Lucas Rabêlo 24/09/2022
Rubens Paiva refutado
Indago a longevidade desta obra, que na tentativa de ser uma literatura de formação, representa ideias juvenis de seu autor e geração ultrapassados; a juventude que hoje o lê, o rejeita. Como registro literário de tempo, ele abarca as suscetibilidades de um período e comportamentos que são enviesados aos olhos da contemporaneidade, que deferirá contra a abordagem de um homem branco e seus maquinários sexistas e racistas, e mais situações, para fundamentar suas memórias pregressas ao acidente que o condicionou a ser uma pessoa tetraplégica.
Muito de seu sucesso massivo nas décadas passadas se deve às novidades que o livro sugeria: a curiosidade da situação; a narrativa inovadora da rotina do processo de recuperação e adaptação; a idade fresca da vítima; a linguagem coloquial, fomentando um maior alcance de leitores; as situações vexatórias através do papo liberal que ele descrevia os de seu redor, pontuando num material divertido, e, portanto, acessível. Não se desmerece um produto que tenha atingido o potencial de interesse coletivo, mas deve-se também assumir sua limitação e seu prazo, se sugeridos.
Marcelo Paiva atualmente deve ter vertido suas denominações constrangedoras à reflexão consciente, que ainda é um dos poucos trunfos que se colhe na leitura dinâmica (dada a fluidez da escrita). Porém, nem toda leitura deve ser feita com o hábito da vigilância textual, há deveras que não oferece qualquer respingo agregador, mas funciona, cumpre. Aqui, longe do apuro regrado, reservam-se pérolas, como a posição política de um jovem adulto, declarado socialista – ele cita o recém formado PT, creio nos sinais(!) -, e antiditatorial, eram os anos de chumbo. Logo, como documento histórico, resgatam-se interações do decurso político nacional e das manifestações coletivas. As próprias manifestações pessoais de Paiva soam inocentes, quando suspende as pejorativas, como a sentimentalização por uma ex namoradinha, além da paixão pela música. Em suma, um identificador de toda uma turba nostálgica de épocas de validações e inseguranças pessoais que os jovens desenhavam bem.
Diante de seu caráter otimista e persistente, é louvável a posição que lhe legaram como precursor do resgate cultural que ressurge logo após um 88 constituinte. Ainda é um manual de rito de passagem, mesmo na questão-saúde divergente do leitor e da maioria de seus seguidores. Mas para abraçar a atemporalidade, precisa de um melhor argumento que não só desbundes anteriores e suas restrições posteriores, mas a solidez que pareceu chegar somente depois de tempos da publicação. A autoanálise deve ter valido.