Victor Dantas 18/11/2020
Identidade: busca ou fuga? #31
Tempo: Década de 1950. Espaço: EUA e Paris.
Esse é um livro de muitas camadas, portanto, aqui é apenas um recorte das camadas que mais me foram pertinentes, assim decidi destacá-las nesta resenha.
O romance “Giovanni” ou “Quarto de Giovanni” (James Baldwin, 1956), vai contar a história do David. O David é um norte-americano nascido em São Francisco, no seio de uma família conservadora. Sua infância foi marcada de alegrias e luto, enquanto sua adolescência, foi marcada de dissabores e de descobertas... sendo a principal a descoberta o seu Eu, o seu Eros. A homossexualidade.
Como toda criança que nasce e é criado no seio de uma família conservadora, o medo de ser descoberto, de ser desprezado pelos pais, diante da condição de homossexualidade é sentido pelo David, e isso torna ainda mais delicado e conflitante quando ele vivencia sua primeira experiência homossexual, com o seu melhor amigo de infância.
“E então, pela primeira vez em minha vida, tive plena consciência do corpo de outra pessoa, do cheiro de outra pessoa. Tínhamos os braços passados em volta um do outro (...).
Eu estava muito assustado, tenho a certeza de que ele também e fechamos os olhos” (p. 21).
Após essa experiência, David mudara – acredito que todos nós da comunidade LGBTQIA+, quando experienciamos nosso primeiro beijo ou transa, de alguma forma mudamos –, mas essa mudança em vez de ser positiva, teve um efeito negativo para consigo.
“Foi depois de J@. O incidente com ele me abalara profundamente, e seu efeito fora o de tornar-me reservado e cruel” (p.30).
A partir daí, o David começa a entrar em um processo de autonegação, de agir de acordo com os valores e normas conservadoras, e passa a ignorar o seu EU. Até que na vida adulta, ele decide ir embora dos EUA, com o desejo de estar longe da influência e pressão do seu pai, de poder viver como bem quer... ou talvez, para fugir de si mesmo.
O destino? Paris. E é em Paris que tudo acontece.
É em Paris que David conhece Hella, sua namorada e futura esposa.
E é também em Paris, que o David conhece Giovanni e seu quarto.
Narrado em primeira pessoa, e pelo ponto de vista do David, a história é intercalada entre passado e presente, onde no passado conhecemos sobre a família do David, sua infância, seu relacionamento com Hella e Giovanni, e no presente, acompanhamos o David se preparando para deixar a França, enquanto o Giovanni está sendo condenado a morte por um crime que até então o leitor não sabe.
No que diz respeito a relação do David com a Hella, temos um relacionamento construído apenas para manter a aparência, nesse caso, a aparência de heterossexual do David. Mas ainda assim, é uma relação regada de amizade e carinho, apesar das intenções do David não serem honestas.
“Eu lhe dissera que a amara uma vez, e me obrigara a acreditar no que eu próprio dizia. Mas teria conseguido isso?” (p.17).
As opiniões de David sobre seu relacionamento com Hella, bem como seus sentimentos para com ela, faz a gente sentir raiva dele diante da sua desonestidade, falta de empatia e respeito pela Hella.
E isso se torna mais grave nos capítulos finais, quando percebemos que ele foi totalmente abusivo com ela, a ponto de humilhá-la psicologicamente e emocionalmente.
E aqui o autor nos coloca diante da realidade de muitos casamentos e namoros que são construídos para manter as aparências de homens e mulheres que não conseguem se identificar e se autoafirmar homossexuais, bissexuais, lésbicas, etc., e preferem praticar tais relações em “sigilo”.
Essas pessoas são vítimas da violência e opressão realizada pelo patriarcado judaico-cristão, binário, heterossexual, branco, machista e sexista, que impõe padrões e normas sociais do que é “aceitável” e “reprovável”, “normal” e “anormal”.
Isso torna-se um conjunto de crenças que é reproduzido nas famílias, escolas, mídia, trabalho, e qualquer outra esfera social.
Mas, essas pessoas, geralmente, não se reconhecem vítimas desse fenômeno desumano, nojento, abominável, e acaba oprimindo pessoas que não deveriam ser oprimidas, apenas por capricho de esconder seus desejos, sua sexualidade, então passam a cultivar relacionamentos por aparência e totalmente abusivo.
Já sobre a relação entre David e Giovanni, existe também uma problemática muito grave, que de certa forma (para mim), acaba configurando o relacionamento deles também como um relacionamento abusivo.
Primeiramente, nem o David, nem o Giovanni se identificam como homossexuais, e aqui cabe um adendo pois o livro foi escrito na década de 1950, onde não existia homossexualidade, e sim homossexualismo, considerada uma patologia.
