A Pedra do Reino

A Pedra do Reino Ariano Suassuna




Resenhas - Romance d´A Pedra do Reino e o Príncipe do Sangue do Vai-e-Volta


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Glauber 04/05/2020

Obra-prima do Sertão e do Brasil
Obra-prima do grande Ariano Suassuna. Conta a história de um sertanejo em sua saga para herdar o Reino do Sertão e do Brasil. E isso nos leva a cruzamentos fantásticos entre o real e o imaginário, do passado e do presente, do regional e suas ascendências tanto no país, quanto fora. O Sertão é o mundo.

Aliás, é muito massa quando ele fica comparando a cultura sertaneja com culturas estrangeiras, até canônicas, como a grega, com fanfarronice, inclusive com aplicações de e inversões de pontos de vista originais.

A imagem do protagonista querendo se tornar rei me fez lembrar de uma entrevista em que o autor reflete sobre a valorização da cultura pelo sertanejo pobre, ainda que venha a gastar o que não tem por "um pouco" de orgulho próprio.

O livro é expressão de um povo sofrido de forma "sonhosa". É mais do que o próprio enredo, pois mistura poesia, religiosidade, história, sociologia, pesquisa, imaginação e o amor contido no estilo vigoroso do escritor.

Sou fã de livros com cenários nordestinos. E esse, além de trazer as imagens já conhecidas em outras obras afins, vai além, e expressa o universo sertanejo quase como tese, racional e passional, pois tem muito de estudo, leitura, mas também muito de memória afetiva, nessa obra mágica que Suassuna nos presenteia.

Valeu a pena. Requer fôlego. Vou guardar mais para em outro momento pegar o "Romance de dom Pantero no palco dos pecadores", última obra sua, chamada por ele de "obra de minha vida".

Acho fantástico o valor que ele extrai e impregna no Sertão, bem como sua valorização de obras do erudito ao popular, deixando tanta referência pelo caminho, que já iniciei, enquanto lia esse, a leitura de uma biografia do controverso Padre Cícero.
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Luiz.Antonio 05/04/2020

Livro nordestinamente necessário
O Romance d'A Pedra do Reino é um livro denso... Um livro que retrata o misticismo, a cultura e força do povo nordestino.

Sua leitura é, em parte, leve como o litoral, em outras partes, seca como o Sertão. Não se deve esperar uma narrativa retilínea. O Romance se desenvolve em zigue-zague.

Narrando as desventuras do Dom Pedro Diniz Quaderna, desde seus antepassados até sua existência atual, vai traçando um pouco do que é ser Nordestinho: um povo lutador.

A vida da gente do nordeste - e principalmente da Paraíba - está ali retratada com todos os seus infortúnio, sonhos e lutas.

Uma grande obra.
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Rafael.Honorato 14/03/2020

Romance epopéico do grande gênio da humanidade?
Esse é um livro dos mais engraçados que já li e quem já assistiu o auto da compadecida pode ter uma ideia do estilo da história que irá encontrar no romance da pedra do reino. O autor é magnífico ao introduzir o estilo da fala regionalizada nordestina, durante a leitura pude imaginar as vozes exatamente com os sotaques e o jeitos de fala nordestina dos personagens, coisa que nunca me aconteceu de maneira parecida com outras leituras. O livro apresenta a história de um jovem sonhador de linhagem fidalga, entusiasta das histórias de sua genealogia, Dinis Quaderna, com seu jeito afrontoso e perspicaz, traça um plano de não só recuperar a coroa monárquica, mas também tornar-se através de sua erudição, leitura e escrita o maior gênio da raça humana. Os personagens que compartilham a história com Diniz são extremamente engraçados e as situações e causos que aparecem ao longo do livro são de fazer pausar a leitura pra rir. O livro que foi escrito na década de 70 também apresenta ali uma disputa muito mais que atual, entre os amigos de Quaderna: Samuel e Clemente, onde debatem e discutem filosoficamente, cada qual sob sua preferência política, sendo um de esquerda e outro de direita, quais é o melhor modelo, sempre defendendo sua posição e atacando a do outro. Me surpreendi ao perceber que os diálogos ali poderiam muito bem estar sendo reproduzidos diariamente no Brasil de 2020, é interessante como o livro mostra as origens de algumas discussões que percebemos na sociedade atual, mostrando como algumas questões foram iniciadas no Brasil e como alguns nomes da política ainda são recorrentes 50 anos depois de sua escrita. Quaderna consegue prender a atenção de um corregedor em um momento da história que está em depoimento, com longas descrições que percorre diversos capítulos do livro, Diniz descreve detalhadamente seus planos de monarquia, e apresenta sua seita e modelo religioso, que será publicado entre uma história que pretende lançar em um livro epopéico que almeja ele que eleve-o a posição mais alta que os maiores escritores da história, tais como Homero e o consagrado Machado de Assis. Dessa forma pude eu ficar preso na leitura por suas 700 e tantas páginas, doido pra saber o que viria a seguir. Ao termino do último capítulo senti raiva, ri, me indignei e aplaudi, entre sorrisos a maneira como se deu o desfecho da história, sem saber dizer exatamente se concluo realmente se o carismático Quaderna conseguido ou não atingir seu objetivo de vida, e isso é o que faz o livro ser tão incrível. Vem ler essa epopéia nordestina e brasileiresca do maravilhoso Suassuna, vem!!!
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Letuza 16/02/2020

