Victor Dantas 01/11/2020
Que tipo de Gente Pobre somos?
Essa foi minha segunda experiência com o Dostoiévski. Dessa vez tive a oportunidade de ler seu romance de estreia “Gente Pobre” (1846).
Aqui conhecemos um pouco da vida do Makar e da Varvara, que compartilham de uma amizade e seus diálogos se dão através de cartas, em quais ambos relatam seu cotidiano, situações triviais, anseios e angústias. Nesse sentido, o romance é estruturado de forma epistolar.
Apesar da diferença de idade entre os dois, ambos compartilham de uma mesma situação, a pobreza e a vulnerabilidade socioeconômica, em uma Rússia monárquica, aristocrática e extremamente desigual.
Makar e Varvara não só protagonizam o romance, como representam também a Gente Pobre que o Dostoiévski toma como referência e base para tecer toda trama.
A pobreza aqui inserida se desdobra de duas formas: a pobreza material, em termos de poder aquisitivo e a pobreza social instituída na época por um sistema aristocrático, o qual o autor tece suas críticas implícita ou explicitamente, seja através da sátira ou de situações tragicômicas.
Ao mesmo tempo que vivem numa situação de pobreza, os personagens também compartilham de uma riqueza.... a riqueza da humildade, do altruísmo, da empatia social, valores e princípios.
Sendo assim, o Dostoiévski utiliza de seus ideais de um socialismo “perfeito”, de uma coletividade social e a nobreza de sentimentos humanos, esses três, como sendo a base para o progresso da sociedade, a qual o autor defendia.
Dessa forma, tanto o Makar quanto a Varvara personificam a esperança de uma sociedade subjugada, das minorias silenciadas e exploradas pelo sistema político e econômico da sua época.
Apesar de ser um romance que fala de uma sociedade, tempo e espaço específico (e aqui eu peço que você, leitor do século XXI, considere isso quando for analisar a obra), o romance levanta questões que ainda são atuais em nossa sociedade, mesmo depois de dois séculos...
No romance, a maior preocupação tanto do Makar e quanto da Varvara é o despejo do lugar onde eles vivem, que se diga de passagem está longe de ser considerado uma moradia digna, afinal, eles moram em um quartinho um de frente para o outro praticamente, em situação de insalubridade extrema.
A partir dessa situação, vemos o quanto um lar é importante, de como você ter um teto sob o qual você pode se proteger e se recolher, é ainda um privilégio para poucos...levando em consideração que no Brasil, por exemplo, segundos dados da Abrainc e FGV (2019), existe um déficit habitacional de 7,7 milhões, isso mesmo, 7,7 milhões de brasileiros sem possui uma moradia regular.
Por fim, é um romance que possui uma carga pesada de sentimos negativos, de uma desesperança, miséria. Dependendo de sua sensibilidade, a narrativa do Dostoiévski pode fazer com que você sinta essa angústia que os personagens compartilham... uma narrativa sinestésica.
Mesmo sendo sua estreia na literatura, o Fiódor já dava indícios do quanto sua obra seria representativa socialmente falando, e de como a Gente Pobre seria seu principal trabalho de campo, seu objeto de observação e reflexão.
Mais que recomendado.