Euflauzino 10/02/2020A insuportável leveza do ser
Mais uma vez cá estamos nós para uma nova aventura criada pela mente privilegiada do mestre Stephen King. Já não é de hoje que comento minha grande dificuldade com os contos deste escritor, porém nas novelas, ahhh nas novelas, onde temos um microcosmo, um núcleo reduzido de personagens, King é imbatível. Já foi assim com "Rita Hayworth e a redenção de Shawshank" mais conhecido nos cinemas como Um sonho de liberdade; "O corpo" que também foi pra telona como Conta comigo; "Fúria" proibido pelo próprio autor após o massacre de Columbine; "A longa marcha", só pra citar as que me vêm rápidas à mente.
Em Ascensão (Suma, 128 páginas) voltamos à mística e nada pacata cidade caipira de Castle Rock, palco de "A zona morta", "Cujo", "Trocas macabras" (tida como a última história da cidade), dentre outros. O velho mestre continua fiel ao seu universo e volta e meia retorna a suas cidades prediletas. Nos outros romances temos histórias pesadas, ao contrário deste que nos dá a sensação de leveza, de esperança, por isso é tão diferente do autor que conhecemos e pode causar desconforto aos mais xiitas.
Com um argumento simples, este livro traz Scott Carey, um pacato cidadão solitário (separado de sua mulher) às voltas com um novo projeto de trabalho. Inexplicavelmente começa a ficar mais leve, perder peso. Só que subvertendo à física ele não perde massa. O tema é parecido com "A maldição", outro livro do mestre sob pseudônimo Richard Bachman, que trata da perda de peso, mas aqui o caminho é outro, é político (quanto mais tempo passa mais admiro King em seu envolvimento, sua voz sempre superlativa, seu posicionamento em defesa de minorias marginalizadas e contra o governo Trump, a quem critica abertamente). Intrigado com sua situação Scott busca ajuda de seu amigo médico dr. Bob Ellis, que não é nada animador em seu diagnóstico.
“(...) — Isso não está apenas fora do escopo da minha experiência. Eu diria que está fora do escopo da experiência humana. Ora, tenho vontade de dizer que é impossível. Isso, claro, se as nossas balanças estiverem pesando direito, e não tenho motivo pra achar que não estão. O que aconteceu com você, Scott? Qual a origem disso tudo?”
Embora esta seja uma das principais preocupações de Scott, tem também seu problema com as vizinhas lésbicas que passeiam matinalmente com seus cães que emporcalham seu quintal. Ele procura por elas para resolver a questão, mas é recebido por uma delas de forma agressiva e irônica e não entende o porquê. Até que certo dia ele ouve uma conversa enquanto degusta uma refeição na Lanchonete da Patsy.
“(...) Scott ouviu alguém atrás dele, em uma das mesas, falar alguma coisa sobre "aquele restaurante sapatão". Risadas seguiram o comentário. Scott olhou para o pedaço de torta de maçã pela metade com uma bola de sorvete de baunilha derretendo em volta. Parecia apetitosa quando Patsy a serviu, mas agora ele não queria mais. Será que já tinha ouvido comentários desse tipo e os filtrou, como fazia com a maior parte das conversas que ouvia sem querer e que não eram importantes (ao menos para ele)? Não gostava de pensar que sim, mas era possível.”
Scott começa a se questionar sobre o quanto estaria sofrendo este casal de mulheres numa cidade provinciana e preconceituosa como Castle Rock. A hostilidade da população do qual ele faz parte não é diferente da de muitas que conhecemos e que têm como lema frases tais quais: "Não é comigo, então não vou me envolver", "Em briga de marido e mulher, ninguém mete a colher", "Em briga de irmão, não se dá opinião".
É preciso se envolver sim, não podemos nos calar diante da homofobia ou qualquer outro tipo de preconceito. E é isso que Scott faz, não sem sofrer consequências. A questão da intolerância é levantada numa conversa despretensiosa que Scott tem com um conhecido. A hipocrisia do julgamento de alguém apenas por ele ser diferente não escapa aos ouvidos do personagem.
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