Logo, podemos inferir que o autor foi cuidadoso em não querer levantar bandeira pró-movimento Gay, portanto, tanto o David quanto o Giovanni, não se consideram homens gays, apenas homens que se gostam e se relacionam sexualmente.
E aqui faço outro adendo de que é possível sim um homem ter práticas homossexuais, sem se identificar como homossexual. A homossexualidade é uma condição, é como o sujeito se identifica sexualmente e afetivamente. A prática homossexual (relação sexual), não te torna homossexual. Destaco isso, pois sei que esse livro é lido tanto por leitores LGBT, como leitores heterossexuais.
Bom, dito isso, nós então acompanhamos o David durante alguns meses morando no quarto do Giovanni, e é ali entre quatro paredes onde ele se desprende de todas suas amarras, bem como o Giovanni.
Até então, David enxergava a relação dos dois como apenas uma conexão de corpos, sexo e gozo, nada de sentimentos, amor, afeto. No entanto, ele começa a perceber que o quarto do Giovanni representa para ele uma ameaça, pois revela seu ponto fraco, ou melhor, revela seu verdadeiro eu, mais ainda... revela os seus sentimentos por Giovanni. Amor.
“Às vezes pensava – mas esta é sua vida! Pare de lutar contra ela, para de lutar! Ou então achava – eu sou feliz, ele me ama, estou seguro. De outras feitas, quando ele não estava por perto, achava que jamais o deixaria tocar-me novamente” (p.116).
A partir disso, David passa a tratar o Giovanni com arrogância, a mentir sobre seus sentimentos, assim como faz na relação com a Hella, e mais uma vez, vemos o David sendo desonesto, um verdadeiro macho escroto, manipulador.
As coisas se complicam mais ainda quando o Giovanni perde seu emprego no bar em que trabalhava, devido ao seu chefe estar com ciúme da relação dele com o David, e quando Hella acaba retorna da sua viagem a Espanha, decidida a iniciar os preparativos do casamento.
O David então se vê diante de uma situação conflitante, que exige seu posicionamento e uma decisão sobre quem ele vai escolher para manter um relacionamento. O que ele não sabia é que sua decisão iria condenar e humilhar um inocente, ou talvez... dois inocentes.
Por fim, essa é uma história de um final não tão feliz.
Além das minhas impressões sobre a obra, destaco também:
• NARRATIVA & ENREDO
“Giovanni” foi meu primeiro contato com a obra do James Baldwin, desde já achei a narrativa do autor fluida, imersiva e poética em várias passagens. O enredo foi muito bem construído, ao intercalar passado e presente num mesmo capítulo observamos as camadas da trama sendo conectadas ao longo do texto.
• AMBIENTAÇÃO
O James Baldwin consegue transportar o leitor para a Paris do livro a partir das descrições das ruas, avenidas, bares, cafés, roupas, clima, vocabulário, ao longo das páginas, e isso é incrível um dos pontos mais fortes da obra, ainda mais para mim um apreciador de lugares, paisagens, culturas...geografia.
• LEGADO DA OBRA
Como disse acima o livro em si não é um livro que vem para levantar bandeira LGBT, ou denunciar a opressão e homofobia contra a Comunidade LGBT, e isso não é um ponto negativo, não me entenda mal.
O livro é representativo pois foi um dos pioneiros da literatura por introduzir a homossexualidade, personagens com práticas homossexuais na literatura, o que mais tarde viria a surgir um nicho “Literatura LGBT”.
Publicado em uma época em que a homossexualidade era considerada patologia, uma época onde homossexuais e lésbicas ativistas eram perseguidos (são até hoje), e principalmente onde intelectuais eram desprezados, perseguidos e não considerados artistas, ou artistas periféricos, por abordarem e representarem causas e temas das minorias.
James Baldwin, assim como Oscar Wilde e tantos outros artistas foi duramente criticado e perseguido. Não só por escreverem sobre homossexualidade, mas por serem autores gays, e no caso do James Baldwin, ser negro e gay. E é por isso que “O Quarto de Giovanni” é tão importante para nossa comunidade LGBT.
Não só essa obra, mas qualquer tipo de Arte, que represente um grupo oprimido, uma minoria, é necessária, vital e de suma importância, pois é na Arte que nos posicionamos, fortalecemos e plantamos a semente da tolerância, equidade, empatia, respeito e amor acima de tudo.
ARTE.
Aqui deixo uma playlist representativa para você que assim como eu vive com a Arte de todas as formas, principalmente a música:
Beautiful – Christina Aguilera
Born This Way – Lady Gaga
Firework – Katy Perry
Fuckin Perfect – P!nk
Hero – Mariah Carey
Human – Christina Perri
Ours – Taylor Swift
Stronger – Kelly Clarkson
Who You Are – Jessie J