Coisas de Mineira 08/02/2021
Trocas Macabras era um daqueles livros do autor norte-americano Stephen King, que estava quase que impossível de se encontrar para ler. Considerado um dos seus livros “raros” no Brasil, a edição publicada pela extinta editora Francisco Alves, data do ano de 1991. Dessa forma, àqueles que possuem essa obra e estão dispostos a negociá-la, usualmente fazem proveito da necessidade dos fãs em completar sua coleção, e praticam preços beirando o absurdo. No entanto, essa é uma opinião mais que pessoal…
Falando por mim, fiquei na doce espera da editora Suma cumprir o prometido: logo viria o lançamento de Trocas Macabras pelo selo Biblioteca Stephen King. “Bendita sois vós entre as editoras…” o livro saiu! Essa republicação era uma das mais desejadas entre os fãs. E mesmo eu estando gravidíssima pela terceira vez, enjoada até não ter mais aonde, e com o ritmo de leitura tendendo a zero, eu me arrisquei!
Logo que recebi essa obra-prima, comecei a me dedicar à leitura. Foi uma experiência sensacional. E estou aqui hoje para falar um pouco sobre Castle Rock, referências, “coisas necessárias”, Artigos Indispensáveis, enfim, sobre Trocas Macabras. Espero que consigam aproveitar um pouco do que senti lendo esse livro. Mas, principalmente, que eu consiga expressar tudo que essa obra representou para mim. Vamos lá!
“Todo mundo ama ter uma coisa por nada… mesmo que custe tudo.”
Antes de tudo, Castle Rock já é uma cidade (fictícia) conhecida por nós, que somos leitores fiéis, por outras diversas histórias. Lembra-se de cachorro São Bernardo, que após contrair raiva, ataca feroz e mortalmente alguns dos moradores de Castle? Esse é Cujo. Você também pode se lembrar de quatro jovenzinhos, que resolvem desbravar uma floresta para encontrar um corpo de um outro garoto? Esse é o conto O Corpo, que está no livro Quatro Estações, e também acontece em Castle.
À primeira vista, eu poderia passar essa resenha falando sobre referências. Mas, não é o meu propósito. Só afirmo que elas são inúmeras. Por exemplo, nas primeiras páginas você poderá perceber citações a respeito de A Zona Morta, A Metade Sombria, O Cão da Polaroid (último conto do livro “raro” Depois da Meia-Noite), a prisão de Shawshank, Cujo e O Corpo, como já me referi anteriormente. Você irá reparar diversas referências até o fim dos acontecimentos em Trocas Macabras. Já falei sobre como isso é espetacular? Pois é!
“O sorriso era contagiante. Brian gostou instantaneamente do proprietário da Artigos Indispensáveis.”
Assim, apresento a você Leland Gaunt. Ele é um novo negociador que está chegando à cidade, com uma loja que vende algumas coisas necessárias. Objetos que são essenciais para aqueles que o adquirem. O nome dessa nova loja que desperta a curiosidade dos moradores de Rock é Artigos Indispensáveis, e já vem chegando com a promessa de mexer com os cidadãos daquela cidadezinha do Maine. Eles não faziam ideia do quanto!
Após muito interesse dos moradores a respeito do que trataria tal loja, o senhor Gaunt começa a atender o público. Os itens nunca têm seu valor exibido, porém os preços são razoáveis, e você dificilmente não fechará um negócio com o homem. Quando a pessoa encontra o objeto de sua (futura) obsessão, ela aceita o valor acordado com o dono da Artigos Indispensáveis. Contudo, assomado a esse valor, o senhor Gaunt sempre pede um algo a mais, uma pequena peça que será pregada em algum outro morador da cidade. Coisa boba! Sem importância…
O primeiro comprador foi Brian, um menino de 11 anos que coleciona cards de beisebol. Quando menos nos damos conta, grande parte da população de Castle já foi até a loja e encontrou um objeto de seu total apreço. Dessa forma, cada história vai sendo entrelaçada, sem que os compradores pudessem perceber. Mas, o senhor Gaunt sabia exatamente o que estava fazendo. E se regozijava em ver como estava sendo bem-sucedido em seu empreendimento nessa nova cidade.
