Toni 16/01/2021
Leitura 53 de 2020
Não aceite caramelos de estranhos [2011]
Andrea Jeftanovic (Chile, 1970-)
Mundaréu, 2020, 144 p.
A literatura existe porque o mundo não é suficiente e há demasiadas pessoas descontentes. Uma de suas funções, portanto, é incomodar, jogar com estigmas, tratar tabus, propor desassossegos. Os onze contos que compõem a coletânea da chilena Andrea Jeftanovic são dessa estirpe, narrativas brilhantemente escritas que questionam os vínculos humanos mais estreitos (aqueles entre familiares) e propõem uma quebra subversiva das expectativas e certezas de seus leitores. “O contemporâneo”, diz Giorgio Agamben, “é aquele que mantém fixo o olhar no seu tempo, para nele perceber não as luzes, mas o escuro”. Exatamente o que faz Jeftanovic.
Cada um à sua maneira, os contos de “Não aceite caramelos de estranhos” sufocam e nos constrangem, muito porque todos eles são narrados em primeira pessoa por personagens que, de alguma forma, lutam contra pressões sociais, morais, religiosas, familiares, sexuais, geracionais etc—externas ou internas. A pulsão de morte, sempre presente, convive ao lado do gozo, libertário e proibido, alertando-nos, mais uma vez, que “mesmo conhecendo os mínimos detalhes de um corpo, nunca, nunca possuímos o segredo de quem o habita”—advertência da epígrafe que introduz a coletânea. Entre os favoritos, os contos “Árvore genealógica”, “Até que se apaguem as estrelas”, “Na praia, as crianças”, “Miopia” e “A necessidade de ser filho”, me conquistaram como histórias de triste beleza, perturbadoras ou angustiantes, mas sempre dolorosamente verossímeis.
Fui convidado pelo @canalmaisliteratura para a leitura coletiva deste livro que aconteceu no último sábado (28/11) lá no YouTube. A live já está disponível e contou com contribuições preciosas de um time apaixonante de leitoras e leitores. E aproveito o espaço que me resta para agradecer o esmero empregado pela @editoramundareu nesta publicação. Um trabalho de muito respeito ao leitor e à nossa incrível tradição literária latino-americana.