Raquel Cavalcanti 05/01/2022
Arte em plena guerra
Imagine se, de uma hora para outra, você deixasse de ser uma pessoa e passasse a ser um número. Imagine ser forçado (a) a trocar os aplausos do público por um lugar horrível onde o que se ouve são os gritos de desespero e tiros sem misericórdia. É exatamente esse conto de fadas às avessas que a bailarina Cindy Schultz, uma moça talentosa que herdara o dom da dança de sua mãe, é obrigada à enfrentar a partir do momento em que sua vida mais do que confortável (graças à herança de sua falecida mãe e aos frutos do próprio talento para a dança) torna-se alvo de uma armadilha criada por seu padrasto, o frio Astolph Landa, um impiedoso (como era de se esperar) soldado nazista.
A narrativa inicia-se enquanto a "princesa do balé" (como Cindy era conhecida por herdar o talento e o prestígio de sua mãe, Eva, a "rainha do balé") apresentava-se num espetáculo entitulado "O Lago dos Flamingos", em Amsterdã, na Holanda. É nesse momento que Cindy recebe a visita do padrasto, que não surge em meio ao espetáculo para prestigiá-la, mas sim para condená-la a viver (ou talvez, morrer) no maior campo de concentração nazista da história: Auschwitz.
Segundo Astolph, Cindy era uma judia, e como tal, estava condenada à sofrer todo o fardo proporcionado pelo Holocausto, provocado pelos insanos ideais de Hitler durante a Segunda Guerra Mundial.
Já distante de seu círculo social luxuoso e aparentemente perfeito, Cindy passa a ser apenas mais um número (144.183, para ser mais específica), e é jogada sem cerimônias em Auschwitz, onde de uma hora para outra, passa a enfrentar problemas básicos jamais imaginados por ela, como o frio e a fome.
Porém, mesmo deparando-se com tantas privações e provações, além da constante ameaça da morte, a jovem bailarina surpreende-se com boas surpresas, como o reencontro com Sarah. As circunstâncias não são as mais favoráveis, afinal, as duas estão presas em Auschwitz, mas isso não as impede de reatar um antigo vínculo de amizade que, por trilharem por rumos diferentes, perdera-se pelo caminho.
Além de Sarah, há também Vera, uma comunista que; assim como os judeus; sofre os horrores da guerra, e o soldado Henrich. Este último merece destaque pois trás consigo segredos inicialmente inimaginados por Cindy e pelo (s) leitor (es), e desse encontro surge uma improvável (porém mais do que justificada) aproximação...
Apresentando personagens e, sobretudo, sentimentos opostos; como desesperança e fé, amor e ódio, tristeza e alegria, indiferença e compaixão, desprezo e amizade; "A bailarina de Auschwitz" nos leva a conhecer não apenas a alegria dos palcos de teatro onde Cindy expõe sua arte: também nos faz perceber que a existência é feita de constantes contrastes, e independente de estarmos sob a luz da ribalta ou em lugares muito menos agradáveis, o simples ato de viver é um espetáculo digno de aplausos.
Resenha de Raquel Cavalcanti