hlvrcralc 09/03/2024
é necessário preservar o avesso.
O início do livro começa sem que a gente entenda muito, só sabemos da morte de alguém e todo o resto da história faz a gente supor o motivo dela.
é narrado pelo próprio filho dele, que trata o protagonista (pai) no lugar de leitor - o que faz a gente se colocar (ou tentar) no lugar dele, mas se torna extremamente estranho e incômodo em algumas cenas que descrevem ?certas coisas? pessoais até demais.
Henrique, quando mais novo, se mostava inocente e andava inerte, não tendo consciência do racismo que ele mesmo sofria. o livro mostra um processo de consciência racial e crescimento. na adolescência, vive amores racistas e supervalorizados para que pudesse superá-los por si só e tomasse o rumo para outros e outros. no mais, uma verdadeira amostra da vida real não romantizada e, apesar de comum, ainda assim, é necessário que essa história seja contada.
nos faz refletir sobre realidades em que até mesmo pessoas de pele negra se mostram racistas por causa do estruturalismo do preconceito na sociedade. em outros capítulos, conta a história dos avós (pais do Henrique), que demonstra essa estrutura tão complexa e necessária de ser desconstruída, ainda mais presente em tempos anteriores.
não posso deixar de comentar sobre a passagem que fala de psicanálise e da visão eurocentrica sobre ela.
em maior parte, a vida como ela é. ideias da cabeça de um adolescente negro tendo suas primeiras vivências e experiências (e mais partes incômodas quando se para pra pensar que o narrador é o próprio filho). decepções amorosas, realizações pessoais, relações familiares, desvalorização do professor, boemia, reflexões do próprio destino, solidão, solitude. arte negra e a importância da própria arte para salvar-nos de algo. mas não de tudo.
sobre a superproteção da martha com o filho, não pude deixar de pensar que todo excesso escondenuma falta. e talvez fosse, pra ela, algum tipo de compensação da ausência e abandono dos próprios pais.
é impossível não querer analisar.
também por isso, a noite em que henrique foi embora foi uma das partes mais pesadas e difíceis, principalmente por entender que ele tentou não fazer. mas relações disfuncionais geram atitudes devastadoras.
Henrique é um ser esquecido tanto como homem quanto como professor. não esquecido como todos nós seremos. carrega comsigo a cor da pele, que o torna descartável aos olhos da sociedade (principalmente sulista, em que ele vive).
?Todos os dias. Segue-se, não por bravura ou altivez, mas porque simplesmente não há o que fazer. E não há aí nenhum ensinamento ou lição a aprender. A não ser domar a tristeza e aceitar conviver com ela, você pensava.?
a vulnerabilidade para lidar com dores humanas independe da idade. somos eternos aprendizes cheios de incertezas, inseguranças e desilusões.
há paralelos com crime e castigo e com o próprio dostoiévski no final da história que são muito importantes também.
a morte de Henrique é esperada desde o início. da forma que foi, esperada pelos capítulos intercalados do final sobre a vida de um dos policiais.
da história, no geral, algumas coisas ficam em aberto, e o autor dá espaço para a nossa própria imaginação (não fala como ele e elisa terminaram, mas dá pistas quando ele se questiona sobre dever ter perdoado ela ou não). mas são muitas grandes histórias em poucas páginas e a vida é complexa e repleta de entrelinhas.
ao final do livro, o filho toma a vez de protagonizar a história em nome do pai, carregando consigo Ogum, mas além de tudo, explicitamente a cor de sua pele.