de Paula 19/01/2023
Um pouco de bicarbonato de sódio e limpa-vidros pode resolver uma vida
Você precisa entender que Britt-Marie não julga ninguém, que ela só pensa de forma que a organização dos talheres dizem muito sobre uma pessoa e sua civilidade. Quando começamos a ler o livro, nos deparamos com uma daquelas senhoras conservadoras, conhecidas por todos como "A Chata" pela sua mania de organização e limpeza, que passam invisíveis pela vida, porque sempre está nos bastidores garantindo que a vida dos seus seja a melhor possível. Ela vai procurar emprego, após 40 anos ficar trabalhando em casa, garantindo ao seu marido Kent que tudo ocorra da melhor forma possível. Como é de se esperar de Backman, há muito sarcasmo e ironia na história, um convite à muitas risadas.
Não é um livro tão engraçado como Gente Ansiosa, mas, é tão delicioso quanto. Desde o início, sabemos que a ideia é mudar a nossa percepção sobre essa senhora, conhecendo sua profundidade, traumas, história, mas também trazendo o mote de quanto sua existência e ações podem tocar e mudar a vida de outros. No início você vê uma senhora chata, mas, depois, você percebe que toda a rigidez se dá porque ela nunca foi vista, algo que é mínimo para o ser humano. Isso me lembrou o Gus, de A culpa é das estrelas, quando ele fala para Hazel que o seu maior medo é morrer e ser esquecido. O mesmo se dá com a Britt-Marie, que seu pior pesadelo é ser encontrada morta, sozinha, depois de dias apodrecendo num apartamento. É muito triste este ponto, porque só seremos lembrados por quem tocamos, mas, quando estes forem, seremos apagados. Alguns ultrapassam o limite do tempo, mas, perdem a humanidade para assumir lugares de ídolos e heróis, o que não é o objetivo da protagonista, ela só quer ser vista e ser o suficiente.
Os personagens secundários se tornam tão importantes quanto a protagonista. Você quer saber mais sobre as crianças, Alguém, o rato, Sven e a menina da agência de empregos. É delicioso ver as conversas, a paciência que despendem e como Borg abraça Britt-Marie. Toda a evolução da personagem em poucos dias é incrível, porque ela não perde a própria essência, o que não faz as pessoas a odiarem, e sim, a amarem por toda a mudança que ela traz para a pequena cidade. Ela é igual a Katniss, não tem ideia do impacto que causa.
Não quero dar spoilers, mas, adoro como o autor dá o encerramento que ela merece, porque, nunca é tarde para recomeçar, de ir atrás. A analogia que permeia toda a história com o futebol, os times e as personalidades, além de como a dor e a vida continuam apesar de tudo. Eu adorei como era óbvio para todos "mas, é claro! É torcedor do Manchster!", me parece quando aqui no Brasil falam sobre "só pode ser corinthiano para sofrer tanto e se orgulhar!", então, eu entendia o significado mais profundo dessas falas na leitura, o quanto isso impactava aquela pequena cidade norueguesa (?). Um brasileiro lendo esse livro, considerando o quão importante o futebol é na nossa formação, dá uma emoção a mais a toda narrativa.
Claro, que, assim como Gente Ansiosa, eu chorei na mesma proporção que ri, neste caso, até mais. O final é cruel e dilacerador em alguns pontos, mas, mostra a lealdade que sabíamos existir no personagem até seu fim, o que permeia aquele núcleo familiar. Eu amei esse personagem e o pequeno Ben com toda a minha alma. O pequeno que tem um date com um menino e mostra para Britt-Marie como o mundo é plural e por isso, é lindo. O quanto a protagonista sabe sobre valorização e não percebe o quanto ela merece. Acho que as conversas com o rato também são incríveis. Até ele tem um date!
Uma leitura deliciosa, maravilhosa, minha segunda obra do autor que não me decepcionou nenhum pouquinho. Um recado que fica: observe as Britt-Maries ao seu redor, as faça se sentir importantes, elas merecem todo amor do mundo, mesmo que às vezes, a única coisa que queremos é bagunçar a gaveta de talheres e jogar fora todo bicarbonato de sódio!