spoiler visualizarheliogabalus 25/03/2021
"No túmulo de Isolda, a loura, plantou uma roseira vermelha e no de Tristão um cepo de nobre vinha. Os dois arbustos cresceram juntos e os seus ramos entrelaçaram-se tão intimamente que foi impossível separá-los; de cada vez que os podavam, tornavam a crescer com todo o vigor e confundiam a sua folhagem."
Como eu amo uma tragédia!
Lembro de ter lido uma versão resumida desse livro na biblioteca da escola, na sexta série mais ou menos. Foi ele que fez com que eu me interessasse pelo subgênero trágico, embora eu não soubesse que isso sequer existia. Com o tempo, no entanto, o livro foi se apagando da minha memória, até que recentemente eu o vi ser mencionado em algum lugar e uma luzinha se acendeu no fundo da minha mente. Eu não me lembrava da história, mas lembrava de ter amado a leitura, então por que não reler?
É um dos poucos - se não o único - dos livros que já li que não tem exatamente um autor. Porém, essa edição foi mais do que satisfatória; a narrativa é direta e simples, e de fácil entendimento, além de ser perfeitamente linear. O uso de termos e conjugação verbal arcaica não atrapalhou a leitura. É interessante ter um dicionário à mão em alguns momentos (o que diabos é uma "lai" e por que as pessoas se chamam de "sire"?), mas dá pra entender pelo contexto.
Em relação à história, eu compreendo que a poção do amor é um dos pontos principais que alavanca o enredo, mas usar de magia para induzir o romance principal deixa um certo desapontamento no ar. Não há um desenvolvimento entre os amantes. Num momento eles têm um relacionamento de ódio/submissão, e no momento seguinte estão irremediavelmente apaixonados até seu último suspiro. Isso tira um pouco do efeito da tragédia. Por que eu deveria torcer pelo amor de duas pessoas que não se amaram de verdade e por sua própria vontade? Assim como em Romeu e Julieta, onde o amor de Romeu é obcecado e breve, e o amor de Julieta é o amor de uma mulher imatura vivendo seu primeiro romance, o final não me arranca um sentimento profundo, porque eu não me importo com esses amantes que não construíram o seu amor com o tempo e o convívio. Particularmente eu prefiro um romance mais real e pé no chão do que poção do amor e instalove.
Outro ponto que não me agradou foi a separação tão clara entre os mocinhos e os vilões. Se você conspira com Tristão e Isolda você é uma boa alma, se conspira contra eles, é um maldito e tomara que queime no fogo do inferno. Vamos com calma. Às vezes os barões só não queriam assistir o rei sendo [*****] e não fazer nada. E também, o que os celtas tinham contra os anões? Mas aqueles eram outros tempos.
Me agradou o fato de que Tristão é um personagem capaz de inspirar afeto apesar de ser o clássico herói, valente, bom em tudo, gostosão, o próprio Capitão Cornualha. No final eu torcia por sua felicidade não pelo romance, mas porque merecia, como pessoa, ser feliz. Também Isolda é uma mulher de carne e osso, capaz de amar e odiar com a mesma intensidade, é inteligente e ardilosa, conspira e atua, mas também sabe perdoar e ser justa. ("Juro que jamais homem algum entrou nas minhas coxas senão o rei Marcos, meu marido, e aquele leproso que, há pouco, me trouxe às costas como um animal de carga."). Sem falar da Brangia, que era mais esperta que todos aqueles barões juntos. #BrangiaforQueen.
Ao final, só me entristece que eu não tenha lido na versão física, pois a experiência teria sido ainda melhor.