“… o que muitas decisões ruins têm em comum: pareceu uma boa ideia na hora.”
Alan Pangborn (você deve se lembrar dele lá em A Metade Sombria, não?) é o xerife de Castle. Ele fica prometendo a si mesmo uma visita à Artigos Indispensáveis, coisa que nunca acontece. Movido por outros diversos acontecimentos, Alan nunca conseguiu entrar na loja, e sequer se encontrar com o misterioso Leland Gaunt. Entretanto, tem ouvido falar demais no homem e em seus artigos exclusivos por vários moradores, inclusive sua namorada, Polly Chalmers.
Você irá perceber o quanto cada artigo é exatamente do tamanho da necessidade e/ou do desejo daquele comprador específico. Também perceberá logo como tal objeto vira tamanha obsessão, a ponto do comprador não se importar com mais nada, e passa a ter sentimentos de perseguição, de medo, de sensação de perda… em suma, a compra se torna infinitamente mais importante que qualquer outra coisa.
O preço pago é sempre uma bagatela. Apesar disso, o comprador se sente sempre em dívida com o senhor Gaunt, cumprindo assim as tais “pegadinhas” que o dono da loja solicitou. Ah, essas solicitações do senhor Gaunt podem ser via sonhos, telepaticamente, ou até em outras visitas à sua loja. O homem não descansa. Ele tem tudo sob controle e sabe exatamente o que cada cliente seu está fazendo, e se já cumpriu sua parte do acordo. Ele não dormita e não te deixa em paz até que sua parte do acordo esteja ok. O senhor Gaunt SEMPRE SABE.
“… muitos segredos – na verdade todos os segredos importantes – não podem ser compartilhados.”
Trocas Macabras era para ser a última história escrita sobre Castle Rock conforme informações, e em certo ponto da narrativa a gente realmente acredita nisso! King nos envolve em uma trama desesperadora, cheia de desafios, de embates, lutas, muita violência, mortes e confrontos. Depois que todo desespero toma conta daquela cidade, daquela população, percebemos que são pouquíssimos aqueles que não estão sobre a influência de um item adquirido na Artigos Indispensáveis. Podemos fazer algum tipo de reflexão, no fim das contas, a respeito de ter, de possuir. De percebermos se nós possuímos algo, ou se é esse algo que nos possui.
Se atente bem aos nossos protagonistas, Alan e Polly. Ambos com marcas profundos e dolorosas. Mortes e tristezas são impressas em suas almas – e o assunto] “alma” é importante nessa obra. Hoje, eles se amam e tentam se cuidar, porém, definitivamente, são dois protagonistas “quebrados”, imperfeitos, os quais não podemos imaginar se serão influenciados pelo “poder” de Leland Gaunt, ou se serão a redenção da cidade. Só precisamos descobrir se Gaunt tem razão quando diz que tudo e todos têm um preço.
Por fim, basta refletirmos se nossa paz, ou mesmo nossa sanidade, está em jogo ao negociar um objeto com o atemporal Leland Gaunt em sua loja de Artigos Indispensáveis. O preço é sim negociável, todavia você não termina de pagar sua dívida até que o senhor Gaunt tenha dito que está pago. King, mestre na arte de apavorar seus leitores com realidades nuas e cruas, nos deixa assombrados com esse romance que fica ecoando em nossa mente após as páginas terem terminado. Te desejo sorte. Faça uma boa leitura, pois essa belezinha merece nada menos do que 5 estrelas.
“A humanidade! Tão nobre! Tão disposta a sacrificar o outro!”
Por: Carol Nery
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