Alessandro 01/07/2014
Se você está procurando um bom livro — tão bom quanto Duna — deveria seriamente considerar este.
Hyperion,de Dan Simmons, é o primeiro livro da série Hyperion Cantos, escrito em 1989 e vencedor do Prêmio Hugo e Locus de melhor romance em 1990.
O livro foi escrito utilizando o estilo literário em quadros (várias histórias dentro da história principal), com várias linhas de tempo e personagens.
A história principal conta como um grupo é enviado em uma peregrinação até as Time Tombs no planeta Hyperion. Cada peregrino conta sua estória, e cada uma valeria um livro à parte, de tão interessantes de genialmente conduzidas pelo autor.
Dan Simmons criou um universo ficcional muito interessante, com tecnologias fantásticas que impactam dramaticamente a vida humana. Além disso muito do mistério envolve o Shrike, um terrível anti-herói (ou monstro), e o próprio personagem principal, o Cônsul, que também um personagem enigmático e complexo.
Contexto do Universo Hyperion
O primeiro livro está situado no século 28, onde a humanidade já colonizou boa parte da galáxia. A tecnologia que possibilitou isso foi o Motor de Hawking, que possibilita viagens mais rápidas que a luz. Mas a tecnologia que realmente revolucionou a vida humana foram os farcasters, espécies de portais que permitem viagens instantâneas independentes da distância envolvida entre cerca de 250 mundos. Cada um desses mundos possui milhares, ou até mesmo milhões de conexões farcaster. Os farcasters estão reunidos em uma rede, conhecida como WorldWeb, que tornou-se a base da economia e de toda infraestrutura da humanidade. Através desses portais, além de pessoas e mercadorias, fluem dados das avançadas dataspheres, uma rede que lembra a internet pelo fato de não estar localizada em apenas um local, mas contar com inúmeros nós de rede. Os planetas pertencentes à WorldWeb são tão dependentes da interligação dos farcasters que alguns mundos sequer produzem alimentos para consumo próprio, dependendo completamente da troca interplanetária e até mesmo partes de residências podem ficar separadas em mundos diferentes, e as pessoas podem trabalhar em um mundo, e residir em outro.
Praticamente todas as Inteligências Artificiais (IA) existentes estão interligadas através dessa rede de dataspheres, criando uma entidade poderosa conhecida como TechnoCore.
A conexão entre os farcasters acontece graças às esferas de singularidades (buracos negros artificiais) localizados na órbita de cada mundo. A Terra foi destruída por um acidente com sua esfera de singularidade, e após o acidente aconteceu a Hegira (do hebreu hagira, que significa migração), onde várias naves semeadoras foram enviadas para estabelecer colônias em novos mundos, entre eles Hyperion.
A Hegemonia é uma sociedade em decadência que depende da força armada (conhecida como FORCE) para manter sua influência, e enfrenta a ameaça dos Ousters, bárbaros interestelares que vivem além dos limites da Hegemonia e não querem viver sob a influência do TechnoCore e dos farcasters. O líder da Hegemonia é assessorado pelo conselho consultivo TechnoCore. Entretanto o TechnoCore não consegue compreender as misteriosas Time Tombs, e a ainda mais misteriosa criatura Shrike que encontram-se no longínquo mundo Hyperion.
Os Ousters estão obcecados por Hyperion, e a invasão do mundo é iminente no início do livro.
Hyperion é um dos nove mundos ‘labyrinthine’ (labiríntico), que possuem redes de antigos labirintos subterrâneos com propósito totalmente desconhecido. Outras características de Hyperion dignas de nota: possui gravidade de 4/5g, uma fauna e flora peculiar com as formidáveis árvores Tesla – que como o nome sugere são gigantescas geradoras de eletricidade, e o mais importante são as Time Tombs (Túmulos do Tempo), gigantescos artefatos de origem desconhecida cercados por campos “anti-entrópicos” que permitem viajar pelo tempo, que é protegida pelo Shrike.