Epopeico
Suassuna é simplesmente espetacular. Esse livro narra a epopeia que é a vida de Quaderna. Um homem simplório que vive no sertão paraibano, mas acha que vive em um reino. Acredita ser predestinado a recuperar a nobreza de sua família e para isso vive as mais improváveis aventuras ao lado de seus dois fiéis companheiros, Samuel e Clemente. A história toda gira em torno de um mistério sobre o rapaz do cavalo branco e Diniz Quaderna está envolvi no mistério. As histórias ?aventurosas e epopeicas? de Quaderna são divertidíssimas e o herói é chamado de Dom Quixote brasileiro. Duas passagens inesquecíveis, a luta de Clemente e Samuel usando penicos como armas e a captura de uma onça que foi parar embaixo da cama de uma senhora. É de rir sozinho...
É um livro longo, mas gostoso demais de ler!
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Hercules 11/12/2019

Obra prima!
Sem sombra de dúvidas este é o melhor livro que já li. Ariano Suassuna já é meu escritor favorito, esta obra é completa! Aventura, violência, romance, humor, tudo na medida certa e a ambientação no sertão do nordeste, minhas raízes. Um livro absolutamente obrigatório!
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Barbhara 27/10/2019

Trata-se de um romance de Ariano Suassuna publicado em 1971, mas poderia ser um Dom Quixote de Taperoá. A história é narrada pelo protagonista Dom Pedro Dinis Ferreira Quaderna, uma homenagem à cultura sertanejo-nordestina. Romance epopeico, metade de mítica-sertanejo e metade erudita. A trama contada por Quaderna é montada como uma defesa após a sua prisão, e somos apresentados à sua “família-real”, os legítimos reis brasileiros, "cabras" da Pedra do Reino - sem relação com os "imperadores estrangeiros e falsificados da Casa de Bragança". Parece literatura de cordel. É literatura aos montes – romance, poema e folhetim. Grande Ariano Suassuna.
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Thais.Cardoso 01/09/2019

Uma odisseia no sertão
Nesta obra de Ariano, podemos nos sentir em um vai-e-volta como o próprio título nos apresenta. Quaderna, tal qual Dom Quixote, apresenta seu mundo de tal forma que não sabemos o que é loucura e o que não é.
Os fatos reais, locais reais, usados por Ariano, trança realidade e ficção dignos de epopéia.
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Elaine.Machado 25/06/2019

Carlos Drummond de Andrade definiu este livro de Ariano Suassuna como uma explosão literária. Ele não estava exagerando. Um livro recheado de símbolos e significados que desvendam a cultura brasileira nas suas singularidades.
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Wagner 14/01/2019

O ROMANCE DO CASTELO

(...) A perversão sexual é uma forma de revolta ! É verdade que um tanto inconsequente, como também é inconsequente a revolta do Cangaceiro! Mas de qualquer maneira tanto o Cangaceiro quanto o Homossexual são, no fundo, dois agentes da revolução ! (...)

