spoiler visualizarJoseane12 11/02/2024
Quanto mais penso nessa história mais ela cresce dentro de mim! Definitivamente esse quadrinho é cheio de camadas e trata de temas sensíveis como violência doméstica, maternidade compulsória, depressão e o papel social da mulher numa sociedade feita por e para homens. A narrativa é dividida em três linhas do tempo. Na linha do tempo presente acompanhamos uma mulher velha, seu nome é Neiva (mas só descobrimos isso nos extras do quadrinho), ela vive sozinha numa casa e repete uma rotina mecânica. Nessa parte da história todas as ilustrações são em preto e branco. Na segunda linha do tempo temos um passado muito recente, que é a cena do sequestro de Ricardo (filho mais velho de Neiva). A terceira linha do tempo mostra acontecimentos de um passado mais antigo, quando os filhos de Neiva eram crianças. Neiva é uma mulher que conviveu com a violência doméstica desde pequena, através do seu pai agressivo. Seu grande desejo era sair daquela casa, liberta-se daquela prisão. Quando entrou na faculdade conheceu Antônio, encantou-se por ele e agarrou-se a ele como se fosse uma boia em meio ao naufrágio. Contudo, ela não sabia que estava trocando um lar abusivo por outro. Antônio a agredia fisicamente, inclusive durante suas gestações: "um dia Antônio agrediu meu ventre com uma força descomunal. Foi como sentir uma dor excruciante do ricochete de uma bala". Neiva tinha sonhos, mas sem perceber caiu numa espiral de casamento e filhos: "a submissão de ser apenas um lar temporário para uma parte pequena desse homem. Duas vezes fui morada para os descentes de Antônio". Como essas passagens me marcaram! A romantização da maternidade e a imposição a que nós mulheres somos impostas desde pequenas. Neiva não queria ser mãe, mas amava muito seus filhos (eu diria que até com uma loucura possessiva), mas as desilusões da vida, a morte dos seus sonhos e a situação na qual vivia a levaram a depressão e num desses episódios vemos que isso custou a vida do seu filho mais novo, Lourenço (na cena da banheira, quando ela adormece, devido aos remédios, com o bebê no colo, dentro de uma banheira). Os anos passam, Ricardo se afasta da mãe, não sabemos o motivo que levou a isso, mas Neiva não se conforma com essa situação, ela abriu mão de tudo que desejou pelos filhos, então seu único filho vivo não poderia abandoná-la: "o meu sangue não pode me recusar. A minha carne não pode me recusar. Esses olhos que carregam os brilhos dos meus não podem me recusar" e chegamos na macabra cena final. Confesso que o desfecho me assustou porque mostra que o que chamamos de "monstros/psicopatas" são seres humanos feridos, que perderam o brilho dos olhos e sucumbiram a escuridão. Por fim, em relação à cena das baleias, minha interpretação é de que não conseguimos lutar contra a maré, por mais que tentamos uma hora iremos sucumbir. Isso não quer dizer que devemos ser "pessoas acomodadas", existe uma diferença entre ser acomodado e ser resiliente, o primeiro aceita as coisas como são e se conforma com isso, o segundo sabe que nossa energia é limitada e que tem coisas que podemos controlar e existe coisas fora do nosso alcance e que não podemos mudar, assim como uma mulher sozinha não consegue empurrar um grupo de baleias de volta ao mar. Se gastarmos todas as nossas energias naquilo que não podemos controlar, uma hora iremos subir a maré. Neiva acabou sucumbindo a essa maré chamado patriarcado.