Dri 22/05/2022
Surpreendente
Em meio a uma guerra civil na Venezuela, morre a mãe de Adelaida Falcon. Entre idas e vindas, apuros diversos, preços exorbitantes, excacez de alimento, crises de identidade, seu único refúgio é invadido e violentado. Sem saber o que fazer, em pleno desespero, ela vê na morte alheia uma forma de recomeço.
A autora tem uma linguagem narrativa bem contemporânea, mas não segue uma linha fixa por todo o livro. Misto de drama com vislumbres de ficção-histórica, transcorre com toques poéticos, que lembram outros autores do gênero, e demonstra influência da própria jornada da autora. Por outro lado, tem trechos absolutamente secos, tratando com naturalidade, que parece até indiferença, de quem se habituou a crueldade.
Este foi seu primeiro livro publicado, já traduzido em diversos países, e fica com a sensação de inacabado. Vejo duas hipóteses: parar a história onde ela parou realmente, ou discorrer melhor sobre o que houve com Aurora, dando fruto a, pelo menos, o dobro de páginas, acredito que ela tenha escolhido, o que atendia mais a proposta desejada.
Enxergo alguns anseios da protagonista, que podem tornar possíveis o ocorrido, mais próximo da realidade. Já outras sensações, são mais superficiais, imaturas ou só duras, frias, ao ver de uma brasileira.
A culpa de quem fica, de quem sobrevive; a inércia que coexiste com o furor, de tentar encontrar uma saída, diante da soma de fatores tão perturbadores, da destruição do país, da perda do seu suporte, da sua liberdade, do seu trabalho, do seu lar.
O caminho escolhido pela protagonista, no desfecho, parece, e muito, a realidade de uma vontade inconsciente de pertencer, de ter o seio familiar que referia não sentir falta, e uma fuga do desastre que se tornou a própria existência.
Finalizo o livro com o desejo de querer saber mais sobre essas mulheres e suas histórias, com a perspectiva de livros promissores no futuro. Acredito que a tendência seja um aprimoramento que me faça querer ler cada vez mais outras obras dela.
A realidade, a angústia do que aconteceu na Venezuela, não teria como ser escrito com tal afetividade, se fosse por alguém, de fato, indiferente a ela.