in: SUASSUNA, Ariano. Romance d'A Pedra do Reino e o Principedo Sangue do Vai e Volta. Rio de Janeir: José Olympio, 1971. pg 149
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17/11/2018

A Pedra do Reino e o Príncipe do Sangue do Vai-e-Volta foi a leitura do mês de julho para o projeto 12 Clássicos Nacionais para 2018, projeto criado por Trisha do canal Reticências Blog.

leia mais no blog...
beijinhos

site: https://adeliadanielablog.blogspot.com/2018/11/a-pedra-do-reino-e-o-principe-do-sangue.html
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franrompk 11/08/2018

Uma obra de arte eterna
O Romance d’A Pedra do Reino é a Esfinge que nos ameaça com seu decifra-me ou te devoro. É Esfinge porque é um todo plural, é ameaçadora porque é enigma, é desafio que incomoda, que não deixa dormir. Foge de classificação como Dom Pedro Dinis Quaderna foge de uma cavalgada, mas assim como ele, até a enfrenta quando necessário, não sem algum desconforto. Mas a vida é assim, inclassificável, é épica, é lírica, é dramática, exige jogo de cintura, exige que sejamos um misto de poeta de cavalgação e reinaço, poeta de sangue, poeta de ciência, poeta de pacto, de estradas e encruzilhadas, poeta de memória e poeta de planeta.
Seu percurso até tem começo estabelecido e fim estabelecido, mas falta um pedaço, algumas pecinhas para que a gente possa entender tudo. Mas o que importa não é resolver o mistério, isso é se ele é mesmo resolvível. Por mais lugar-comum que possa parecer, o importante é o percurso, é o que se constrói. E nosso amigo Quaderna, que jura de pés juntos que somos belas damas e nobres senhores, é mais que herói ou anti-herói. Ele é, em certo sentido, um Sísifo que se deparou com o vazio e com sua condição insignificante de piolho dessa nossa raça ascosa e que escolheu um caminho montanha acima em que tudo é sonhoso, heroico e medalhado. Bovarismo? Quixotismo? O que importa? Como carregar a pedra de outra forma?
Roland Barthes em seu Crítica e Verdade fala das obras eternas. Diz que elas perduram não porque impõem um sentido único a leitores diferentes, mas porque sugerem sentidos diferentes a um leitor único que “fala sempre a mesma língua simbólica através dos tempos múltiplos.”
Pois bem. Com o perdão do trocadilho, não poderia concluir de outra forma. A Pedra do Reino propõe e o seu leitor dispõe. É uma obra de arte eterna. Linda, perigosa, brutal e salvadora. Seu enigma é diferente para cada um de nós, mas não há escapatória. Ela nos devora e nos devolve outros.

*Especial atenção para a beleza dos poemas "palimpsestos", sensivelmente para o de A. Azevedo.
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Érika 03/02/2018

Épico, sem dúvida, mas um pouco irritante
Já faz um mês que eu concluí a leitura deste livro, um mês que eu tento escrever sobre ele, sem sucesso. Hoje faço mais uma tentativa; esperamos que eu consiga condensar minhas impressões sobre essa obra quase digna de Dostoiévski, em tamanho e conteúdo.

Ressalto que esse "quase" não provém de uma preferência intrínseca pelos autores estrangeiros em detrimento dos nacionais, embora minha queda pelos russos seja grande. Durante a leitura do livro, quando pensava em escrever uma resenha dele, estava pronta a tratar o "Romance d'A Pedra do Reino" como uma obra digna das de Dostoiévski, já que ele tinha tudo que se encontra nos gigantescos romances do famoso realista: crime, diálogos profundos, personagens bem desenvolvidos, certa ironia na observação dos comportamentos humanos, um protagonista longe de ser perfeito, alternância de cenas meditativas com as cômicas e com as dolorosas, que retratam em sua crueza os sofrimentos e as maldades.

No final, porém, Ariano Suassuna nos prega uma peça tão grande — daquelas que a gente antevê, mas não quer acreditar — que eu fiquei um pouco desapontada e decidi classificar o livro como uma espécie de híbrido de Dostoiévski com Lemony Snicket (que eu aprecio bastante, também, mas certos hábitos dele me irritam).

