Higor 11/10/2021
"Lendo Nobel": sobre o colonialismo e seus resultados tortuosos
Considerado um dos melhores livros do século XX, "À espera dos bárbaros" é, junto com "Desonra", o magnum opus do autor, ou até mais mencionado que ele, como o grande livro de Coetzee. O comitê do Prêmio Nobel, que concede a láurea pela obra em conjunto, não um livro individual, mencionou À espera dos bárbaros, aliás, como "um thriller político na tradição de Joseph Conrad, no qual a ingenuidade do idealista abre as portas para o horror".
Como não podia deixar de ser em um livro de Coetzee, o livro é bastante cru e pesado; enquanto em "Desonra" não há nada explícito, aqui a violência, principalmente, é explícita a ponto de causar desconforto no leitor despreparado, e este precisa fechar o livro, respirar e pensar antes de voltar a história.
O autor conta a história de um Império fictício, situado em um lugar e tempo não especificados, mas reconhecível como uma versão civilizada da África do Sul. Esta cidade, no meio do deserto, com condições sanitárias e de sobrevivência, se não precárias, ao menos no limite, vive bem, ou ao menos sem reclamações por parte de seus habitantes, até que devido a rumores de que os povos indígenas da área , chamados de "bárbaros", pode estar se preparando para atacar a cidade. Com isso, forças especiais da capital são mandadas para tal cidade.
Consequentemente, tal força conduz uma expedição para as terras além da fronteira. Liderado pelo desumano Coronel Joll, a tripulação captura vários bárbaros, os traz de volta para a cidade, tortura-os, mata alguns deles e parte para a capital a fim de preparar uma campanha maior.
O livro carrega uma grande aura de "Será?" em volta do que são os bárbaros, se eles são realmente bárbaros, aquele que ou quem é cruel, desumano, feroz, como o dicionário classifica, ou se são apenas quem pertencesse a outra etnia ou civilização e falasse outra língua que não a deles, meros estrangeiros que não se comportam como o Império espera.
Talvez o desconforto com a leitura seja justamente a de não reconhecer o inimigo, ou de saber se o vizinho é, de fato, alguém que pode fazer mal. Pelos históricos anteriores, tais índios, embora não convivessem perto deles, ou em sociedade, ao menos uma vez por ano aparecia para fazer escambo, trocas e outras coisas que, porventura, podiam ter com o auxílio da sociedade, e estava tudo bem. Agora, quando os prisioneiros começam a surgir, são torturados, e tais torturas são explícitas, é impossível o leitor não se sentir, no mínimo incomodado e compadecido com o descaso.
Um estudo de reflexão sobre o que nossos antepassados sofreram, suportaram e tiveram que encarar para que hoje, aos trancos e barrancos, pudessem tentar conquistar seu espaço hoje. Um passado terroso, sangrento e, embora fictício neste livro, dá uma pincelada, apenas 1% da crueldade e maldade do homem, do homem branco e "civilizado" sobre os menores, os oprimidos.
Doloroso e chocante, tal como algumas histórias de Mario Vargas Llosa, do recém laureado Abdulrazak Gurnah e tantos outros autores que abordam o colonialismo e seus desastres, seus sistemas opressores e o resultado de tais atitudes, "À espera dos bárbaros" é um livro que precisa de cuidado, fôlego, e principalmente, um estado mental no mínimo, preparado para se encarar.
Este livro faz parte do projeto "Lendo Nobel". Mais em:
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