spoiler visualizarSerenna.MercAs 12/05/2023
Infelizmente, não existe bolsa família na Argentina.
Uma família comum, moradores do interior, um bebê, um pai e uma mãe, uma história bastante comum, com suas infelicidades e felicidades, caso não fosse os pensamentos e visão de mundo da mãe, essa que, após o parto, não nasceu em si o natural amor pelo filho, mas sim um desamor pela família. É sobre instinto, desigualdade social, maternidade realista e depressão. Bruto, seco e introspectivo, feito para desconstruir expectativas à base de choque.
É original, criativo, realístico e, talvez, necessário. Sua fama se divide entre aqueles que acham a obra uma atrocidade e aqueles que acham necessária ( visando uma discussão de análise social, eu imagino ), eu a considero como uma atrocidade necessária, concordo com a galera que a expõe como um bom material, deixo isso claro para que não associem o meu desgostar ( sim, eu não gostei ) com o conservadorismo literário da parte do 50% dos leitores da obra. É instrutivo do seu jeitinho e, pela descrição dele, pelo que promete, seria um livro merecedor de todos os meus elogios, mas um livro não se resume à sua sinopse e, no meu ponto de vista, o que está nas páginas não entrega tanto o que a contracapa promete. É mediano, não negaria a leitura, mas também não leria de novo, não recomendo para quem está atrás dum livro impressionante, com algum plot foda, recomendaria talvez para quem procure se assustar com palavras em leituras mais intimistas, porém essa deveria ser a primeira leitura intimista desse alguém. Lendo, tive a sensação de assistir um filme de terror no cinema e, enquanto todos gritam, cato os milhos da pipoca no fundo do vaso. Muita gente se impressionou com a leitura, você olha as críticas, todas são ou 8 ou 80, e eu estou lá, pairando ou 20 ou 40. Fiquei entediada, isso que quero dizer nesse parágrafo inteiro. Não minto, algumas partes adorei, fiquei até boquiaberta, mas li a obra com o desejo de terminá-la, não de aproveitá-la.
Pode-se dizer que o enredo se passa sobretudo, mesmo havendo acontecimentos marcantes e chocantes afora, na mente da protagonista, a mãe, e isso é bom, não é um ponto negativo, eu, como leitora, amo narrativas assim, se for para culpar algo pela obra ser mediana, não imagino que seja o enredo em si, não ele crú, mas sim a maneira que é abordado, é confuso, bagunçado, esse é o objetivo da escritora, mas ficou ruim kkkkkkkk ! Fazer o quê ? Interpretei a lógica dele igual interpretei o enredo de "Memórias Póstumas de Brás Cubas" ( não faço ideia se entendi esse corretamente, já faz um tempo que li ), é entediante porque a vida dum burguês, feito o Brás Cubas, não agrega em nada, e "Morra, Amor" é confuso porque a cabeça da mãe funcionava assim, mas eu não gostei ! Nem de "Brás Cubas", nem de "Morra, Amor". É inteligente de planejar e escrever, com toda certeza, criar uma justificativa coesa dentro da história para que o livro seja, do começo ao fim, dum certo modo específico, é bastante criativo, entendo completamente os elogios, concordo com eles, mas eu, Serenna, de maneira nenhuma analista, mas sim totalmente pessoal, não gostei ! Se o mundo girasse em torno dos meus gostos como leitora ( , a literatura seria uma arte falida , ) e Ariana Harwicz escrevesse a obra diante do meu gosto, ela estaria, ao menos, cronologicamente certinha, não que eu não goste de histórias fora de ordem nas obras, mas no caso dessa eu iria me afetuar mais. A narradora, que é a protagonista ( 99% das vezes ), já é doidinha, nem sempre eu soube se o que ela narrava era acontecimento, metáfora, poesia ou só insanidade, até que isso é bom, me senti drogada lendo, mas junta isso com o tempo fora de ordem e eu já estava na minha overdose; você tem que ter a imaginação amolada pra acompanhar direitinho. Mas vamos lá, é interessante, a protagonista até que entrega um entretenimento, levando ele todo nas costas, claro, afinal se dependesse das outras personagens, seria apenas uma novela de drama diário.
Toda personagem é problemática do seu jeitinho, o quê as diferenciam elas da protagonista, a mãe, além do toque psicótico dessa, é que elas naturalizam e normalizam seus "pecados", convenhamos, é realista, chega a ser irritante. Quando se encara tudo pela visão da protagonista, já se deduz, louca com razão ! As personagens são bem desenvolvidas e, ao mesmo tempo, não são, está vendo ? É confuso kkkkkk. O que quero dizer é que a autora não as explora por inteiro, mas as explora muito bem em seus pontos específicos. Não se conta nenhuma história inteira, principalmente dizendo sobre os outros personagens, no caso da protagonista até temos vestígios do seu passado, mas nada que justifique completamente seus comportamentos no presente. Parece que a depressão e a suposta psicopatia surgiram atoa nela, um presente do resguardo. Inclusive, são personagens de dar raiva, essa frase resume bem, uma hora ou outra se ganha raiva de cada um deles, da sogra, do sogro, do bebê, do pai, da mãe ( essa sendo a única que não tive raiva, admito que costumo passar pano facilmente para mulheres instáveis ), talvez esse seja um ponto bastante positivo da obra, homens, mulheres e bebê de darem desgosto. No meu caso, a raiva fluía ao acompanhar o fluxo de pensamento da mãe, até em seus devaneios. Não consegui sentir raiva dela, mas sim de todos os outros os quais ela desprezava, conseguia a entender, cheguei, como disse antes, a passar pano, mesmo conseguindo enxergar uma mulher bastante problemática ali, mas não pude evitar vê-la como vítima, admito.
A escrita não se diferencia muito do contexto, uma hora você ama, outra hora odeia. É bastante seca, sem suspenses, nem surpresas, consegue ser bastante racional até na poesia, as únicas vezes que vi ela contradizer isso foi enquanto dava voz aos personagens, principalmente a mãe, nesse ponto a escrita variava entre ódio, indiferença e sadismo. Para mim foi divertido do começo ao meio, mas, enquanto o livro ia se aproximando do final, senti falta da abordagem clássica emotiva descritiva. A obra se trata tanto com indiferença que você começa a olhá-la igual. Apesar disso, é uma escrita original, é a primeira vez que leio algo parecido. Para quem procura uma leitura totalmente nova, é uma ótima recomendação. Resumindo, a escrita, de modo proposital, naturaliza um cotidiano assustador, duma maneira que não seja problematicamente romantizada, mas sim inteligente. Volto a ressaltar o ponto em que a obra se passa na cabeça duma mulher bastante depressiva, muitos leitores erram ao não analisá-la lembrando desse fato, acabam enxergando-a como um marketing ao desamor familiar e problemas mentais, sendo que é o contrário, imagino que está mais para um grito de socorro do quê uma tentativa de inspiração.