Acho que foi essa irritação e a leve sensação de ter sido enganada que me fizeram adiar a redação desta resenha.

Mas tudo em sua ordem. A edição que eu li era esta aqui, com prefácio da Rachel de Queiroz, que eu não entendi um pouco direito, graças à riqueza de referências à história em si, e só fui compreender (e concordar em muitas partes) depois da leitura completa.
Além do prefácio, antes do livro em si há um artigo analítico cujo autor eu não me lembro, mas que tem uma citação muito interessante de Alberto Moravia, segundo o qual "em todo escritor que tenha um conjunto de trabalhos que revele o seu esforço, a gente encontrará temas que se repetem." Eu sou uma leitora repetitiva, quando me apego a um autor, vou devorando aos pouquinhos toda a obra dele, então posso atestar pela observação a veracidade dessa frase. Ela também se aplica ao Ariano Suassuna, e, como ressaltou a prefaciadora, o Romance d'A Pedra do Reino, o livro todo, e não o seu protagonista, é uma imagem e condensação do autor. Neste livro o leitor encontra tanto o drama de A Mulher Vestida de Sol, quanto o tema religioso, a comédia, e o personagem espertalhão, como em O Auto da Compadecida. De fato, a ambientação da história é em Taperoá também, e o próprio João Grilo, herói do Auto da Compadecida, faz aparições discretas duas vezes no livro.

Sobretudo, no Romance há o Sertão e há os folhetos — os próprios capítulos do livro são denominados folhetos — e toda a atmosfera heráldica e nobiliárquica, de uma nobreza bem local, que caracteriza o Movimento Armorial a que Suassuna com orgulho se filiava.

Meu primeiro encontro com o Romance d'A Pedra do Reino, tirando as vezes em que eu passava por ele na biblioteca e pensava "Que livro grandão!", foi numa prova de concurso público. O texto para interpretação na prova de português era o Folheto que inaugura o livro, e o achei muito bem escrito e intrigante. Confesso que namorei esse livro muitas vezes na biblioteca, com mais afinco depois desse episódio, mas não tinha coragem de iniciá-lo. No fim do ano passado, aproveitei umas duas-três semanas que permaneci sem computador para devorar o livro.

Para minha felicidade, a história acontece justamente no nordeste, na década de 1930, grande parte entre 1935–38, então ainda me serviu como material de pesquisa para o meu romance histórico , já que estou escrevendo justamente uma parte que se passa no nordeste em 1935, no período que cercou a Intentona Comunista. Em Romance d'A Pedra do Reino não há uma retratação desses acontecimentos, mas o nome de Luís Carlos Prestes e toda a tensão em torno do comunismo que existia na época é ventilada ocasionalmente no livro, inclusive nas cenas cômicas, como o diálogo a seguir, entre um senhor e uma mulher da ala conservadora da Vila de Taperoá:

A senhora fala assim, mas é porque ainda está pensando nos cachorros sertanejos do nosso tempo, uns cachorros mais educados e respeitosos do que esses cachorros perdidos, de hoje! Tudo, agora, é um fim de mundo, minha senhora Dona Carmem, e os cachorros de hoje em dia não respeitam mais ninguém, são, todos, influenciados pelo comunismo! A senhora não se admire mais de nada, porque, do jeito que as coisas vão, daqui a pouco até os cachorros sertanejos menos conceituados vão andar por aqui no maior dos atrevimentos! Se ainda fosse um cachorro de respeito, um cachorro civilizado, como os da Alemanha, ainda ia! Mas um cachorro reles desses, um cachorro qualquer, de pé-de-serra, sentir-se no direito de se escanchar nas cadeiras das senhoras, aí não, é demais!

O livro começa com o narrador-protagonista Dom Pedro Dinis Ferreira-Quaderna se apresentando com uma dezena de títulos, dentre eles a de genuíno monarca do Brasil, e, em estilo empolado, nos propondo uma série de situações enigmáticas que promete explicar ao longo da narrativa, a saber: o motivo da sua prisão, o assassinato de seu tio, ocorrido naquela mesma torre em 1930, o desaparecimento de seu primo, Sinésio, e as desventuras do Rapaz do Cavalo Branco.

