isa! 10/05/2024
“Todas as guerras são crimes contra as meninas e mulheres do mundo”
Como dito no livro, palavras são poder, quanto mais palavras você conhece, mais poderoso você fica. Palavras são conhecimento, e, por isso, eles não querem que a gente saiba, porque limitando nossas palavras, eles limitam nossos poderes. Esse livro não é uma história real, mas poderia ser, ele não é passado, é presente e não pode continuar sendo o que se espera do futuro.
Na narrativa, acompanhamos a história de duas irmãs haenyeo, durante a ocupação japonesa na Coreia na Segunda Guerra Mundial. Às vezes, esqueço como a guerra foi mundial, não apenas pelas desavenças, pelos erros tomados ou pela economia, mas também pela crueldade, ela nunca foi apenas de um lado, esteve presente em todos os momentos. Quando pequena, Hana sempre escutou de sua mãe que deveria procurar pela sua irmã a cada mergulho dado, pois se conseguisse vê-la, ela estaria segura. Assim, os dias de guerra foram seguindo, algumas notícias crueis rondavam a cidade e assustavam as meninas, elas sabiam que nunca deveriam olhar para os soldados japoneses, mas não entendiam o porquê. Elas não poderiam saber, suas mães não contavam, pois os detalhes eram capazes de destruir a humanidade que ainda sobrava em seus pequenos corações.
Quando cresce, Hana descobre o motivo e o que eles fazem. Sua mãe lhe conta sobre as mulheres de conforto, na qual mulheres e meninas são sequestradas a fim de servirem como escravas sexuais para os soldados japoneses. Isso é um crime de guerra inadmissível, que até hoje não teve sua devida validação, o Japão, ainda hoje, se recusa a justificar, a pedir perdão a essas mulheres cuja inocência foi arrancada a força, a essas meninas que foram mortas pela ganância e luxúria do homem, a essas meninas que foram enterradas sem conhecer a vida. Essas meninas não podem ser esquecidas, elas são a mancha de sangue na história, elas são a lembrança do quão terrível o ser humano pode ser.
Durante um dia qualquer, Hana, enfim, entende o verdadeiro significado do que sua mãe tanto lhe dizia. Para proteger sua irmã, a Hana é capturada por um soldado japonês. Ela fixa seu olhar em sua irmã, porque sabe que nunca mais voltará a vê-la, nunca mais estará segura. As seguintes cenas são uma das piores coisas que já li, os detalhes de Hana sendo levada para o bordel ao lado de centenas de meninas apavoradas, as descrições das violações e a anulação da sua humanidade. Para os soldados, as meninas são pragas, são prostitutas, são animais. Mas elas nunca foram, elas são meninas. Elas são filhas de alguém, elas têm sonhos, elas são limpas e inocentes, elas são apenas meninas. Num dia, elas estavam em suas casas, abraçando seus pais e brincando com seus irmãos, no outro, elas são estupradas por 20 homens por dia, elas são violadas todas as horas, elas se esquecem de como a vida era, porque não acreditam que possa voltar a ser. Nesse livro, as narrações são marcantes, pois são abomináveis, elas te mostram uma visão que nunca será esquecida, não pode ser esquecida. É preciso lembrar que para que não se repita, é necessário o conhecimento para repudiar a história.
Esse livro é doloroso, não é uma leitura fácil, mas é de extrema importância. Nunca vi essa pauta ser ensinada nas escolas, o que é um absurdo, porque aprendemos até de mais sobre a relevância global dos Estados Unidos e em como o Japão está crescendo nos últimos anos, mas nunca sobre os crimes que deixaram pelo caminho, nunca pelo estrago que causaram, nunca pelas vidas que perderam. Há muitos relatos sobre a vergonha sentida pelas vítimas depois do fim da guerra, em como não conseguiram se impor, em como muitas delas levaram uma vida miserável, de medo e de desconforto. Porque, é isso, a guerra pode ter acabado para eles, mas não para elas, nunca para elas. E, até o dia que morreram, levaram esse fardo de não terem sido reconhecidas, de não terem recebido o perdão que mereciam. No livro, Emi, irmã mais nova de Hana, discursa sobre como sente a vergonha de ter perdido a irmã para os soldados, de como não se sente corajosa e de como a saudade é imensa, quase impossível de aguentar. No começo, pensei que Emi estaria bem, lutando pelos seus ideais, mas isso não acontece, pois é muito difícil entender como você ainda está aqui quando todo mundo ao seu redor é tirado de você.
A simbologia da estátua de Hana é mais do que ela parece ser, ela não é apenas a garantia de que aquilo aconteceu, de toda a crueldade que ela passou, de todo o legado que ainda vai permanecer, a sua estátua é uma representação do que Hana foi antes de tudo, da menina que ela era e que nunca mais foi, porque os soldados arrancaram sua pureza, sua genuinidade e sua infância da pior forma. A estátua permaneceu com seus cabelos longos, com seu belo sorriso, com roupas de seu gosto, porque, no fundo, é muito surpreendente que eles não tenham conseguido rompê-la por completo. E é graças a essa estátua que Emi tem a oportunidade de rever sua irmã depois de décadas, depois de uma vida inteira procurando por ela. Por isso, precisamos que a história seja contemplada, esteja sempre em aberto, sempre à vista para que possamos enxergá-la por todos os lados. A nota da autora diz exatamente isso, que é nosso dever educar as futuras gerações a respeito das terríveis e reais verdades cometidas durante guerras, não escondê-las ou fingir que nunca aconteceram, não devemos esquecer nunca que a história foi manchada de sangue.
Por fim, quero deixar a minha frase marcante favorita: "são os soldados que trazem as doenças para o bordel. Todas as garotas chegaram aqui limpas e inocentes. São o soldados os monstros infectados, a razão pela qual as garotas são submetidas a check-ups, médicos humilhantes e recebem injeções de químicos tão pesadas que seus braços às vezes incham e ficam doentes"