No meio dessa crise sete peregrinos são convocados pela Church of the Final Atonement (Igreja da Redenção Definitiva) para realizarem uma peregrinação até os Time Tombs para consultar o Shrike, que diz-se fornecer um desejo para os peregrinos que chegam até lá, mas existe uma lenda de que todos os peregrinos são mortos (exceto um, que tem seu pedido concedido) e presos à uma árvore de metal (daí vem o nome Shrike, no Brasil conhecido como picanço, que tem como característica o hábito de espetar suas presas em espinhos de árvores para comer mais tarde) .
Considerações sobre o livro
Eu vinha adiando a leitura de Hyperion há algum tempo. Tenho focado nos grandes mestres como Asimov, Clarke e Heinlein, mas quando iniciei o projeto de ler e analisar (superficialmente, é claro) todos os vencedores do Prêmio Hugo, decidi encarar a leitura do livro em inglês, pois como todos que gostam de ficção científica bem sabem, as editoras brasileiras não tem interesse em traduzir e vender esse tipo de literatura no Brasil.
Assim que comecei a leitura comecei a concordar com as críticas à respeito desse trabalho de Dan Simmons. A estrutura de estórias dentro da estória principal, na forma de relatos dos peregrinos, apesar não ser novidade na literatura e até ser um pouco incomum, é extremamente interessante e muito bem conduzida pela autor. Mas o que impressiona mesmo é que o livro é tão bem escrito, o mundo criado é tão bem concebido que posso dizer, sem sombra de dúvidas, que este é um dos melhores livros de ficção científica que já li até hoje.
A estória acontece em um mundo tão rico e imaginativo quanto o universo de Duna ou a Terra Média, ou outros clássicos. a história de cada peregrino é contada sob o ponto de vistas deles, cheias de detalhes e é impossível não se emocionar com elas.
Hyperion é tão bem concebido, com tantos detalhes, e o mais importante, é tão plausível que ficamos tentados a ficar imaginando se o planeta não existiria em algum lugar na nossa galáxia. Ele possui os misteriosos Túmulos do Tempo (Time Tombs), estruturas enigmáticas que movem-se para trás no tempo. Existe um mar de grama alta que lembra um oceano, mas que não pode ser cruzado à pé por causa das cobras que vivem ali. Existe o Shrike, uma misteriosa criatura (ou anti-herói) que massacrou todos os habitantes da Cidade dos Poetas e tem o hábito de empalar suas vítimas em uma árvore de metal.
Dan Simmons convence em grande parte por tratar do tema com certa ingenuidade: ele não se preocupa o tempo todo em tentar convencer o leitor com ciência. Ele prefere colocar os personagens em situações interessantes e fascinantes, e então apela ao bom senso e usa as palavras com maestria para fazer o leitor sentir-se como parte da história. E a imersão começa muito rapidamente, antes mesmo de conhecer os personagens, antes mesmo da ação se iniciar. Coisa que apenas um grande escritor pode fazer!
Mas para ser mais imparcial, considero que existem pequenas falhas no livro, mas nada que incomode. Por exemplo, Dan Simmons exagera um pouco na descrição de características físicas dos personagens que poderiam ser deixadas de lado, como um lábio superior maior que o inferior… um pouco de desperdício de tinta, mas afinal é apenas um parágrafo, nada demais. Outro problema é que o autor esforçou-se demais em manter o perfil psicológico na história de cada peregrino. Cada linha, cada parágrafo mostra essa preocupação em manter o perfil estável. Eu gostaria de ter visto um pouco de conflito nos personagens. Mas talvez isso tenha sido intencional: o autor desejava criar personalidades bem definidas. Num oceano de coisas boas em Hyperion, não seria esse detalhe que estragaria o livro.
Hyperion é um grande livro, descreve um mundo fascinante e utiliza uma prosa extraordinária. Se você está procurando um bom livro — tão bom quanto Duna — deveria seriamente considerar este. Não perca tempo esperando uma edição em português (que talvez nunca venha a existir), pegue um dicionário (ou use o dicionário do Kindle), largue tudo o que você está lendo agora e descubra o que você estava perdendo até agora. Você não irá se arrepender.