É a chegada deste Rapaz do Cavalo Branco à vila de Taperoá — ou antes, os eventos que precedem essa chegada — que inauguram a ação do livro, no Folheto II. O viés armorial se apresenta ali com toda a sua força, e o empolamento da narrativa de Dinis alcança tamanho vigor, falando de cavaleiros e bandeiras e brasões que chega a entediar. A cavalgada, porém, é interrompida bruscamente por uma emboscada promovida por um grupo de cangaceiros — o que me espantou um tanto, já que eu pensava que o grupo já se compunha de cangaceiros enfeitados verbalmente por Dinis— que tem um desfecho sangrento. Com esse episódio, o autor e o narrador nos alertam para não esperar só desfiles e nobrezas do que vem adiante, mas também certa crueza na sequência dos acontecimentos.

O livro tem por volta de 750 páginas grandes, e descrever ciclo por ciclo e folheto por folheto a ação que vai-e-volta (como o príncipe do título) entre 1930, 1935 e 1938 transformaria esta resenha em outro livro, embora menorzinho. Então vamos tentar resumir.

Ao longo da Parte I (Prelúdio: A Pedra do Reino), Dinis congela a história dos visitantes da Vila de Taperoá e passa a nos explicar porque atribuiu a si mesmo o título de Rei, lá no início, nos conta a história de seus antepassados, que reinaram na Pedra do Reino (os incidentes a que ele alude podem ter se originado em incidentes reais do Século XIX no Sertão, como se entrevê pelas epígrafes do livro), e depois explica como ele mesmo se coroou Rei, resgatando a nobreza de sua linhagem.

Apesar de querer o título, porém, ele não deseja ter o mesmo fim de seus antepassados: admira toda a atmosfera violenta que os cerca, e o próprio fato de terem sido mortos em banhos de sangue, mas admite ser, ele mesmo, covarde e sem muitos talentos viris. Assim, pretende construir seu próprio legado de outra maneira, o que nos leva à parte II.

Na Parte II (Chamada: Os Emparedados), Dinis nos apresenta um pouco mais de sua formação, a saber, de sua formação intelectual, curiosamente equilibrada entre Esquerda e Direita, representadas em seus posicionamentos, respectivamente, nas pessoas do Professor Clemente Hará e do Doutor Samuel Wandernes. Clemente é negro, adotado por um padre, que lhe deu educação, advogado, comunista, ateu, realista, nativista, e afeito às escritas teóricas. Dinis cita algumas de suas ideias ao explicar, em outro momento do livro, porque se considera "monarquista de Esquerda":

Ora, segundo Clemente, as pessoas da História brasileira e sertaneja que fazem essas coisas, são sempre da Esquerda e do Povo! A Direita das cidades, a "Burguesia urbana" (para usar a expressão do genial Epaminondas Câmara), o que quer é viver tranquilamente, roubando, na vida pacata e ordeira de quem já está bem instalado e só deseja mesmo é ordem pra poder furtar mais à vontade.

Samuel, por sua vez, é descendente dos nobres de engenho pernambucanos, loiro de olho azul, posteriormente Promotor de Justiça, integralista, católico, romântico-medievalista, fanático pelas origens ibéricas do Brasil e apegado à poesia. Os dois foram professores de Dinis (e seus irmãos e primos), e, até a idade adulta, exercem grande influência sobre o narrador que, em tudo, se define como um meio termo entre os dois, que são amigos e comensais de Quaderna, ao mesmo tempo em que o tratam com desprezo e condescendência.

Essa feição de Pedro Quaderna como meio-termo dos seus dois professores foi muito bem trabalhada pelo autor até os mínimos detalhes (talvez até o exagero), como o fato de ele ser do signo de gêmeos, associado, pelo pouco que eu sei desse assunto, a uma dubiedade até traiçoeira. Em qualquer caso, a formação eclética e indecisa mesmo de Quaderna aparece em todos os seus atos. Ele ora concorda com um dos professores, ora com outro, e com mais frequência com nenhum deles, propondo sua própria e terceira via, que geralmente mescla características das ideologias de ambos os professores — como vem fazendo desde o início do romance.

