Raphael 14/11/2016"Deus, um delírio", acho um barato este título. Quando me deparei com um livro de 500 páginas escritas por um ateu, logo me veio à mente uma frase famosa na filosofia: "o quanto de verdade você consegue suportar?". Pois esse autor, pensei, deve falar um monte de verdades desconfortantes neste livro. Digo desconfortantes porque a religião, realmente, serve como um analgésico para remediar a dureza e a falta de sentido na vida das pessoas. E os ateus, de forma bastante corajosa, devem buscar a reconciliação com a realidade através de outros meios. Mais sólidos, digamos.
Ateus, em geral, não perdem seu tempo discutindo religião. Richard Dawkins, por outro lado, é bastante combativo e faz um ataque sistematizado às religiões e a concepção de um deus transcendente criador do universo. O livro é dividido em dez capítulos e ele trata das diversas concepções de deus na filosofia, a origem das religiões e da moralidade, faz uma análise bem crítica e contundente das escrituras sagradas e, é claro, fala bastante de ciência biológica, notadamente sobre a teoria da evolução, sua especialidade.
O livro, em suma, gira em torno disso. O autor é MUITO persuasivo, até demais em alguns momentos, o que revela sua paixão em defender o seu ponto de vista. A extrema parcialidade do autor não é bem vista por muitos de seus leitores e eu faço parte do grupo de pessoas que pensa assim. Essa característica, no entanto, não torna o livro ruim. Nesse sentido, gostaria de pontuar algumas considerações e argumentos que eu gostei bastante e achei que foram destacados:
1-A mirabolante estrutura transcendental sustentada pela igreja católica que cataloga mais de 500 santos. O papa João Paulo II, certa vez, sofreu um atentado e foi baleado. Após ser salvo por uma equipe de diversos médicos, atribuiu a sua sobrevivência às mãos de Nossa senhora de Fátima que, segundo ele, "guiou" o projétil para que o tiro não fosse fatal. Dawkins, de forma pertinente, questiona: Por que nossa Senhora de Fátima, em específico?
2-Qual a diferença entre uma pessoa que acredita de verdade que conversa com Deus e um esquizofrênico? (o autor responde).
3-C.S. Lewis, certa vez, disse que Jesus, ao alegar ser filho de Deus, das três, uma: ou era Louco, Mau ou Deus, de fato. Dawkins acrescenta uma quarta opção: a de que Ele estivesse honestamente enganado. (!!!)
4-A canonização e os evangelhos apócrifos. Quais foram os critérios, de fato? Há algo a ser escondido nos apócrifos? O autor trata desse assunto e confirma que, de fato, quem mais conhece das escrituras são os ateus.
5-A aposta de Pascal (na dúvida, melhor crer em Deus pra não queimar a eternidade no inferno, caso ele exista) e a coragem e honestidade do cientista. O projetista do universo não seria, de certa forma, um cientista? Deus valorizaria mais uma crença desonesta (conforme Pascal) do que o ceticismo honesto?
6-Deus, como projetista, não traz respostas para questões existenciais. Pelo contrário, ele suscita mais perguntas (quem O criou?). Reflita um pouco sobre isso.
7-A zona cachinhos dourados, local adequado que o planeta deve estar para abrigar qualquer tipo de vida, e outras questões científicas interessantes como, por exemplo, a ideia da religião como subproduto psicológico ensejado pela evolução através de uma espécie de "erro no caminho".
8-As histórias horrendas do velho testamento e a bíblia como fonte da moralidade. Não vou entrar em pormenores, mas o velho testamento fornece um prato cheio para as críticas do autor. E ele deita e rola (embora reconheça, depois, que Jesus seja um bom moralista).
Isso só para citar alguns exemplos que me vieram à mente após a leitura. O livro todo é recheado de argumentos fortes. Bastante esclarecedor. No mais, gostaria de pontuar também a reflexão sobre a moral do ateu. Precisamos de Deus para sermos pessoas boas? Nessa perspectiva, o autor nos apresenta os dez mandamentos do ateu para ressaltar o óbvio: não, não precisamos.
Richard Dawkins, biólogo, fala muito sobre ciência neste livro (o que é natural para quem está refutando concepções religiosas) e ele pressupõe que o leitor já tenha tido algum tipo de contato com o assunto (isso acontece também no "Relojoeiro Cego"). Sugiro, portanto, que para um primeiro contato com o autor, leiam "A Magia da Realidade", que é uma espécie de enciclopédia e explica conceitos básicos com uma didática impecável. É gostoso aprender com o professor Dawkins.