de Paula 18/09/2021
Quebra de paradigma e realidade brasileira
Essa é uma peça de teatro forte, impactante e importante, que nos leva a pensar criticamente sobre como funciona a nossa sociedade, principalmente como pessoas com mau caráter conseguem manipular as massas e o quanto as pessoas se deixam levar com a destruição da reputação de outra pelo prazer da fofoca. Além disso, é transgressora porque traz o verdadeiro processo da imprensa marrom, da polícia ditatorial e fala sobre homossexualidade, mesmo que não seja a forma mais adequada de trabalhar o tema, mas foi uma importante obra para fazer a diferença.
Antes da história começar ocorre o evento que a permeia: um homem é atropelado enquanto aguarda o sinal fechar para atravessar a rua, caído no meio fio ele pede para o homem que se aproxima que lhe dê um beijo. O cara não pensa duas vezes antes de dar um beijo na boca do atropelado, que morre no processo. A partir disso um jornalista oportunista se aproveita do evento e com a ajuda da polícia dos anos 1960 - pré ditadura, condena o homem a uma série de depoimentos constrangedores, matérias mentirosas e sensacionalistas, assim como destrói seu casamento e termina com o fim que imaginamos ser o mais adequado ao nível de injustiça que o protagonista é submetido.
Existem coisas muito pesadas que envolvem o psicológico dos personagens, que chegam ao ponto de duvidar do que de fato aconteceu, duvidar de si próprios e dos seus relacionamentos. Além disso, a hipocrisia dos nossos tempos é refletida nos homofóbicos, que nem chega a ser o caso, onde alguns dos que querem o mal da comunidade LGBTQIA+ na realidade o querem por não aceitarem quem são.
A história me lembrou um pouco a de Macabéa, de A hora da estrela. É a realidade do povo brasileiro que sofre com o abuso de autoridade, mentalidade de manada e fake news. Num dos textos de apoio da edição conta com uma citação do próprio Nelson Rodrigues sobre os idiotas, que descobriram que existem aos milhares e se empoderaram disso, destruindo tudo o que veem pela frente.
Ótima leitura e uma grande oportunidade a pensar o que nos importa, às vezes o mais importante que faremos na vida é dar um beijo na boca de um homem morrendo e isso não tira a beleza e autruísmo do ato. Brilhante!