Tiago 08/03/2023
Os Testamentos / um cultivo a liberdade
Os Testamentos é a tão esperada continuação do livro, O Conto da Aia, de Margaret Atwood, será que o leitor vai descobrir o que aconteceu a June/Offred após entrar naquela van preta? Desenvolve a narrativa focada nos bastidores e no cultivo de estratégias para a libertação do atual estado de corrupção e controle social, principalmente, sob as mulheres. Três mulheres, Tia Lydia, Agnes Jemima e Nicole, e um objetivo: dinamitar a República de Gilead, patriarcal e pseudo teocêntrica.
Margaret conta de maneira abrangente os pormenores das personagens e da não tão santa, Gilead, 15 anos após os eventos de O Conto da Aia, se mantém uma sociedade rígida, comandada por homens e fundamentada numa teocracia às avessas, aparente, reta, mas há sinais de leves insubordinações que poderão comprometer suas estruturas. Se de um lado temos Tia Lydia uma das fundadoras e Agnes Jemima, filha de comandante, criada segundo os preceitos do meio, do outro, Nicole, criada no Canada sob uma cultura e educação dissonante. Esse trio pode ser a chave para construir o caminho do que será Gilead e também o que elas serão, a partir de suas articulações. As ações delas corroboram para romper a bolha e para que outras tenham uma melhor sorte, se, o plano der certo.
Os segredos alimentam a engrenagem de poder e garantias de vida nesse lugar, moeda de negociação, ou, o triste fim de quem ousou ir além. Tia Lydia junto as duas jovens assumem um papel importante na narrativa, antes, tida como persona non grata, pode-se acompanhar uma reviravolta com a participação de uma das fundadoras de Gilead. Tia Lydia é o que podemos chamar de fez o que pôde e não o que deveria. Como ela mesma disse: ?É melhor que nada, e sou uma grande defensora do melhor que nada. Na falta do melhor que tudo.?? Assim como na realidade, estratégias, para se alcançar uma utopia, Tia Lydia precisou se utilizar de frieza com uma pitada de ousadia moderada.
Em Gilead assiste-se a ascensão suprema masculina para o estado de o mundo sem mulheres e, esse mundo, válida todos os preconceitos e a submissão esperada pela mulher. A abolição do feminino para a animalização. Vidas anteriores suplantadas ?A vida que levei. A vida ? pelo que digo a mim mesma ? que não tive escolha senão levar.?? e ?Aias eram forçadas a engravidar como se fossem vacas, sendo que as vacas ainda tinham mais vantagens.?? Isso nos dar uma prévia da combinação perigosa entre Estado e religião, potencialmente letal a pessoas e grupos minoritários.
A história traz questionamentos do porquê tais atitudes foram necessárias e até onde ir para manter segura a própria pele em um mundo que não se pode confiar em ninguém, sobretudo, nos pensamentos e nas sombras. Como diz Caetano: ?É preciso estar atento e forte [...] Tudo é perigoso??, em Gilead. Mas o que Gilead e esta obra ficcional literária deixa para a sociedade mundial? Assim como suas personagens que sentem o medo e disciplinarização de seus corpos, no plano real, a obra contribui para pensarmos no quão perto pode-se estar daquele cenário de horror distópico e aberrante.
Os Testamentos e, seu predecessor, O Conto da Aia, são livros distópicos, mas com um pé a realidade, nem tudo é ficção. Mulheres em alguma parte do globo terrestre podem ou estão passando por episódios e situações semelhantes à retratada nessas duas obras literária, bem como, outros tipos de violências e cessão de Direitos Humanos estão sendo infligidos por Estados e regimes ditatoriais a grupos minoritários sem poder de influência massiva. Não obstante, Margaret Atwood consegue com uma linguagem simples desenvolver uma escrita envolvente e de impacto social. A escritora cativa o leitor com uma escrita envolvente e leitura de fácil progressão. Anda que o medo exista, ficam as palavras de Tia Lydia: ?Eu hesito, eu hesito. Mas amanhã é outro dia.?? Um dia (tempo) de equidade social é o que se espera por tantos anos de lutas na busca por garantias de direitos.