Felipe 28/04/2022
Empatia e Revolução
Empatia se ensina. É muito comum cair na falácia de que "independente de classe ou contexto, todo mundo sabe o que é certo ou errado", uma narrativa vendida por aqueles que já "sabem" o que é o "certo", e a quem convém manter assim.
Deixando de lado toda a problemática de um certo e errado universais, e focando numa sociedade como a nossa que, na teoria, distribui em grande parte as coisas nas duas categorias, podemos ver que o problema não é saber o que é o certo, mas entender o motivo de praticá-lo. Qualquer adolescente sabe que assaltar alguém cairia na categoria do errado e é ato passível de punição, isso é básico. O problema está em: quem vai ensinar o motivo do ato ser considerado errado? Criar medo através de punição não é ensinar, é simplesmente reprimir temporariamente. Ainda mais numa sociedade onde grupos e classes diferentes recebem penas ou compensações diferentes pelo mesmo ato. Quem vai ensinar aqueles que não tem informação ou guia sobre empatia? Nesse contexto, os Capitães procuram sobreviver enquanto tentam, praticamente por conta própria, entender seu local nesse mundo e os motivos dos costumes acordados.
Jorge Amado poderia trilhar o caminho mais simples para reforçar seu ponto e focar em um personagem ou simplesmente espelhar todos os outros nele mas a realidade não é assim e ele sabia disso. Com uma escrita muito cativante ele traz muitos personagens e todos são trabalhados, nenhum unidimensional. Mesmo fazendo parte do mesmo grupo cada um tem sua própria voz, seus próprios desejos, próprias opiniões (ainda que Pedro Bala assuma o comando do Trapiche), e próprios finais.
Algumas cenas como a suposta visita de Lampião e seu bando ao Carrossel, beiram o realismo mágico. Há beleza, tristeza, e não podemos deixar de fazer o paralelo entre o grupo dos cangaceiros e o dos Capitães.
Com elementos muito fortes da cultura nordestina, principalmente da baiana, Amado nos faz acompanhar os Capitães e seu cotidiano, sem uma narrativa propriamente dita, durante a maior parte do livro (até Dora chegar). Muitos capítulos poderiam simplesmente trocar de lugar sem que o livro perdesse o sentido, mas cada um adicionando uma nova experiência a algum dos Capitães. Por vezes, uma experiência que traga evolução e mudança, em outras apenas um lembrete da realidade que vivem, à qual precisam estar atentos.
Não é de se espantar que uma crítica tão embasada à hipocrisia dos nossos valores, o descaso com as classes mais baixas, e a conversa sobre luta, greves, e revoluções tenha deixado militares e governantes agoniados no final da década de 30 e feito com que a obra fosse censurada e até queimada.
E vendo o contexto atual, precisamos cada vez mais que obras como a de Jorge Amado, Graciliano e outros da mesma linha tomem o espaço devido em todas as TBR por aí, e que se compartilhe os que hoje seguem seus passos.
"E, apesar de que lá fora era o terror, qualquer daqueles lares era um lar que se abriria para Pedro Bala, fugitivo da polícia. Porque a revolução é uma pátria e uma família."