Não sei se essa era a intenção do autor, mas ficou a impressão de que Dinis reflete, nessa sua composição híbrida, o povo brasileiro. Clemente representa a origem negra e indígena (o "oncismo" negro-tapuia, como ele gosta de dizer), enquanto Samuel reflete a parte europeia da origem do Brasil. Dinis aparece entre os dois, e seu sentimento por eles é interessante: um misto de respeito, admiração, e também desprezo, tanto por sustentá-los, por ver as hipocrisias de cada um, por irritar-se secretamente com o modo como o tratam e, acima de tudo, por acreditar-se superior a eles.

De fato, ele acredita ser o Gênio da Raça brasileira, e também o Gênio da Humanidade.

Toda essa parte, que nos apresenta ricas discussões filosóficas, existe para explicar como Dinis resolveu o dilema de ser rei sendo covarde: citando uns quantos folhetinistas, ele chegou à conclusão de que o que um rei precisa para ser rei é de um Castelo, e de esse Castelo não precisa ser, necessariamente, um castelo físico. A obra-prima de uma pessoa é, também, um castelo — e eis como ele decide que vai construir um castelo em forma de romance.

Qual romance? Este que temos em mãos, que conjuga em si poesia, excertos de obras de outros, tem um crime insolúvel, uma história de amor trágica, citações de outros 'grandes' escritores, e todos os outros elementos que ele colhe das conversas com seus professores que seriam necessários para compor a Obra Máxima da Humanidade.

Na Parte III (Galope: Os Três Irmãos Sertanejos), o narrador ensaia retornar à ação do livro, em 1938, ao começo do processo que levou à sua prisão, e nós retornamos com ele.

Entre visões (visagens, como ele chama), conversas e outros episódios bizarros, como um duelo com penicos, ficamos sabendo um pouco mais sobre Dinis. Se até então tínhamos guardado sobre ele a impressão de uma pessoa menor ou fragilizada entre outros mais poderosos, impressão levemente manchada por insinuações e segredos escapados aqui e ali, na terceira parte vamos descobrir que, ao contrário, Pedro Dinis é uma pessoa um tanto quanto influente — para não dizer poderosa — na Vila de Taperoá. A mão dele parece estar em todos os negócios que acontecem na cidade, desde os nobres até os escusos, desde o encargo da biblioteca, o funcionamento de um jornal, a organização das Cavalhadas na festa do Divino Espírito Santo, até a manutenção de uma casa de prostituição.
Uma das cenas mais dostoievskianas do livro é a conversa de Quaderna com Pedro Beato, um velho com cuja esposa, Maria Safira, Quaderna vive amigado. É o momento do livro em que vemos o narrador mais exposto; provavelmente esse beato é a única pessoa que o protagonista respeita de verdade. Diante dele, em especial diante da ausência de ódio por parte dele, Quaderna enxerga todos os seus erros e faltas e fragilidades, e é uma das únicas vezes em que o vemos manifestar alguma dose de humildade. Abalado pela conversa com Pedro Beato e por uma anterior visão da Moça Caetana — uma prefiguração sertaneja da Morte — , Quaderna sai para uma volta antes de ir à delegacia, aonde foi convocado para dar depoimento. Encerrando esse ciclo místico, ele encontra outra pessoa, que remete ao satânico tanto quanto Pedro Beato remetia ao divino, e que lhe mostra uma crueldade, contando-lhe histórias escabrosas de incestos e do assassinato de um bebê, cujo corpinho foi lançado no barranco do rio e agora é disputado pelos cães.

Essa história também produz forte impressão sobre Quaderna, e, quando ele sai dali, tem-se a forte impressão de que ele foi chamado a um momento de decisão; seus possíveis caminhos foram colocados diante dele — para o céu, com o arrependimento, ou para o inferno, com a continuidade de seus atos e negligências culposas — e que seu próximo ato decidirá, irreversivelmente, o caminho escolhido.

O incidente com Maria Safira na igreja deixa clara a escolha do personagem.

Em seguida Quaderna encontra o juiz e a escrivã ad hoc— moça em que ele, ocasionalmente, joga cantadas — e começa uma nova fase do livro, com o depoimento do Rei da Pedra do Reino no processo reaberto para investigar a morte misteriosa do seu tio (sim, a mencionada lá no começo), e a participação do próprio Quaderna nesses eventos.

