Aegla.Benevides 23/12/2021Ficção e realidadeVocê já leu um livro e agradeceu aos céus por aquilo tudo ser apenas ficção? No caso de Noite em Caracas, não é algo que possa ser feito: ficção e realidade se misturam ao longo das páginas, com um enredo criado e incrementado para incomodar.
Adelaida Falcón, a personagem principal, inicia o livro enterrando sua mãe recém-falecida. Em meio à enorme crise no país, faltam suprimentos, remédios, comida e, com a morte da mãe, faltam também os laços que permitem a protagonista manter-se firme nessa vida. A única coisa que resta para ela é o apartamento, outrora ocupado pelas duas, e os seus pertences dentro dele. No entanto, logo isso também é tirado de Adelaida: um grupo paramilitar de mulheres invade seu imóvel e a impede de retirar até seus documentos de lá.
Sem saber para onde ir, a protagonista vai buscar ajuda no seu prédio e, ao procurar por uma das vizinhas, descobre que ela está morta. No apartamento, encontra a esperança: documentos de cidadania espanhola que permitiriam sua saída do país. Num dilema pessoal e ético, Adelaida precisa escolher entre permanecer no caos de Caracas ou tomar para si uma nova identidade, fugindo o mais rápido possível dali.
Em diversas cenas, precisei parar a leitura e pensar por alguns minutos se aquilo era a parte ficcional ou se era realidade pura. Muitos acontecimentos do livro beiram o absurdo, mas colaboram para uma visão desconstruída do enredo e reforçam a veracidade de uma decadente época na Venezuela. Unindo contextualização histórica, uma realidade sofrida e a potência de protagonistas femininas, é um livro ideal para quem deseja sair um pouco da zona de conforto literária.