ao conhecer algo pelo seu fim, porque todo o antes vira inexoravelmente depois, tornando impossível não notar o quão perturbado era o autor desde muito tempo. O livro traz consigo do começo ao fim o cheiro da devastação e desamparo, da desesperança. Sendo no final ele mesmo uma história contada, a narrativa de um homem que passou uma vida inteira matando ou salvando personagens para não se matar e não conseguindo.