Metade da Parte III e as Partes IV e V (Tocata: Os doidos e Fuga: A demanda do sangral) abordam um pouco mais os eventos que Quaderna prometera relatar. Ele nos explica um pouco melhor como ocorreu a morte de seu tio — e como esse tio era meio doido, e como eram complicadas suas relações familiares — e o sequestro e morte de seu primo Sinésio, O Alumiado, acontecidas no contexto da 'Revolução' de 1930, e cercada de uma atmosfera messiânica, já que a população da vila espera pelo retorno de Sinésio. Tudo junto e misturado porque, segundo os pensamentos que o autor coloca na boca de Arésio, o irmão mais velho de Sinésio (com todo o jeito de um Caim ou de um Mítia Karamazov mil vezes piorado), política e religião, entre outras coisas, são meio inseparáveis na América Latina:

Por exemplo: seus amigos são incapazes de ver que o Exército e a Igreja são, na América Latina, os únicos Partidos organizados, disciplinados e verdadeiramente existentes.

Além de figuras políticas, aparecem figuras políticas, um ou dois tesouros escondidos, uma família arquirrival envolvida com velhos aliados da família do tio, uma moça meio piradinha que promete ter papel vital e romântico e trágico... a história vai se intrincando mais e mais e nos deixando curiosos para ver como aquela teia bizarra vai se desenrolar. Ao mesmo tempo, as páginas vão diminuindo gradualmente, e uma suspeita desagradável nos inunda.

Nos atos finais da história, retornamos finalmente à cavalgada do Folheto II, sua chegada à Vila de Taperoá, e os ensaios do que promete ser uma rumorosa aventura, a qual, ao que tudo indica, contou com a participação vital de Dinis — ou até foi arquitetada nos mínimos detalhes por ele, como pensa o juiz, e confesso que eu também — e deu causa ao processo e à posterior prisão.

E então chega o final, que eu não vou contar porque seria muita sacanagem, mas que é muito Lemony Snicket. Quem leu Desventuras em Série deve ter noção do tamanho da minha irritação.

Apesar dos pesares, considero o Romance d'A Pedra do Reino e do Príncipe do Sangue do Vai-e-Volta um daqueles livros difíceis de esquecer e difíceis de absorver por completo, graças a trechos profundíssimos como este:

Por enquanto, só existem dois tipos de Governo: o dos opressores do Povo e o dos exploradores do Povo. O primeiro, é o dos Tiranos, o segundo, é o dos Comerciantes. No primeiro tipo, o Povo é submetido e esmagado em nome da grandeza, no segundo é explorado em nome da Liberdade.

E este, ambos colhidos de um dos diálogos mais profundos, quase no final do livro, entre Arésio Garcia-Barreto e o jovem comunista Adalberto Coura:

O mais que o homem verdadeiro procura, em seu conflito com o mundo, é colocar uma precária ordem em sua vida e um certo estilo em sua melancolia, em seu destino, que é, por natureza, despedaçado, triste, falhado, enigmático e trágico. Para isso, o homem tem duas fontes, duas raízes de defesa — o choro e o riso. Mas o choro e o riso verdadeiros, aqueles fincados profundamente e cujo ritmo se alimenta de sangue e de subterrâneo. Dinis Quaderna não é alegre, Adalberto. Quem passou o que ele passou e viu o que ele viu, não pode ser alegre. Os subterrâneos do sangue dele são como os meus, povoados de mortos sangrentos, que flutuam no rio da desordem. Apenas, enquanto eu resolvo meu conflito pelo choro e pelo suor do sangue e da violência, ele resolve o seu pelo riso; mas eu não sei qual o mais despedaçado, se o meu sangue ou se o riso dele!

