Uma confissão póstuma

Uma confissão póstuma Marcellus Emants




Resenhas - Uma confissão póstuma


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Valéria Cristina 12/07/2023

Opressivo e primoroso
Essa leitura foi o meu primeiro contato com a literatura holandesa. Considerada um clássico, a narrativa em primeira pessoa se inicia com uma afirmação impactante: “minha esposa está morta e enterrada”. A partir disso, Willem Termeer discorre de forma franca e direta a respeito de sua vida. Confessa-nos suas ações, pensamentos e intenções.

Conta-nos de sua infância com os pais ausentes, onde começa a perceber sua impossibilidade de pertencimento. Não se adequa à escola, não tem amigos, não interage com as outras crianças. Passa pela adolescência inadequada e mostra-nos como se torna uma pessoa medrosa, introspectiva, pessimista e misantropa.

Diz-nos que sempre interpretou um papel e que a felicidade é uma meta inalcançável para ele. Com a morte dos pais, a situação financeira confortável permite que não faça nada, não se dedique a um trabalho, não explore suas potencialidades. Passa os dias a devanear.

Eternamente inadequado, Termeer casa-se com Anna na esperança de fazê-la feliz. Vemos o início de um casamento “morno” e acompanhamos a decadência dessa relação. Descreve-nos Anna com sendo fria, direta, perfeccionista e apegada às suas obrigações e à sua imagem.

Os diálogos internos são intensos e com o avanço da leitura percebemos a crescente tensão e o avanço do clima de opressão. O leitor é envolvido em um turbilhão de emoções sempre em ascensão. O rancor e o ódio pela humanidade, a qual culpa por todos os seus males, põem-no no papel de eterna vítima. Essa vitimização percorre toda a narrativa e sua vida é um encadeamento de decepções.

Com o surgimento de De Kantere, Termmer alcança o ápice de suas neuroses. Acredita no envolvimento daquele com Anna, busca a felicidade em outros lugares, envolve com Carolien, propõe o divórcio à esposa e apresenta-nos uma Anna cada vez mais fria, sarcástica, arrogante e superior. Tudo isso descamba para um ato drástico e terminal que dá origem à sua necessidade visceral de se confessar.

Ao longo de toda a história, Termeer é a personagem onipresente. Conhecemos todos os aspectos da história, bem como as pessoas nela envolvidas, através do seu olhar. Ocorre que sabemos que esse tipo de narrador não é confiável. Vide Humbert Humbert de Lolita e Bentinho de Dom Casmurro. Assim, cabe ao leitor decidir em quem confiar.

Marcellus Emants foi um romancista holandês cuja obra é considerada um dos poucos exemplos do naturalismo holandês. Sua escrita é vista como um primeiro passo para a força renovadora dos Tachtigers em direção à literatura holandesa moderna, um movimento que começou por volta da década de 1880.
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Biblioteca Álvaro Guerra 29/10/2021

A frase de abertura de Uma Confissão Póstuma, uma das mais famosas da literatura holandesa, já dá o tom do que está por vir: " Minha esposa está morta e enterrada."
É assim que Willem Termeer começa a confissão do seu terrível ato: o assassinato que cometeu. Dia a dia carrega consigo o segredo e se pergunta a quanto tempo conseguira mantê-lo. Mas Willem não se arrepende seu ato pois julga que os problemas de sua vida se fundiram gradualmente. Percebe que tudo o levou em direção àquilo e que isso era inevitável. E agora tem necessidade de contar toda a história. Mas Termeer não é um narrador confiável.
Otto Maria Carpeaux, em sua História da Literatura Universal, diz: " Em toda literatura do romance psicológico reina a atmosfera da frustação e do fracasso. Talvez em parte nenhuma essa depressão seja tão evidente como no romance Uma Confissão Póstuma, do holandês Emants".
Een nagelaten bekentenis, o título original, é bastante dúbio e, em certa medida, intraduzível: nagelaten pode ser póstumo, mas também algo não realizado.
Essa confissão frustrada, guardada a sete chaves dentro de Termeer e despejada visceralmente no papel, perturba os leitores holandeses desde seu lançamento. E a agora, certamente, afligirá o leitor brasileiro. Esta edição contém uma luminosa introdução de J.M. Coetzee, que coloca Marcellus Emants no mesmo patamar de Flaubert, Tolstói, Ford Madox Ford, D.H Lawrence, e Dostoiévski.

Livro disponível para empréstimo nas Bibliotecas Municipais de São Paulo. Basta reservar! De graça!


site: http://bibliotecacircula.prefeitura.sp.gov.br/pesquisa/isbn/9788580490831
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Aguinaldo 03/10/2019

uma confissão póstuma
Na literatura holandesa meu farol sempre será Cees Nooteboom, autor que ensinou-me muito sobre a arte de olhar as cousas, a observar além das aparências, a aprender tanto com a realidade objetiva quanto com a fantasia, com a memória. Entretanto, nos últimos meses li vários livros de outros autores da Holanda, cousas traduzidas por Daniel Dago, jovem paulista. Esse "Uma confissão póstuma" é de 1894, e há quem o compare com o "Memórias do subsolo", de Dostoiévski. De fato é um bom romance confessional, um romance que gravita os processos psicológicos de um sujeito que desnuda suas misérias ao leitor, sem esperar perdão ou remissão divina, talvez apenas por cansaço ou absoluta amoralidade, misantropia. Willen Termeer, o protagonista da história de Emants, é um adulto ainda jovem que confessa, além de um crime, sua inapetência para a vida em sociedade, sua inadequação para o convívio humano, sua autocomiseração. Assim como tantos personagens da literatura de qualquer tempo ou lugar (e tantos indivíduos de carne e osso, gente real, conhecidos nossos), Termeer parece acreditar que a felicidade existe, ou, ao menos, seria possível alcança-la em seus termos, que são bizarros, inaceitáveis, para qualquer pessoa intelectualmente sadia. É um livro fácil de ler. Todavia, talvez, como sempre fazemos, arrogantes viventes deste nosso século XXI, sobre as coisas escritas, produzidas ou imaginadas há tanto tempo, mas não exageradamente distante de nossos dias, esses exemplos literários de ações e comportamentos psicológicos tristes, patéticos ou condenáveis, que recebemos com um esgar e sarcasmo, apenas sirvam para nos absolver preventivamente das misérias modernas, contemporâneas, de nossos defeitos ainda invisíveis para nós mesmos, seja como indivíduos ou como grupo social. "Nada do que é humano me é estranho", já nos ensinou Terêncio, há 2500 anos, mas as variadas formas de amar que inventamos sempre serão inevitavelmente estranhas demais. Bom livro. Haverá mais holandeses por aqui, claro. Vale!
Registro #1452 (romance #366)
[início: 16/07/2019 - fim: 19/07/2019]
"Uma confissão póstuma", Marcellus Emants, tradução de Daniel Dago, Porto Alegre: editora Zouk, 1a. edição (2019), brochura 16x23 cm., 236 págs., ISBN: 978-85-8049-083-1 [edição original: "Een nagelaten bekentenis" (Amsterdan: Van Holkena & Warendorf) 1894]

site: http://guinamedici.blogspot.com/2019/09/uma-confissao-postuma.html
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