Fragmentos do Romance vão ficar em minha mente por muito tempo. Sua natureza é, de modo geral, fragmentada mesmo. É difícil falar em enredo ou em fio da meada nesse livro. Ele é quase um álbum, uma colagem compilada pelo autor ao longo de 12 anos (1958–1971), cheia de referências, citações, intertexto, e muita, muita metalinguagem. Sobram, inclusive, as alfinetadas aos escritores, tais como esta:

Então Adalberto Coura tirou de sob o colchão da cama uma pequena brochura suja, com o título de Pensamentos sobre o estado. O livro tinha algumas indicações que fizeram Arésio sorrir, porque indicavam a extrema juventude em que ainda se achava o autor. Em primeiro lugar, na capa, anunciava-se logo que aquela era a primeira edição, indicando-se, assim, que o autor esperava tal demanda do público que logo se seguiria outra. Depois, na folha de rosto do livro, via-se escrito "Coleção Livros Eternos — 1º Volume".

É um livro sobre um livro, um livro dentro de um livro, com tanta coisa pra se pensar, meditar e rir que, a despeito do desapontamento final, e de não recomendá-lo para menores de dezoito anos, por alguns trechos escabrosos e violentos, não posso negar-lhe o título de épico.

site: https://medium.com/@rikabatista/resenha-romance-da-pedra-do-reino-e-o-pr%C3%ADncipe-do-sangue-do-vai-e-volta-d9781ad49c89
Renatinha 04/03/2018minha estante
Tenho ele guardado em casa mas ainda não comecei a ler, infelizmente!


Vinicyus B 14/08/2018minha estante
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Rafael.Said 03/08/2017

Uma epopeia brasileira
Ariano Suassuna escreve uma verdadeira epopeia do Sertão do Cariri. Tendo como personagem principal Dom Pedro Dinis Quaderna, escreve um romance, incluindo alguns trechos poéticos, que envolve várias facetas de romances consagrados: guerras, heróis, vilões, romances. O autor ressalta a importância do Brasil e a beleza e diversidade de seu povo.
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Thiago Barbosa Santos 19/06/2017

Quaderna, o Dom Quixote do sertão!
"É romance, é odisseia, é epopeia, é sátira, é apocalipse...". É assim que a escritora cearense Rachel de Queiroz define o Romance d'A Pedra do Reino, de Ariano Suassuna. E essa realmente é a melhor definição para o livro que para mim, humilde leitor, está no hall das grandes obras da nossa literatura, mesmo a história sendo mais conhecida pela adaptação para série da Rede Globo.

O livro traz como tema o movimento sebastianista, misturando ficção e realidade de uma maneira tragicômica. Dom Pedro Diniz Quaderna, protagonista, é uma espécie de fidalgo sertanejo, herdeiro da coroa da Pedra do Reino. O avô dele, João Ferreira Quaderna, o Execrável, se proclamou rei do Brasil e causou a morte de muitos fieis em nome da ressurreição de Dom Sebastião, rei de Portugal Morto na batalha de Alcácer-Quibir, no Marrocos.

Influenciado por todas essas histórias de realeza e pela cultura popular, como os romances de cavalaria da literatura de cordel e manifestações culturais a exemplo da cavalhada, Dom Pedro Diniz Quaderna cria todo um universo fantasioso e passa a sonhar com um novo reino no sertão.

Quaderna tem ares quixotescos. Possui também a ambição de escrever uma epopeia, que seria uma obra literária de tal magnitude que o tornaria gênio da raça brasileira e da humanidade. O mestre Ariano conta todas essas histórias de forma poética, trágica e ao mesmo tempo bastante irreverente.

O Auto da Compadecida consagrou o autor paraibano para o teatro. E o Romance d'A Pedra do Reino provou que ele também é um romancista admirável. No posfácio do livro, publicado em 1970, Maximiano Campos traduz com precisão essa afirmativa: "O Brasil encontra agora em Ariano Suassuna, que já era o seu maior dramaturgo, um grande romancista".
Leio, logo existo 22/07/2017minha estante
Excelente resenha. Bateu aquele desejo de ler o livro!
Ele está sendo relançado. Correr para comprar! ?




Ana Paula 11/11/2015

Uma odisséia
Uma odisséia sertaneja, sem dúvida nenhuma! A genialidade de Suassuna me provocava a cada dia de leitura. Qual será o fim dessa história? Era o que me perguntava cada dia. Mas o que menos importa neste livro é o seu desfecho. A alegria está no caminho.
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